Saúde Coronavírus

Ministério da Saúde recua e exclui tabela antivacina de nota técnica

Nova versão foi assinada por secretário na noite de segunda-feira
O secretário Hélio Angotti Neto, durante entrevista coletiva Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo/27-06-2020
O secretário Hélio Angotti Neto, durante entrevista coletiva Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo/27-06-2020

BRASÍLIA— O Ministério da Saúde recuou e modificou uma nota técnica usada para defender o uso do "kit Covid ", composto por medicamentos de ineficácia comprovada no tratamento do coronavírus. Após ser alvo de questionamentos, a pasta retirou do documento a tabela que, de forma equivocada, mostrava que a hidroxicloroquina tem demonstrações de segurança e efetividade, e a vacina, não. Ao justificar a mudança, Hélio Angotti, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, alegou que as informações anteriores "ensejaram incorretas interpretações".

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Uma nova versão da nota, assinada pelo secretário olavista Hélio Angotti Neto na noite de segunda-feira, à qual o GLOBO teve acesso, retirou a tabela que trazia a comparação entre as tecnologias. No item 4.17, que fala sobre "Assimetria no rigor científico dedicado a diferentes tecnologias", o secretário manteve, no entanto, menção ao requerimento que coloca a vacina como uma tecnologia sem efetividade e segurança comprovadas, com alto custo e financiada pela indústria. O requerimento traz afirmações opostas no caso da hidroxicloroquina.

"Considerando que determinados aspectos da NOTA TÉCNICA Nº 2/2022-SCTIE/MS (0024896684) ensejaram incorretas interpretações, para fins de melhor esclarecimento e no intuito de promover maior clareza, opta-se por sua revisão procedendo-se a exclusão da Tabela intitulada “Tabela 1 – Tecnologias em saúde propostas para COVID-19 e respectivas informações usualmente relevantes para suas eventuais recomendações”, que constava no item “4.17 Assimetria no rigor científico dedicado a diferentes tecnologias”, tornando sem efeito a NOTA TÉCNICA Nº 2/2022-SCTIE/MS", diz o novo documento.

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A reportagem apurou que a nota feita por Angotti gerou desconforto dentro do Ministério da Saúde. O secretário tentou emitir um comunicado sobre a questão após a a reação da classe médica, mas o posicionamento acabou sendo barrado internamente. Assim, Angotti acabou divulgando o texto paralelamente sem o aval do órgão. Na nota, afirmou que as informações foram descontextualizadas. Ele disse que a tabela tinha como função "demonstrar assimetria nos critérios de julgamento utilizados pra diferentes tecnologias".

— A tabela embora não esteja errada no contexto em que ela se encontra, vamos optar por tirá-la. Não vai mudar nada o parecer, o argumento, mas optamos por retirá-la para promover clareza nos instrumentos administrativos e evitar possível mal uso e incompreensão — afirmou Angotti em entrevista à Jovem Pan News, na segunda-feira.

Como o GLOBO mostrou, o requerimento usado por Angotti em sua nota técnica teve origem na Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGETS), chefiada por Mayra Pinheiro, conhecida como "capitã cloroquina". O documento foi enviado a Angotti por membros da  Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) que acabaram saindo derrotados na votação que aprovou protocolo contrário ao uso do Kit Covid em pacientes não internados.

A nota técnica de Hélio Angotti embasou sua decisão de vetar o protocolo técnico aprovado pela Conitec que traz orientações para o tratamento de pacientes não internados e contraindica o uso do kit Covid. No texto, o secretário critica a metodologia utilizada pelos especialistas que fizeram as diretrizes e afirma que a hidroxicloroquina recebeu avaliação "mais rigorosa" do que outras tecnologias. Angotti é conhecido por defender medicamentos cuja ineficácia contra Covid-19 é comprovada.

Pesquisadores que atuaram na elaboração do protocolo, liderados pelo pneumologista da USP Carlos Carvalho, entrarão com recurso contra a decisão de Angotti. Assim, o tema deve chegar ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para que tome decisão final.

Na segunda-feira, o partido Rede Sustentabilidade pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) afastamento de Angotti do cargo. A sigla também pediu a anulação da nota assinada pelo secretário e elaboração de novo documento.

Entidades médicas se manifestaram contra a decisão de Angotti de vetar asdiretrizes para tratamento de pacientes com Covid-19. Segundo a Associação Médica Brasileira (AMB), os pareceres técnicos "foram frutos de meses do trabalho" de cientistas.

"A portaria da SCTIE/MS vai além em termos de completo desalinhamento científico, e em uma tabela desastrosa tenta induzir erroneamente o entendimento que Hidroxicloroquina/Cloroquina (HCQ/CQC) tem comprovação de eficácia e é segura, e incrivelmente desacredita as vacinas contra Covid rotulando como sem efetividade e com dúvidas sobre a segurança", completa.