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Política Época

Centenário de Brizola: o legado do político de trajetória única na História brasileira

Nos 100 anos do nascimento do ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio, uma herança está pulverizada entre divisões na família e dissidências no PDT que ele fundou
Posse do Governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola Foto: Arquivo / Agência O Globo
Posse do Governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola Foto: Arquivo / Agência O Globo

Na galeria dos personagens mais relevantes da História política brasileira, Leonel de Moura Brizola, que hoje completaria 100 anos de nascimento, deixa um espólio que ajuda a desenhar o passado do país. Uma dinastia familiar heterogênea ideologicamente. Mas sua herança política se pulverizou – e seguirá dispersa nas eleições deste ano. Estudiosos, netos, políticos denotam a certeza de que o chamado brizolismo teve seu ciclo, mas se encerrou. Alguns acreditam que o ideário voltará, outros que se espalhou por vários partidos, mas aliados muito próximos veem que hoje o PDT, partido que fundou, não levanta mais a bandeira do trabalhismo, parte do tripé que fez de Brizola o herdeiro político de figuras icônicas como Getúlio Vargas e João Goulart.

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- Brizola foi o herdeiro de um legado trabalhista, deixado por Jango, iniciado por Getúlio. Teve uma sobrevida, mas não conseguiu leva-lo à Presidência. O trabalhismo cumpriu seu papel histórico. Mas,  quando a gente vê o Ciro Gomes (pré-candidato do partido à Presidência este ano), nada tem a ver com trabalhismo brizolista. Não existe mais – avalia o cientista político João Trajano Sento-Sé, estudioso do brizolismo e do fenômeno que fez de Brizola governador de dois estados, Rio Grande do Sul, sua terra natal, e Rio de Janeiro. Único político com a marca de ter governado dois estados no Brasil.

No Rio, orbitaram em torno dele nomes como o dos ex-governadores Marcello Alencar e Anthony Garotinho. Sua principal marca foi a criação dos Cieps, projeto também abandonado.

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Resistência. Em agosto de 1961, Brizola comandou, do Palácio Piratini, a Cadeia da Legalidade que garantiu a posse do vice-presidente João Goulart Foto: Arquivo / Agência O Globo / 30/08/1961
Resistência. Em agosto de 1961, Brizola comandou, do Palácio Piratini, a Cadeia da Legalidade que garantiu a posse do vice-presidente João Goulart Foto: Arquivo / Agência O Globo / 30/08/1961

Os sinais de que o homem parece ter sido maior que o partido foi a debandada e movimentos pró-brizolistas dentro do PDT, depois da morte do ex-governador, em 21 de junho de 2004.

Coordenador, em 1982, da campanha de Brizola ao governo do Rio, defensor reverente do brizolismo, Vivaldo Barbosa deixou o PDT em 2010.

- O partido fez um descaminho. O PDT deixou de ser baluarte de defesa do brizolismo. A bancada votou a favor da reforma da Previdência, da privatização da Eletrobras. O tripé direito trabalhista, Previdência e interesses nacionais foi abandonado – diz Vivaldo, hoje filiado ao PT, defensor da pré-candidatura do ex-presidente Lula.

As eleições deste ano marcam ainda mais as cisões do antigo brizolismo. Entre os netos de Brizola, dois são a favor do apoio a Ciro Gomes e um a Lula.

-O terno do meu avô deve estar roto de tanto revirar no túmulo. Há uma esquizofrenia parlamentar. Pedetistas votando a favor da reforma da Previdência, contra o trabalhador. Temos hoje até aliança com ACM Neto, na Bahia. Vejo meu avô vivo na mente do povo brasileiro – diz Leonel Brizola Neto.

-Precisamos de unidade. Mas apoiar o Ciro não faz sentido. Ele trabalhou em duas multinacionais. Vai contra todo o ideário de perdas internacionais de meu avô.

O oposto pensa a deputada estadual, pelo Rio Grande do Sul, Juliana Brizola, gêmea de Brizola Neto, defensora de Ciro.

-Não sou pensadora sobre o trabalhismo. Mas sei que meu avô sempre se posicionou contra a precarização do trabalho. Sei que o berço de Ciro é outro (Brizola, nascido pobre, em Cruzinha, no Rio Grande do Sul). Mas ele tem um projeto de desenvolvimento nacional.

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Fora da dinastia familiar, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, ressalta que é irrevogável o apoio a Ciro, apoiado também por outro neto do ex-governador, Paulo Brizola Neto. Ex-jornaleiro, Lupi conta que se encantou pelo político depois de ler uma reportagem e decidir pegar um ônibus com amigos de faculdade para ouvir o discurso de Brizola no túmulo do ex-presidente Getulio Vargas, na volta do exílio, em 1977. O conheceu em sua banca de jornal no Rio, próxima ao apartamento do ex-governador, na Avenida Atlântica.

Momento histórico. Em 1989, o apoio a Lula no segundo turno Foto: Júlio César Guimarães / Agência O Globo / 13/12/1989
Momento histórico. Em 1989, o apoio a Lula no segundo turno Foto: Júlio César Guimarães / Agência O Globo / 13/12/1989

-O processo ideológico não tem herança individual para ninguém. O trabalhismo está vivo – afirma, garantindo não ver incoerência alguma entre o comportamento do partido desde então e o ideário brizolista.

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Político épico, em 25 de agosto de 1961 liderou a histórica campanha da Legalidade. O episódio garantia que os ministros da Aeronáutica vetassem a posse constitucional do vice-presidente João Goulart, após a renúncia do então presidente Jânio Quadros. Um golpe era iminente. A insurgência política de Brizola foi decisiva para evitar. Em 1962, iniciou sua via política no Rio, ao transferir o título. Mas suas propostas de resistência ao golpe militar de 64 o levam ao longo exílio de 15 anos no Uruguai.