Política Vacina

MPF identifica indícios de crime em compra de R$ 1,6 bi de vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde

Órgão pediu que o caso seja investigado na esfera criminal; enquanto a dose da Oxford-AstraZeneca custa, em média, R$ 19,87, governo aceitou pagar R$ 80,7 por dose do imunizante indiano
Profissional de saúde segura frasco da vacina indiana Covaxin contra a Covid-19 Foto: NOAH SEELAM/AFP
Profissional de saúde segura frasco da vacina indiana Covaxin contra a Covid-19 Foto: NOAH SEELAM/AFP

BRASÍLIA – O Ministério Público Federal (MPF) identificou indícios de crime na compra feita pelo Ministério da Saúde de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin e pediu que o caso seja investigado na esfera criminal. Até então o caso vinha sendo apurado dentro de um inquérito que tramitava na esfera cível. O contrato para a compra da Covaxin totalizou R$ 1,6 bilhão.

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Os indícios de crime foram mencionados pela procuradora da República Luciana Loureiro, que vinha conduzindo as investigações na esfera cível. Em despacho assinado no dia 16 de junho, Loureiro disse que as “a omissão de atitudes corretivas” e o elevado preço pago pelo governo pelas doses da vacina fazem com que o caso seja investigado na esfera criminal. O contrato foi firmado entre o Ministério da Saúde a empresa Precisa, que representa o laboratório indiano Bharat Biotech.

“A omissão de atitudes corretivas da execução do contrato, somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa PRECISA e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto cível e criminal uma vez que, a princípio, não se justifica a temeridade do risco assumido pelo Ministério da Saúde com essa contratação, a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público”, diz a procuradora.

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O contrato entre o Ministério da Saúde e a Precisa foi firmado durante a gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello. Supostas irregularidades na contratação também são investigadas pela CPI da Covid e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Segundo dados consolidados pelo tribunal, a dose da Covaxin negociada pelo governo é a mais cara entre todas as que foram contratadas pelo Ministério da Saúde. Enquanto a dose da vacina fornecida pela Oxford-AstraZeneca custa, em média, R$ 19,87, o governo aceitou pagar R$ 80,7 por dose da Covaxin.

Em seu despacho, a procuradora Luciana Loureiro também lembrou que a Precisa tem, entre seus sócios, a empresa Global Saúde, que é investigada por ter fechado um contrato com o governo federal há alguns para o fornecimento de medicamentos que não foram entregues. Por conta dessa irregularidade, sócios da empresa e o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), são investigados. Barros era o ministro da Saúde no momento em que o contrato entre o governo e a Global foi firmado.

Ainda nesta terça-feira, os advogados do presidente da PRECISA, Francisco Emerson Maximiano, informaram à CPI que o executivo não poderia prestar depoimento à comissão previsto para essa quarta-feira. Segundo os advogados, Maximiano não poderia depor porque voltou recentemente de uma viagem à Índia e precisaria ficar sob quarentena. Segundo o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), o depoimento do executivo deverá ser remarcado para a próxima semana.

Na semana passada, o jornal "Folha de S. Paulo" publicou reportagem com base em depoimento de um servidor o Ministério da Saúde ao MPF que alegou que estaria sofrendo pressões para acelerar o processo de compra da vacina indiana.

Também na semana passada, O GLOBO mostrou que o governo do presidente Jair Bolsonaro negocicou o contrato de compra das doses da Covaxin três vezes mais rápido que do que fez com a Pfizer. Enquanto a negociação com a Pfizer demorou 330 dias, as tratativas para a contratação da vacina negociada pela PRECISA demorou 97 dias. A contratação aconteceu mesmo depois de o Itamaraty fazer alertas ao governo sobre a eficácia e a segurança do imunizante indiano.

As incertezas em relação à segurança da vacina foi um dos motivos que levou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a negar, em março deste ano, o pedido de importação de lotes da vacina feito pelo Ministério da Saúde . Um dos problemas apontados pelos técnicos da Anvisa foi em relação à tecnologia utilizada por ela para produzir a imunização. Segundo a Anvisa, não havia garantias de que a vacina indiana  não pudesse causar outras doenças. Além disso, o laboratório indiano não teria conseguido comprovar a potência da vacina.

Após a apresentação de novos documentos, a agência reguladora autorizou neste mês a importação excepcional de doses da vacina Coxavin com uma série de condicionantes. A decisão atende a pedido da Bahia, do Maranhão, de Sergipe, do Ceará, de Pernambuco e do Piauí e vale apenas para lotes específicos e não representa autorização de uso emergencial.

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Por meio de nota, a PRECISA disse que está à disposição da CPI da Covid e que desconhece investigações do MPF sobre o contrato com o Ministério da Saúde. "A empresa está à disposição dos senadores da CPI para prestar todos os esclarecimentos necessários. A Precisa desconhece oficialmente qualquer investigação do Ministério Público Federal em relação ao contrato firmado para importação de vacinas", diz um trecho da nota.

A empresa disse ainda que o preço cobrado pela dose da vacina no Brasil é o mesmo cobrado em outros 13 países.

Em nota, o ministério afirmou que nenhum pagamento foi feito ao laboratório e que acata as decisões da Anvisa.

"O Ministério da Saúde esclarece que mantém diálogo com todos os laboratórios que produzem vacinas Covid-19 disponíveis no mercado. No entanto, só distribui aos Estados imunizantes aprovados pela Anvisa, que avalia rigorosamente a documentação dos fabricantes", diz a pasta.