Mundo COP-26

Brasil faz concessões para garantir acordo sobre mercado de carbono, sinaliza ministro do Meio Ambiente

Governo abre mão de mecanismo que permitiria a empresas vender créditos de carbono sem descontar da meta oficial do país
Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, discursa durante a COP26, em Glasgow Foto: YVES HERMAN / REUTERS
Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, discursa durante a COP26, em Glasgow Foto: YVES HERMAN / REUTERS

GLASGOW, ESCÓCIA —  O Brasil afirmou nesta quinta-feira que vai abrir mão de um dispositivo dentro do acordo do clima que permitiria aos países exportar créditos de carbono sem que precisassem fazer o ajuste correspondente nas suas metas de corte de emissões de gases-estufa. Essa nova posição, que se desviaria da posição histórica do país em negociações na área, foi confirmada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, em entrevista na conferência da ONU sobre mudanças climáticas, a COP26 .

O intuito da decisão, afirmou, foi destravar o debate sobre a implementação do Artigo 6 do Acordo de Paris,  com a regulamentação dos mercados de carbono.

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O Artigo 6 versa sobre mecanismos de cooperação e precificação de CO 2 . Num mercado de carbono global, um país que ultrapassar sua meta de corte de emissões pode vender esse adicional na forma de créditos de carbono. A ideia é tornar as metas dos países mais fluidas e facilitar o corte global nos gases-estufa.

O Brasil vinha insistindo, porém, na ideia de que empresas pudessem vender créditos de carbono para outros países sem que a promessa brasileira de corte de emissões tivesse que ser ajustada. A lacuna poderia prejudicar a ambição global para combater a crise do clima.

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Em Glasgow, o ministro disse que o país apoia uma proposta de texto para o Artigo 6 que não abre mais margem para a chamada contagem dupla, isto é, quando um país vende créditos de carbono, mas não desconta o montante da sua meta de corte. Questionado sobre se o Brasil estava abrindo mão do posicionamento anterior, entretanto, Leite afirmou que o movimento "não é abrir mão, mas claramente um posicionamento construtivo do Brasil nessa proposta".

A discussão tem uma área cinza, porque negociadores brasileiros tinham posições diferentes para os parágrafos 2 e 4 do Artigo 6, que tratam respectivamente de comércio de emissões entre países e entre empresas.

O Brasil era favorável a ajustes correspondentes na sua meta para créditos de carbono trocados entre países. Quando empresas vendessem créditos num mercado internacional, porém, o país era mais reticente a aceitar o ajuste, porque tem receio de que o movimento de uma empresa o obrigue a rever uma política de Estado.

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Apesar de os negociadores brasileiros tradicionalmente rejeitarem ajustes correspondentes por créditos vendidos por empresas, nunca reconheceram, porém, que isso seria "contagem dupla", apesar de críticas de ambientalistas e especialistas.

Na entrevista, Leite não detalhou a posição do país, mas fez referência a um esboço de texto que está na mesa de negociação em Glasgow buscando um consenso.

— Já tem uma proposta em andamento, que o Brasil claramente está apoiando, uma proposta que garante toda a integridade do sistema, para que o sistema e o mercado e o Artigo 6 sejam uma ferramenta de mais ambição [de cortes de emissão] e de uma transição mais justa, especialmente para regiões que precisam de incentivo — afirmou o ministro. — Infelizmente alguns países estão resistentes a essa proposta apoiada pelo Brasil e por vários outros países, e nós temos 48 horas para tentar buscar esse consenso.

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Uma outra posição do Brasil que conflitava com países desenvolvidos em 2019 era a transferência de créditos de carbono gerados no contexto de outro acordo climático, o Protocolo de Kyoto, vigente até 2020. Muitos países em desenvolvimento queriam transportar esses créditos para o novo acordo, o que também poderia comprometer a soma total de ambição de corte de emissões num novo mecanismo global de mercado de carbono, que o Acordo de Paris prevê.

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Sobre esses créditos, Leite diz que os negociadores brasileros buscam consenso de maneira diferente, sem abrir mão da demanda anterior.

— Nesse novo texto tem uma transição para Kyoto de uma forma responsável, que garanta a integridade do sistema — disse.

Se na última conferência do clima, em 2019, o Brasil foi o maior bloqueador das negociações sobre o mercado de carbono, quem está travando o acordo agora é a Suíça, que diverge de outros países ricos que também têm interesse no comércio de emissões. O tipo de mecanismo que a Suíça apoia, porém, difere daquele proposto no esboço de acordo feito pelo Japão, ao qual o Brasil aderiu.

A Suíça, que tem interesse em um formato de comércio de emissões voluntário, anunciou nesta quinta um acordo com Peru, Gana, Senegal, República Dominicana e Vanuatu para um mercado de emissões dentro do grupo. A ausência do Brasil, que tem grande potencial gerador de créditos de carbono, recebeu crítica de ambientalistas.

Simonetta Sommaruga, chefe do departamento de ambiente da Suíça e enviada do país para a COP26, insistiu em afirmar que o acordo estava em linha com o de Paris, que tem uma referência explícita contra dupla contagem em seu texto.

— Esse acordo permite a comercialização de redução de emissões com alto padrão para integridade ambiental e desenvolvimento sustentável. As reduções de emissão atingidas não podem ter dupla contagem dupla, nem esta pode ser reivindicada — afirmou Sommaruga.

No plano mais geral da negociação na COP26, o principal entrave a um consenso para a declaração final da conferência foi a falta de comprometimento dos países desenvolvidos de compor o fundo que precisa desembolsar US$ 100 bilhões por ano para os países em desenvolvimento.

Os valores empenhados ainda não fecham a conta, e as nações em desenvolvimento ameaçam travar uma declaração que prevê alguns avanços, como a revisão mais frequente de promessas de corte no CO 2 e um alinhamento mais concreto com o objetivo de limitar o aumento de temperatura a 1,5°C. O governo do Brasil fez coro com os países mais pobres por um comprometimento maior dos países ricos na questão financeira, movimento que mobilizou também muitas ONGs.