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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Orçamento confirma entrega da caneta Bic de Bolsonaro ao centrão

Lula Marques/Fotos Públicas
Imagem: Lula Marques/Fotos Públicas

24/01/2022 18h00

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Se o sistema tributário é uma espécie de impressão digital da sociedade, os orçamentos anuais são o retrato de momento dos governos. Ao detalhar a distribuição dos recursos públicos disponíveis, a peça orçamentária expõe os objetivos, mesmo os não declarados e confessados, do governante para o ano que se inicia.

A fotografia revelada no Orçamento para 2022, aprovado pelo Congresso e sancionado, com alguns vetos, pelo presidente Jair Bolsonaro, nesta sexta-feira (21), mostra um governo de olho grande nas eleições presidenciais e legislativas de outubro. Como "governo", leia-se Bolsonaro e a base aliada no Congresso, liderada pelo centrão, grupamento a quem o presidente terceirizou suas tarefas de condução política e, em consequência, a distribuição das verbas públicas.

Num quadro social crescentemente problemático, foram reservados recursos para atender políticos - seja nas emendas parlamentares, seja no fundo eleitoral - e categorias específicas de servidores - sabe-se que nesse ponto, a reserva de recursos se destinaria a reajustes de policiais, o que só não foi revelado agora para evitar manifestações de desagrado de outras categorias profissionais. Ao privilegiar interesses políticos e eleitorais mais imediatos, a versão final do Orçamento permite pressupor acirramento do conflito distributivo.

Com a sanção de Bolsonaro, ficam blindadas emendas parlamentares do "orçamento secreto" e a reserva de recursos ampliados para fundos eleitorais - o volume destinado, de R$ 5 bilhões, é mais o dobro do montante destinado aos partidos políticos em anos anteriores. Não são, porém, apenas as rubricas orçamentárias privilegiadas que comprovam serem políticos e eleitorais os principais objetivos do Orçamento 2022.

Isso ficou evidente desde a assinatura do decreto que subordinou as decisões de gastos do ministério da Economia, à Casa Civil chefiada pelo líder do centrão, Ciro Nogueira. A transferência definitiva da caneta Bic orçamentária para o Centrão culminou um processo de muitas voltas e dribles variados nas normas de controle de despesas públicas, com destaque para a PEC dos Precatórios. A PEC abriu espaços para gastos na base de calotes e pedaladas fiscais.

Emendas parlamentares somam, para o ano eleitoral de 2022, mais de R$ 35 bilhões - o maior volume da história e o triplo, por exemplo, do empenhado em 2017. Cerca da metade desse montante atende às emendas de relator, aquelas das quais não se sabe quem é o parlamentar beneficiado, mas logo se conhece a que interesse político específico, em seu curral eleitoral, procurou atender.

Embora tenham sido preservados quase R$ 90 bilhões destinados ao Auxílio Brasil, que assegura benefício mínimo de R$ 400 mensais a vulneráveis, mas só até o fim deste ano, outras ações sociais e de sustentação da cidadania sofreram cortes, por vetos presidenciais. Os mais fortes atingiram os ministérios da Educação e do Trabalho, este com ênfase no INSS. Se a Previdência já enfrenta filas de 2 milhões de pessoas com direito à aposentadoria sem atendimento, é de se imaginar a piora na situação de segurados e candidatos a segurados que ocorrerá com o corte de quase R$ 1 bilhão promovido por Bolsonaro.

Com a compressão das despesas chamadas "discricionárias" - aquelas de alguma forma não obrigatórias - os investimentos públicos desceram ao nível histórico mais baixo. Considerando as emendas parlamentares, que destinam recursos a obras, a rubrica, para 2022, não chega a R$ 45 bilhões.

Um aperto nas despesas de custeio da máquina pública, que também faz parte dos gastos discricionários, deverá se refletir em dificuldades para o cumprimento das tarefas do serviço público. Já havia queixas de que o trabalho de fiscalização corria riscos por falta de recursos, como alegado, por exemplo, pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que fiscaliza o mercado de capitais. Depois dos vetos orçamentários, esses riscos cresceram.

O ministério da Economia, que havia proposto cortes no triplo do volume determinado pela sanção presidencial - eram R$ 9 bilhões reduzidos a R$ 3 bilhões - espera acomodar ao longo do ano as pontas soltas do Orçamento. Mas o único fator capaz de contribuir para essa acomodação é a resistência da inflação em níveis elevados.

Com crescimento pífio previsto para o ano, se não ocorrer uma contração, só altas de preços seriam capazes de impulsionar a arrecadação. Além disso, ações com objetivos políticos e eleitorais podem complicar ainda mais o jogo orçamentário. Por exemplo, se aprovada a proposta de retirar tributos na venda de combustíveis e no fornecimento de energia elétrica, poderão ocorrer perdas em receitas de pelo menos R$ 50 bilhões neste ano.