Um Só Planeta COP-26

Falta de consenso entre países põe em xeque otimismo com acordo sobre mercados de carbono na COP26

Com quatro cenários possíveis, artigo 6 do Acordo de Paris depende de consenso entre Brasil, China, EUA, Índia, UE e Japão
Fumaça saindo de unidades industriais ao longo do porto de Newcastle, o maior porto exportador de carvão do mundo Foto: SAEED KHAN / AFP
Fumaça saindo de unidades industriais ao longo do porto de Newcastle, o maior porto exportador de carvão do mundo Foto: SAEED KHAN / AFP

GLASGOW, Escócia — O assunto mais controverso e complicado da COP 26, o famoso artigo 6 do Acordo de Paris, pode estar chegando a um bom termo, segundo alguns negociadores. Mas o tema que trata dos mercados de carbono ainda tem quatro cenários possíveis de desfecho e várias aparas.

O tópico, um dos últimos a emergirem do Acordo de Paris, em 2015, foi criado pelo Brasil e pela União Europeia (UE), no caso dos mercados de carbono. Mas diferenças de visão bloquearam um acordo em 2019, na COP de Madri. O Brasil levou a culpa.

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São três subartigos. De maneira simplificada, o 6.2 trata do comércio de emissões via países. O 6.4 funciona da mesma forma, mas o comércio ocorre entre empresas. E o 6.8 foi proposto por alguns países como a Bolívia, que não aceitam a ideia de mercantilização da natureza e preferem mecanismos de cooperação internacional.

— Estamos mais perto de um acordo no artigo 6 do que jamais estivemos — disse à Bloomberg Felipe De Leon Denegri, negociador da Costa Rica.

O otimismo, é verdade, vem do fato de todos os países envolvidos desejarem um acordo no tópico. O problema é que há ainda quatro cenários possíveis e alguns colocam tudo a perder.

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Em um deles, China e Índia são decisivos. Os dois países estudam como aceitar os "ajustes correspondentes". A ideia é a seguinte: um país que não consegue cumprir sua meta compra créditos de emissões de um outro que, ao contrário, conseguiu cumprir o compromisso com folga.

No final da transação, o país que comprou desconta o montante de emissões de sua meta nacional e o outro faz o movimento oposto, acrescenta toneladas de carbono em sua meta.

O mesmo critério serve para as transações entre empresas — com o acréscimo de emissões nas metas nacionais do país que vendeu.

— No limite, esta situação pode criar um problema — explica um negociador. — Fazer com que os países que vendem créditos não consigam cumprir suas metas nacionais.

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O ponto tem sido estudado por China e Índia, que podem não concordar com ajustes correspondentes neste caso. Isto faria a União Europeia desembarcar do acordo no artigo 6 e passar a transacionar diretamente, entre mercados, sem a regra do Acordo de Paris.

Os dois cenários colocam o consenso no artigo 6 em risco.

Outro ponto delicado é o que foi levantado pelo Brasil em Madri. O Brasil tem uma meta climática que abrange toda a economia e não apenas alguns setores.

Isso pode criar a seguinte situação: empresas de determinado setor comercializam muitos créditos, e o país têm que ajustar sua meta climática penalizando outros segmentos da economia, que terão que fazer mais esforços.

O Brasil também defende que os antigos créditos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), herdados do Protocolo de Kyoto, sejam transportados para o novo sistema. A União Europeia é contrária. A China, que tinha o maior volume de MDLs, desistiu da operação em Madri.

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O Brasil não desistiu, mas como quer um acordo, tornou a posição mais flexível. Os negociadores continuam insistindo que o novo regime adote algo parecido, um Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável. Mas nem o nome é consenso na negociação.

Sobre os antigos créditos, o Brasil propôs que entrassem no novo regime por um período de transição, e sem ajustes correspondentes -- como se fosse uma fase experimental.

O Japão, por seu turno, abriu uma quarta frente possível com uma proposta que cria um organismo sob a Convenção do Clima. O órgão examinaria projeto a projeto e veria se são consistentes e trazem esforços adicionais às metas nacionais. O Brasil apoia a ideia.

No meio deste nó está o financiamento à adaptação. Muitos países não se beneficiam das transações dos mercados de carbono, querem que uma taxa seja cobrada nas operações e alimente o fundo de adaptação.

Os Estados Unidos se opõem à ideia.

— Não aceitam que um imposto criado em um sistema multilateral balize relações bilaterais — explica um diplomata.

(A jornalista viajou a Glasgow a convite do Instituto Arapyaú)