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Ano de surgimento do BRock, 1982 também marcou por álbuns que tornaram MPB mais pop

Dançantes, discos da música popular brasileira que completam 40 anos em 2022 mostram que nem só da explosão do brock foram feitos aqueles 12 meses
MPB em 1982: Baby do Brasil (então Consuelo), Gilberto Gil, Gal Gosta, Caetano Veloso e Pepeu Gomes Foto: Reprodução
MPB em 1982: Baby do Brasil (então Consuelo), Gilberto Gil, Gal Gosta, Caetano Veloso e Pepeu Gomes Foto: Reprodução

O ano de 1982 pode até ter entrado para a história da música brasileira como aquele no qual Blitz, Lulu Santos e Barão Vermelho abriram as portas para o rock e para toda uma nova turma de artistas. Mas aquele verão, em que o público surfou nas ondas do filme “Menino do Rio”, do Circo Voador no Arpoador e da Rádio Fluminense FM (a “Maldita”) de Niterói, também deu fortes sinais de que algo estava se movimentando na chamada música popular brasileira — de cantores e compositores àquela altura bem estabelecidos no mercado, e de alguns outros há algum tempo à espera de uma oportunidade para dar o salto rumo ao estrelato. Para a MPB, o ano terminaria com muitos discos vendidos, várias músicas de sucesso nas rádios e um bocado mais de cores e nomes para compor o cenário.

— Oitenta e dois foi um ano luminoso, o ano em que o Brasil entendeu que o caminho do sucesso era fazer um som funkeado, com balanço, que tivesse metais e outros elementos do que se fazia lá fora. Pepeu Gomes, por exemplo, até o LP “Raio laser” não usava metais. Os artistas da MPB saíram um pouco dessa coisa de que samba é samba e rock é rock, e passaram a ter um som mais internacional — analisa o DJ e pesquisador baiano (nascido em 1982, por sinal) Ivisson Cardoso, mais conhecido como Meu Caro Vinho.

Funk baiano

Guitarrista dos Novos Baianos, Pepeu ensaiava no começo dos anos 1980 uma carreira solo, apoiado basicamente em seus vastos dotes instrumentais. Em 81, com o álbum “Pepeu Gomes”, ele teve sucesso de rádio com “Eu também quero beijar”, um balanço baiano com pegada funk que acendeu o interesse de sua gravadora da época, a Warner.

— Havia toda a expectativa para o disco seguinte. Eu tinha guardado muitas músicas, parcerias com a Baby [ Consuelo, sua ex-mulher e companheira de Novos Baianos, hoje Baby do Brasil ] e tinha a influência muito forte de David Bowie para usar aquele visual. Fiquei muito entusiasmado e quis fazer uma adaptação tupiniquim dele — conta o cantor e guitarrista. — Teve um investimento muito grande da parte da Warner para que eu fizesse aquele tipo brasileiro de funk. “Um raio laser” foi um disco que eu gravei com muita consciência.

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Músicas desse LP de 1982, como “Fazendo música, jogando bola”, a faixa-título e “Planeta Vênus” fizeram de Pepeu Gomes um nome forte de rádio, enquanto outras como “Olodum origem negra nagô” anteciparam a invasão do pop baiano que seria levada a cabo, dez anos depois, por Daniela Mercury e a axé music (“Os afoxés da Bahia sempre me tocaram muito e eu achei que ali era a hora de registrar algo nesse sentido, sabendo que a expectativa em cima do disco era muito grande”, recorda-se). Mas o que fez de Pepeu (e também de Baby) uma celebridade foram os cabelos coloridos e as roupas futuristas, bowie-soteropolitanas, que ele estreou na capa do disco.

— Era um tempo em que as pessoas não tinham muita coragem de ir para a rua com a roupa de show, para fazer o show na rua. Foi uma ousadia muito irreverente e sadia. Eu passava e diziam assim: “Parece uma arara da Amazônia!” Mas na verdade todo mundo queria usar o cabelo colorido — recorda-se o artista, quase 40 anos depois da revolução com “Um raio laser”.

A tentativa de fazer uma música brasileira com linguagem internacional vingou como nunca em 1982. Artistas com mais de uma década de estrada empilharam hits com seus LPs daquele ano com essa receita —caso dos baianos Gilberto Gil (“Um banda um”) e Gal Costa (“Minha voz”). E com o seu disco gravado em Los Angeles, “Luz”, o alagoano Djavan tornou-se definitivamente uma estrela, depois de anos cantando em boates, discos elogiados e alguns sucessos esparsos.

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Por outro lado, 1982 foi o ano da explosão de dois artistas que poriam o Nordeste de vez no mapa do pop: a paraibana Elba Ramalho (com “Alegria”) e o pernambucano Alceu Valença (“Cavalo de pau”).

— O sucesso de Elba veio muito do que ela fazia nos palcos. Gil e Caetano passaram um bom tempo tentando fazer esse resgate do forró de Luiz Gonzaga e Dominguinhos. Mas Elba foi a artista certa para fazer a renovação — crê Ivisson Cardoso.

Os LPs de 1982 de Elba e Alceu —artistas que já se encontravam em grandes gravadoras antes —foram lançados pela Ariola, empresa alemã que se estabelecia naquela época no Brasil pelas mãos do produtor Marco Mazzola, ex-Warner e ex-Philips. Com Chico Buarque e Milton Nascimento como primeiros contratados, Mazzola sabia que precisava de novos hits para vencer a guerra com as outras multinacionais.

— Eu tinha que dar oportunidade aos artistas do segundo time, que estavam com a cabeça de fora e não viam muita coisa. Eu fui arrematando aqueles que às vezes até estavam em gravadoras, mas insatisfeitos — conta ele. — Quando escutei “Morena tropicana” [ que Alceu Valença lançaria em “Cavalo de pau” ], achei que era uma coisa muito nova, que poderia não dar em nada, mas na qual eu resolvi investir. Na reunião de divulgação, estava todo mundo dançando ela.

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Produtor dos discos de Elba e Alceu, Mazzola também foi atrás do Nordeste pop para o disco de 1982 de Ney Matogrosso na Ariola, e achou do compositor Cecéu um forró que fez grande sucesso: “Por debaixo dos panos”. Enquanto isso, ele tentava seduzir a cantora Simone para trocar a CBS pela sua gravadora. Não conseguiu, mas no processo acabou produzindo o LP dela daquele mesmo ano, “Corpo e alma”, que estourou com a gema dançante “Tô que tô”, dos gaúchos Kleiton e Kledir.

— Tinha os compositores de que ela gostava, e eu vinha na rabeira com outros nomes que poderiam fazer sucesso. Mostrei a música pra ela e disse que ia fazer nos Estados Unidos com uma pegada americana — recorda-se Mazzola, saudoso dessa época em que as gravadoras tinham estrutura e a cotação do dólar não era empecilho. — Além disso, você tinha artistas que não eram descartáveis.

Com uma renovação da MPB e veteranos do pop nacional mostrando eficiência em criar hits (Guilherme Arantes com “Lance legal” e “O melhor vai começar”; Rita Lee com “Flagra”, “Só de você” e “Cor-de-rosa choque”), 1982 foi o ano que, como observa Ivisson Cardoso, até mesmo Nara Leão voltou a ter um sucesso de rádio, com “Nasci para bailar” .

— E também o ano em que a música infantil borbulhou — diz o DJ, lembrando que em 82 saíram o primeiro LP do Balão Mágico e o do especial “Pirlimpimpim” (com “Lindo balão azul” e “Emília, a boneca gente”, cantada por Baby Consuelo).