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Áreas de alto risco de Petrópolis deveriam ter sido evacuadas após alerta há 2 dias, diz especialista

Defesa Civil municipal foi avisada de risco de 'deslizamentos pontuais' na segunda; magnitude foi surpresa, diz meteorologista

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São Paulo

No dia anterior aos temporais que já deixaram dezenas de mortos em Petrópolis (RJ), a Defesa Civil municipal recebeu um alerta de possibilidade de "chuvas isoladas ao longo do dia, podendo deflagrar deslizamentos pontuais, especialmente nas regiões de serra e/ou densamente urbanizadas" na região serrana do estado, onde fica a cidade.

O aviso foi dado na segunda-feira (14) pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais) e deveria ter levado autoridades a retirarem os moradores das áreas de alto risco, diz Paulo Artaxo, professor titular do Instituto de Física da USP e vice-presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.

A lei 12.608/2012, em seu artigo 8º, aponta que compete ao município (Defesa Civil municipal) a evacuação de áreas de alto risco.

Segundo a Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro, ao receber um alerta, a esfera estadual orienta a Defesa Civil municipal a acionar as sirenes.

Sirenes foram acionadas às 16h42 desta terça (15), segundo a Defesa Civil municipal. São 18 sirenes na região do primeiro distrito, que engloba o centro e bairros como Valparaíso e Quitandinha após o volume de chuva atingir o requerido para acionamento do equipamento e emissão do alerta sonoro.

Questionado sobre qual seria o volume mínimo de chuva para acionamento de sirenes, o órgão municipal não soube responder.

Bombeiros buscam sobreviventes em área de deslizamento em Petrópolis, no Rio de Janeiro
Bombeiros buscam sobreviventes em área de deslizamento em Petrópolis, no Rio de Janeiro - Carl de Souza/AFP

"O governo do Rio de Janeiro deveria ter evacuado [as áreas de alto risco de] Petrópolis quando recebeu o alerta de risco de desastre. Isso é óbvio", afirma Artaxo.

Choveu na região em poucas horas mais do que a média histórica para todo o mês de fevereiro. Foram 258 mm, e a previsão é de mais chuva forte na quinta (17) e sexta (18).

"Se há um alerta de chuva forte em uma região sabidamente de risco, a primeiríssima coisa a se fazer é retirar todo mundo desse local", disse Artaxo.

Em entrevista à imprensa, perguntado sobre o funcionamento de radares meteorológicos comprados em 2014 pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), o governador Cláudio Castro (PL) respondeu: "Não chegou esse aviso. Se tivesse chegado com certeza teríamos feito [a evacuação da população]".

Castro elogiou o trabalho da Defesa Civil e disse que as sirenes funcionaram muito bem. "Muita gente deixou de ser vitimada graças ao trabalho deles", afirmou.

Novamente perguntado sobre a necessidade de prevenção da tragédia, o governador argumentou que isso já vem ocorrendo, mas leva tempo. Ele destacou investimentos e obras de contenção de encostas de um programa apresentado "bem antes da tragédia".

"Que sirva de lição para que a gente aja de maneira diferente. Já está acontecendo de maneira diferente. A presença de todos os órgãos aqui prova isso", disse.

Na realidade da crise climática, na qual já estamos inseridos —o mundo já aqueceu mais de 1°C em relação ao período pré-industrial—, os eventos extremos, como chuvas fortes concentradas em um curto espaço de tempo ou secas intensas (duas situações que o Brasil viveu do último ano para cá) são esperados com cada vez mais frequência.

O relatório mais recente do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) já mostrava a situação e apontava as áreas que devem ser mais afetadas, por diferentes tipos de fenômenos, com o aumento da temperatura média da Terra.

Por exemplo, a região Sudeste (além de partes dos estados centrais do país e o Sul), da qual fazem parte Rio de Janeiro e Petrópolis, deve sofrer com as chuvas pesadas. Ao mesmo tempo, Amazônia e Nordeste devem enfrentar períodos de secas mais severos.

Para o físico, não houve evacuação porque as Defesas Civis do Rio de Janeiro não estão preparadas para lidar com uma situação como essa. "Uma década depois do desastre de 2011 e isso volta a acontecer. O contexto climático, chuva e região de alto risco, é similar ao de dez anos atrás e ainda assim vivemos mais um desastre."

Artaxo avalia que, apesar de ter havido avanços, como a instalação de sirenes na região e o monitoramento de áreas de risco após a criação do Cemaden, "de nada adianta monitorar o risco se a Defesa Civil não for capaz de atuar. As defesas civis brasileiras precisam quadruplicar de tamanho urgentemente", afirma.

Segundo Artaxo, mapear as áreas de risco não é suficiente. Deve-se dar condições para que a população que ocupa o local se mude e evitar que novas ocupações ocorram.

Além do deslocamento populacional, também deveria ser feita a recuperação das encostas com reflorestamento, o que ajuda a fixar a terra e reduz o risco de movimentação do terreno, aponta o climatologista.

O mapeamento de áreas de risco, sirenes, reflorestamento e até evacuação de população são essencialmente medidas que fazem parte de políticas de adaptação climática, visando diminuir potenciais riscos associados à crise do clima. Outras possíveis ações adaptativas são melhorias na drenagem e no escoamento da água e construção de abrigos contra enchentes.

"Não adianta chamar de tragédia quando na verdade a tragédia é deixar a população mais vulnerável sob risco de morte. As pessoas perdem tudo nessas inundações", diz Artaxo.

Os deslizamentos foram previstos e notificados à Defesa Civil do município, mas a magnitude pegou todos de surpresa, diz José Marengo, meteorologista e coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden.

A violência e intensidade dos deslizamentos remetem à tragédia de 2011 na região serrana do Rio. Na ocasião, mais de 900 pessoas morreram. O caso foi classificado pela ONU como um dos dez piores deslizamentos do mundo em 111 anos.

Para Marengo, não há dúvida de que os eventos climáticos estão cada vez mais extremos, mesmo em comparação à tragédia de 2011. "Menos pessoas morrem hoje porque se criou uma cultura de monitoramento de desastres com a criação do Cemaden. Até 2011, os alertas tratavam apenas da chuva e não de movimentação de massa [deslizamentos, escorregamentos e correlatos]."

O meteorologista reflete sobre a importância do monitoramento para evitar mortes —uma vez que, apesar de ser possível gerar alertas, é praticamente impossível evitar os deslizamentos— e compara a tragédia de 2011 à da Bahia em dezembro de 2021. "As chuvas na Bahia foram piores do que as de Petrópolis, mas morreram menos pessoas do que em 2011."

Alguns pontos da região serrana do Rio de Janeiro registraram cerca de 200 mm de chuva em um dos dias mais chuvosos de janeiro de 2011. Em 24 de janeiro, as prefeituras já haviam resgatado mais de 800 corpos. Em Itamaraju, no sul da Bahia, uma década mais tarde, em um único dia foram registrados cerca de 324 mm de chuva. No fim do mês, o número de mortos chegava a 24 e pelo menos 58 cidades haviam sido afetadas.

Ainda assim, o país não aprendeu o que deveria, diz Artaxo.

"Escolas foram varridas do mapa ontem em Petrópolis. Essas crianças vão perder um ano de suas vidas por causa de um desastre que poderia ter sido evitado se o Brasil tivesse aprendido a lição após 2011. O Cemaden precisa crescer e receber verba."

O Cemaden foi criado em julho de 2011 por decreto da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) menos de seis meses após o maior desastre na região Serrana.

As verbas insuficientes destinadas para adaptação climática são uma realidade global. Em geral, os países implementam medidas adaptativas (aquelas que, de forma geral, tentam evitar problemas maiores) em ritmos inferiores ao necessário para acompanhar as mudanças climáticas.

Recentemente, o dinheiro destinado à adaptação se manteve o mesmo ou até mesmo diminui —em parte, por causa da pandemia de coronavírus—​, ao mesmo tempo em que a crise climática se aprofunda.

"O Brasil precisa se preparar melhor para os eventos climáticos extremos. O Brasil precisa implementar um plano de adaptação ao novo clima que já está aqui hoje", afirma Artaxo.

Erramos: o texto foi alterado

Para Paulo Artaxo, as áreas de risco de Petrópolis deveriam ter sido evacuadas, não a cidade, como foi publicado incorretamente em versão anterior do título e do texto. 
 

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