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Diretor responsável pelo Enem entrega o cargo

Em carta de pedido de demissão, Anderson Oliveira solicitou exoneração do comando da Diretoria de Avaliação da Educação Básica, considerada a mais importante dentro do Inep
Prédio do Inep em Brasília Foto: Agência O Globo
Prédio do Inep em Brasília Foto: Agência O Globo

BRASÍLIA — Após oito meses à frente da Diretoria de Avaliação da Educação Básica (Daeb) do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Anderson Soares Furtado Oliveira entregou o cargo. A exoneração, a pedido, foi publicada nesta terça-feira no Diário Oficial da União. A saída faz parte de uma série de trocas no comando e nas coordenações do Inep após uma crise que, às vésperas do Enem, levou um grupo de 37 servidores a entregar seus postos em comissão.

Servidor de carreira do Inep, Oliveira é o sexto titular no comando da Daeb nomeado durante o governo de Jair Bolsonaro. Ele vinha tentando deixar o posto há algum tempo, em meio a embates com o alto comando do instituto, inclusive com o presidente, Danilo Dupas.

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No pedido de demissão, ao qual O GLOBO teve acesso, Oliveira afirma que o motivo de sua saída é "exclusivamente de ordem pessoal", mas ressalta que seu compromisso no cargo foi assegurar "robustez técnica aos trabalhos". O diretor se colocou em defesa da autonomia dos servidores na crise interna conflagrada no ano passado após relatos de interferência em questões do Enem.

"Declaro que meu compromisso à frente dessa diretoria foi de assegurar a robustez técnica dos trabalhos, bem como me dedicar para  garantir o direito a educação de  qualidade, equitava e inclusiva, consequentemente, produzir o  impacto  social. Além de trabalhar para o fortalecimento instucional que  só  pôde  ser  garantido por meio da qualidade técnica dos servidores e colaboradores envolvidos", diz Oliveira no documento.

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O servidor de carreira ainda lista, em 18 tópicos, "entregas" feitas no ano passado e no início de 2021 pela equipe, entre elas a elaboração de um projeto de inteligência artificial aplicada à avaliação educacional, visando soluções em correção de redações e revisão de itens, entre outras questões. O rol com as tarefas executadas foi vista como um recado à cúpula do órgão, que teria insinuado ausência de ações concretas do departamento.

Foi nomeada para o cargo  Michele Cristina Silva Melo, que estava na direção de Estudos Educacionais do instituto desde abril do ano passado. Doutora em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Cristina Melo foi professora da universidade entre 2010 e 2015. Depois, assumiu cargo de tecnologista em Orçamento e Finanças no Ministério da Saúde, onde ficou por um ano. Atuou então na Agência Espacial Brasileira (AEB) entre 2019 e 2021.

Ela foi levada para o Inep pelo atual presidente do instituto, Danilo Dupas. É vista como um braço direito dele, atuando inclusieve como presidente substituta, para liderar questões delicadas que envolvam interferências no trabalho técnico do órgão.

Logo que chegou, Melo decidiu instalar um "Comitê Editorial" para auxiliar o processo de publicações de estudos produzidos no instituto, em meio a denúncia de um servidor de que o departamento censurou uma pesquisa de sua autoria que mostrava evidências positivas de política educacional instituída em 2012, no governo petista.

Em nota oficial divulgada pelo Inep sobre a substituição, a ida de Melo da Diretoria de Estudos Educacionais para a de Avaliações Educacionais é creditada a bons resultados apresentados. “Michele liderou importantes realizações para o Inep em 2021, além de ter realizado um trabalho junto à presidência do Instituto na implantação de novas regras para estudos educacionais e pesquisas na Autarquia, visando a maior qualidade nas entregas à sociedade", disse o presidente Dupas, na nota.

No Inep, o clima é de preocupação com a ida da economista para o comando da diretoria de avaliação da educação básica. Há um temor de que ela imprima uma carga ideológica no departamento, segundo servidores ouvidos. Eles também questionam as qualificações técnicas da nova diretora para a empreitada.

Trocas

Na semana passada, a Diretoria de Gestão e Planejamento do Inep também teve o chefe substituído. Alexandre Avelino Pereira foi exonerado do cargo. Um dia depois, coordenadores do departamento foram demitidos das funções comissionadas.

Servidores que assinaram a carta pública denunciando "fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima" do órgão e episódios de assédio moral estão sendo substituídos -- caso de coordenadores da Diretoria de Gestão e Planejamento. E também outros que, apesar de não terem endossado oficialmente  o documento com o pedido de entrega de cargos, portaram-se de forma crítica nos últimos meses em relação à gestão do Inep.

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Em novembro, no auge da crise no Inep, Oliveira apoiou os servidores, contrariando a presidência do órgão. Em ofício ao chefe de gabinete do instituto, Álvaro Parisi, e ao chefe da Assessoria de Governança e Gestão Estratégica, Eduardo Alencar, ele afirmou que as "adversidades que relatam são legítimas e devem receber atuação rápida e eficaz da alta gestão" e do Ministério da Educação (MEC).

A Diretoria de Avaliação da Educação Básica é considerada a mais importante dentro do Inep, sendo responsável pelo Enem e outras avaliações essenciais para a medição da qualidade do ensino no país, como as usadas no cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A média de rotatividade no posto é de um chefe a cada seis meses.

As trocas constantes em cargos de comando no Inep acarretam entraves na gestão do órgão, responsável pelas avaliações educacionais de larga escala no país, apontam servidores. Os ocupantes que chegam ao posto, sobretudo se não são do instituto, levam um tempo para conhecer o funcionanento e se apropriar das rotinas, colocando em risco cronogramas de provas e a própria qualidade dos exames, explicam funcionários do quadro técnico ouvidos pelo GLOBO sob a condição de anonimato.