Cultura

Depois de corte no cachê de artistas, André Porciuncula quer teto para aluguéis de teatro em projetos da Lei Rouanet

'Agora, o valor máximo será de 10 mil reais', disse o secretário de Fomento e Incentivo em post no Twitter
André Porciuncula já havia avisado sobre corte no cachê de artistas selecionados pela Lei Rouanet Foto: Reprodução
André Porciuncula já havia avisado sobre corte no cachê de artistas selecionados pela Lei Rouanet Foto: Reprodução

Mais uma mudança deve ser feita na Lei Rouanet, de acordo com o secretário de Fomento e Incentivo, André Porciuncula. Via Twitter, Porciúncula anunciou que pretende pôr "fim nos valores astronômicos em aluguéis de teatros" inseridos em projetos selecionados pela Lei Rouanet. "Antes, os aluguéis, injustificadamente, chegavam a milhões de reais, consumindo uma imensa parte dos recursos da Rouanet. Agora, o valor máximo será de 10 mil reais", diz o secretário em um post publicado na manhã desta segunda-feira.

Uma semana depois de anunciar que a Secretaria de Cultura reduzirá em 50% o limite para captação de recursos pelo programa, o secretário de Fomento e Incentivo André Porciuncula revelou também, neste sábado (8), que o órgão também pretende diminuir o teto para cachês artísticos. A atriz Regina Duarte usou seu perfil nas redes sociais para apoiar a medida.

"Outra grande mudança que faremos na Rouanet é acabar com os grandes cachês. O novo teto será de 3 mil reais por artista individual, um valor excelente para artistas em início de carreira", anunciou Porciuncula, por meio do Twitter. "Todos os salários serão tabelados a preço normal. Não haverá exceções para celebridades", ele acrescentou, no mesmo post.

Leia mais: Redução de 50% no teto da Rouanet é vista como entrave

Uma instrução normativa publicada em 2019 estabelece limite para pagamento de cachês artísticos com recursos incentivados, por apresentação, em R$ 45 mil, para artista ou modelo solo. A nova medida, portanto, representará uma redução de 93,4% nesse valor, caso seja oficializada: o teto dos cachês caem de R$ 45 mil para R$ 3 mil.

Entenda: O que significam as novas reduções em valores da Rouanet

— Como Porciuncula também não é celebridade, para utilizar o argumento usado pelo secretário, ele deveria reduzir o salário dele mesmo, já que é muito iniciante e desconhecedor completo do setor cultural — critica Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro (APTR). — Cada vez que Mario Frias e Porciuncula fazem uma declaração dessas para chamar atenção, isso representa a possibilidade de eles ganharem visibilidade, sempre com interesses políticos particulares. A situação já passou do limite da maldade. O desmonte da Rouanet faz lógica dentro do atual desmonte do Brasil. Eles querem negar qualquer situação que movimente um pensamento crítico. O governo quer tirar o acesso da sociedade à cultura, às artes e à educação.

'Descentralização' para inglês ver

Vale lembrar que, no primeiro dia de 2022, produtores foram pegos de surpresa com uma postagem do secretário Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, o ex-policial militar André Porciuncula , com uma proposta de redução de 50% do teto da lei .

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"Isso permitirá uma descentralização ainda maior dos recursos e beneficiará ainda mais os pequenos artistas. Em 2022 vamos ampliar o acesso desses pequenos agentes culturais", justificou Porciuncula no Twitter.

O argumento, no entanto, não faz sentido diante do que promove a atual gestão. Os dados do Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic) apontam uma concentração de recursos. A título de exemplo, sob a gestão Frias, a região Sudeste concentrou 77,76% do dinheiro captado em 2020. No último ano, 78,65% dos recursos foram destinados para São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. A região Norte concentrou 0,79% dos recursos em 2021.

Adriana Donato dos Reis, pesquisadora da Lei Rouanet e consultora em leis de incentivo à cultura, afirma que a medida é inviável e prejudicaria o setor.

— É descabido pensar em diminuir o teto dos artistas em um momento em que a classe cultural tenta se reerguer. Três mil reais é um valor muito baixo, mesmo para um artista em início de carreira, que foi o que mais sofreu com a pandemia. Os valores já foram reduzidos antes, e estão em uma faixa aceitável, de mercado. Além disso, os projetos têm custos da equipe inteira envolvida, que vai desde técnicos até coordenadores — aponta a especialista, que publicou um artigo analisando os 30 anos da Lei Federal, em dezembro de 2021.

Adriana justifica ainda que a medida não beneficiaria a captação e a  democratização porque não faz com que mais artistas sejam contratados, já que a aprovação de um projeto não impede que outros sejam encaminhados e aceitos.

A cantora Fernanda Abreu fala que a medida é mais uma “cortina de fumaça" do governo Bolsonaro.

—  Diante dos bilhões destinados ao orçamento secreto, ao fundo partidário ou dos milhões que o presidente gasta  na pessoa física com o seu cartão corporativo (uma média mensal de 1 milhão e 300 mil reais), esse papo de corte de teto de Lei Rouanet é para provocar uma classe que é majoritariamente contra o seu governo — diz ela. —   Nem vou entrar nesse debate. Até porque desde o primeiro dia do governo Bolsonaro, o que temos visto é a tentativa de demonizar a classe artística e o setor cultural. Mas a cultura brasileira se impõe!  Ela é infinitamente maior que qualquer governo. O que espero é um novo Brasil a partir de 2023, com governantes que valorizem de fato a grandeza da cultura brasileira que,  afinal de contas, é o DNA de uma nação.

Para o produtor Steve Altit , dono da Top Cat Produções Artísticas, a Lei Rouanet precisa de observações contundentes, mas que não podem se traduzir em cortes.

— É papel do governo acompanhar e ensinar aos artesãos e artistas como se inscrever e ter acesso aos recursos, para que a Lei seja democrática— aponta Steve, que critica o projeto que limita o teto. — Isso praticamente inviabiliza as produções do setor cultural, que já foi tão afetado pela pandemia. O objetivo é calar as manifestações culturais contra o governo porque possuem um eco enorme. É uma estratégia política cruel.

Entraves para o setor

Em 2019, o governo Bolsonaro já havia feito uma redução no teto da Lei Rouanet — de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão por projeto — e depois voltou a ampliar o limite para alguns setores, como os musicais, que podem captar até R$ 10 milhões. Projetos de áreas como ópera, concertos sinfônicos, corpos estáveis (de teatro e dança), eventos literários, ações de incentivo à leitura e artes visuais podem chegar até R$ 6 milhões.

— Esse discurso da concentração de recursos vem do desconhecimento do mecanismo da lei. A imensa maioria dos produtores já capta um valor muito inferior do teto a que tem direito. E, como o mecenato é baseado em lucro real, é natural que a maioria dos projetos se concentre no Sudeste, onde as maiores empresas estão. Mas isso não quer dizer que os recursos não sejam aplicados em outras regiões. Há produtoras que fazem projetos para outras praças e vários patrocínios que preveem itinerância — comenta Bianca de Felippes, diretora da APTR. — A redução do teto não vai resolver o problema do produtor que não consegue captar, ele precisa ser assistido pelo fomento direto, via Fundo Nacional de Cultura.

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Bianca cita o exemplo de como os recursos da Lei Aldir Blanc (regulamentada em 2020, mas que teve o prazo de utilização dos recursos prorrogado em 2021) chegaram a projetos menores, ao serem liberados como crédito extraordinário no Orçamento pelo governo federal e distribuídos para pagamento a estados e municípios. A iniciativa também colaborou para a aproximação dos produtores e dos gestores culturais locais, como explica Fabricio Noronha, secretário da Cultura do Espírito Santo e Presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura.

— Num ano de dificuldades, uma grande conquista foi a aproximação com produtores e com o Congresso. As secretarias estaduais e municipais viram um aumento expressivo de inscrições em programas locais, até de produtores que recorriam tradicionalmente à Rouanet e que não utilizavam os outros fomentos — destaca Noronha. — Outro ganho foi a troca com o parlamento, que se mostrou sensível às demandas do setor. Começamos o ano com a expectativa de aprovação da LAB 2 e da Lei Paulo Gustavo na Câmara, depois de ter a urgência da votação aprovada no final do ano legislativo.

Redução em projetos aprovados

Produtores também apontam que a redução do teto seria mais um entrave na Rouanet, que terminou 2021 com muitos projetos aguardando aprovação ou homologação, mesmo tendo recursos captados já disponíveis . Segundo dados do Salic, em 2021 foram 2.718 projetos aprovados contra 4.180 em 2020, uma redução de 35%, enquanto a captação continuou a crescer, chegando a R$ 1,9 bilhão totalizado no último ano.

Outra dificuldade à aprovação de projetos, a falta de recomposição da CNIC (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura) foi finalmente solucionada no dia 23 de dezembro, quando foi publicada no Diário Oficial a lista dos membros para o biênio 2022-2023. Responsável por avaliar, em reuniões mensais, projetos para a obtenção de incentivo fiscal via Rouanet, o colegiado havia terminado o mandato anterior em abril, mas o edital para a nova seleção só foi publicado pela Secretaria da Cultura em outubro. Neste período, as decisões sobre os projetos ficaram exclusivamente a cargo de Porciuncula. Resta saber se o secretário voltará a seguir as análises da CNIC — a comissão tem um caráter consultivo, mas seus pareceres sempre foram vistos como o último passo para a aprovação de projetos.

Procurada, a Secretaria Especial da Cultura não respondeu se existe algum projeto em andamento para a redução do teto da Rouanet e se há data prevista para a primeira reunião da CNIC.