Cultura

Mudanças na Lei Rouanet serão analisadas pelo STF, em ação movida pela OAB

Instrução Normativa, publicada pelo governo Bolsonaro, estabelece reduções no teto dos projetos e nos cachês individuais de artistas
André Porciúncula e Mario Frias Foto: Reprodução
André Porciúncula e Mario Frias Foto: Reprodução

Publicada nesta terça-feira pelo governo Bolsonaro, a Instrução Normativa que estabelece uma série de mudanças na Lei Rouanet será objeto de questionamento frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), em ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Desde dezembro de 2021, tramita no STF, sob relatoria do ministro Edson Fachin, uma ação sobre os atos e omissões do governo federal que, segundo a OAB, podem provocar o desmonte das políticas de cultura. O processo foi instaurado após a publicação de um decreto, pelo governo Bolsonaro, em julho de 2021 , com mudanças em dispostivos da Rouanet, entre elas uma divisão que incluía "arte sacra" e "belas artes" como categorias distintas. Agora, a Instrução Normativa, que impõe redução de 50% no teto de captação e diminuição de 93% no cachê individual de artistas (veja detalhes abaixo) , também será analisada criticamente e incorporada à ação.

— Se a gente tiver a suspensão dos efeitos do decreto publicado pelo governo em julho de 2021 , (e que já introduzia as mudanças estabelecidas pela nova IN) , essa instrução normativa precisará ser refeita e perderá, portanto, seus efeitos — explica Sydney Sanches presidente da comissão nacional de direitos autorais da OAB.

Sydney ressalta que a nova Instrução  Normativa confirma a dificuldade que o setor da cultura vem enfrentando, no atual cenário político, para colocar à frente seus projetos culturais.

— A nova Instrução é mais restritiva e diminui a margem de manobra e circulação de recursos envolvendo o setor. As faixas de aporte de patrocínio foram todas reduzidas sob a alegação de que haverá um processo de democratização do setor. O que acontece, na verdade, é o contrário. Do jeito que está sendo feita, a redução dos aportes desqualificará muito os projetos e restringirá a circulação da cultura de boa qualidade e de empreendimentos maiores — analisa o advogado.

Entenda mudanças na Rouanet

O governo Bolsonaro oficializou, nesta terça-feira (8), uma série de mudanças na Lei Rouanet, por meio de uma nova Instrução Normativa (IN). As medidas vinham sendo anunciadas, desde 1º de janeiro de 2022, pelo secretário Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciuncula , em posts no Twitter. De acordo com o secretário de Cultura Mario Frias, a ação, que regulamenta um decreto publicado em julho de 2021, tem o objetivo de tornar a Rouanet "mais justa e popular".

O documento estabelece reduções significativas no limite para captação de recursos pela lei. Para projetos de "tipicidade normal", como peças de teatro, o teto caiu de R$ 1 milhão para R$ 500 mil. Para desfiles festivos, eventos literários, exposições de artes e festivais, o valor fica limitado a R$ 4 milhões. Projetos relacionados a concertos sinfônicos, datas comemorativas nacionais, ações de capacitação cultural, inclusão da pessoa com deficiência, museus e memória, óperas, projetos de Bienais, projetos de internacionalização da cultura brasileira e teatro musical poderão captar até R$ 6 milhões.

"Este é um governo voltado para seu povo", tuitou Frias, ao publicar uma foto ao lado de Jair Bolsonaro assinando o documento. Horas depois, o secretário usou as redes sociais para postar um vídeo, em tom de deboche, com uma "musiquinha nova para os mamadores da Rouanet", como ele descreve, e em que diz: "Rouanet eu quero, Rouanet eu quero, na Rouanet eu quero mamar, me dá dinheiro, me dá dinheiro porque senão vou chorar".

Redução de 50% no teto

A nova IN estabelece, como já havia sido anunciado anteriormente, redução de 50% no limite para captação de recursos pela lei. Para projetos de "tipicidade normal", o teto cai de R$ 1 milhão para R$ 500 mil. Para projetos de "tipicidade singular", como desfiles festivos, eventos literários, exposições de artes e festivais, o valor fica limitado a R$ 4 milhões. Para aqueles de "tipicidade específica" — concertos sinfônicos, datas comemorativas nacionais, educativos e ações de capacitação cultural, inclusão da pessoa com deficiência, museus e memória, óperas, projetos de Bienais, projetos de internacionalização da cultura brasileira e teatro musical — o valor máximo fica em R$ 6 milhões.

Inclusão de 'arte sacra'

Entre as principais mudanças, está a alteração na classificação das  áreas culturais contempladas pela Rouanet, com uma divisão que inclui "arte sacra" e "belas artes" como categorias distintas, algo que já havia sido previsto por meio de um decreto publicado em julho de 2021. Dentro delas, estão subdivisões por setor. Além dessas categorias, os projetos passam a ser divididos tambem em "arte contemporânea", "audiovisual", "patrimônio material e imaterial" e "museus e memória".

Diminuição de cachês em 93%

Outra redução confirmada refere-se aos cachês artísticos. O limite para pagamento com recursos incentivados passa a ser de R$ 3 mil por apresentação, para artista ou modelo solo. A última IN estabelecia o cachê individual máximo em R$ 45 mil. A nova medida, portanto, representa uma redução de 93,4% nesse valor. Para músicos, o teto fica estabelecido em R$ 3.500, por apresentação. E, para maestros, R$ 15 mil, no caso de orquestras.

Limite para aluguel de teatros

O documento também estabelece o limite de R$ 10 mil para o valor destinado a aluguéis de teatros , espaços e salas de apresentação, salvo teatros públicos e Espaços Públicos.  A medida é criticada por produtores, pois impossibilitará grandes e pequenas produções de subirem aos palcos.

No Rio de Janeiro, a média do aluguel das salas de espetáculo varia de R$ 14 mil a R$ 18 mil por sessão. O preço é algo abusivo, na opinião de produtores. A nova medida pode instaurar, portanto, uma prática de mercado mais justa e equilibrada, como alguns acreditam.

— O que a gente não pode fazer é parar. Acho que agora precisamos buscar ir para o risco juntos, (produtores e proprietários de teatros) , com a prática do percentual de bilheteria — analisa a produtora Renata Borges Pimenta, da Touché Entretenimento, responsável por produções como "Cinderella", "Madagascar" e "Peter Pan". — Hoje, aliás, a maior parte dos produtores não consegue bancar esse custo dos aluguéis, e aí acaba não realizando o projeto.

Aprovação prévia do governo

Iniciativas culturais realizadas por estados ou municípios com dinheiro da Rouanet precisarão de aprovação prévia da pasta de Mario Frias. Diz o artigo 55 da nova IN: "A inauguração, abertura ou lançamento de programas, projetos e ações culturais realizados com os recursos incentivados por parte de proponentes, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, poderão ocorrer somente com a aprovação prévia da Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo".

A regra pode ser lida como uma resposta, da atual gestão federal, ao governo do estado de São Paulo. Isso porque a medida põe obstáculos para a reinauguração do Museu do Ipiranga, algo que o governador João Doria (PSDB) prevê para o dia 7 de setembro de 2022, em homenagem ao bicentenário da Indepedência. Como se sabe, o governo Bolsonaro tenta, a todo custo, colher para si os louros do projeto.

Obrigação e proibição para patrocinadores

Nos aportes acima de R$ 1 milhão de reais, o patrocinador ficará obrigado a investir 10% em projetos de proponentes que não obtiveram patrocínio anteriormente, condicionados a projetos de capacitação cultural, acervo museológico público, patrimônios imateriais registrados e patrimônios materiais tombados, e de museus e bibliotecas públicas em regiões com menor potencial de captação.

E mais: o documento proíbe empresas patrocinadoras de aportarem recursos por mais de dois anos consecutivos em projetos de um mesmo proponente, de seus integrantes de conselhos e atos constitutivos, salvo Planos Anuais de Atividades ligados a setores de museus públicos, patrimônio material e imaterial e ações formativas de cultura, sob pena de inabilitação do proponente.

Limites em valor para divulgação

Os custos de divulgação para projetos beneficiados com recursos também foram alterados. Antes, o percentual destinado à divulgação não poderia ultrapassar 30% do valor do projeto de até R$ 300 mil e 20% para os demais projetos.

Agora, os custos de divulgação, incluindo assessorias de comunicação, não poderão ultrapassar: 20%, para projetos de "tipicidade normal"; 10%, para projetos de "tipicidade singular"; 5%, para de "tipicidade epecial"; e 10%, para projetos de "tipicidade específica" até o valor de R$ 500 mil.

Prazo de captação alterado

O prazo máximo de captação, com eventuais prorrogações, passa a ser até 24 meses. Antes, a captação poderia ser realizada em até 36 meses.

Orçamentos fixos

A nova IN decreta a não possibilidade de execução do orçamento com alterações no valores aprovados. Antes, era possível aprovar, desde valores não alterados, o remanejamento entre itens de despesa. Agora, é preciso permanecer com o mesmo orçamento por um ano.