• Tiemi Osato*
Atualizado em
Brasileiros descobrem primeiro dinossauro sem dentes da América do Sul (Foto: Maurilio Oliveira)

Brasileiros descobrem primeiro dinossauro sem dentes da América do Sul (Foto: Maurilio Oliveira)

O ano era 2011 quando profissionais do Centro Paleontológico da Universidade do Contestado (Cenpaleo), em Santa Catarina, e do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, iniciaram escavações no município de Cruzeiro do Oeste (PR). O trabalho de campo se estendeu até 2014 e, nesta quinta-feira (18), apresenta seus frutos: uma nova espécie de dinossauro, a Berthasaura leopoldinae. Considerada excepcional, a descoberta foi publicada hoje no periódico Scientific Reports, da renomada Nature.

Apelidada “Bertha”, a peça representa um réptil juvenil, que ainda não tinha atingido a maturidade, e abelissaurídeo — mais especificamente da família Noasauridae, dos Abelisauridae, típica do supercontinente Gondwana. O animal viveu no período Cretáceo em um ambiente de deserto, com clima árido e poucas áreas úmidas.  O espécime se destaca por uma série de fatores, como a quantidade de ossos preservados.

A maioria dos dinossauros brasileiros são conhecidos por esqueletos muito fragmentados — o que não é o caso da Bertha. “Apesar de estar todo desarticulado, o esqueleto tem quase todas as partes do corpo muito bem representadas”, explica Geovane Alves Souza, aluno de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Zoologia do Museu Nacional/UFRJ e autor principal do artigo, em entrevista coletiva virtual da qual GALILEU participou.

Os pesquisadores conseguiram recuperar restos do crânio, da mandíbula, da coluna vertebral, das cinturas peitoral e pélvica e dos membros anteriores e posteriores. Trata-se, portanto, de um dos dinossauros mais completos do Cretáceo brasileiro do qual se tem registro. Souza ressalta que é raro obter o crânio de terópodes (tanto no mundo quanto no Brasil), o que torna a descoberta ainda mais valiosa.

Esqueleto consiste em um dos dinossauros mais completos do período Cretáceo brasileiro (Foto: Divulgação)

Esqueleto consiste em um dos dinossauros mais completos do período Cretáceo brasileiro. Acima, detalhes do crânio (Foto: Divulgação)

A partir da análise da coluna vertebral, é possível dizer que Bertha tinha cerca de 1 metro de comprimento. De porte pequeno, o dinossauro não deveria ultrapassar 80 centímetros de altura e, embora o peso ainda não tenha sido estimado com exatidão, os especialistas pensam que o animal tinha no máximo 10 quilos. Com base no local onde foi encontrado, acredita-se que o material tenha entre 70 milhões e 80 milhões de anos.

O grau de preservação do exemplar pode ser fruto justamente do ambiente inóspito desértico em que Bertha viveu, conforme pontua Luiz Weinschütz, geólogo do Cenpaleo e coordenador das escavações. "Na última década, dezenas de fósseis foram coletados nessa região, o que levou à descrição de novas espécies, particularmente de pterossauros. Essa nova descoberta de um dinossauro, o segundo da região, mostra a importância daquele sítio fossilífero que chamamos de cemitério dos pterossauros”, comenta.

Outro elemento que chama a atenção e torna a descoberta genuinamente rara é a ausência de dentes no espécime — característica incomum para terópodes da era Mesozóica. “Seria estranho pensar pelo viés da preservação, porque boa parte do esqueleto está preservado, então por que os dentes não estariam?”, questiona Geovane Souza.

Para determinar se, de fato, Bertha nunca teve dentes, ela foi submetida a uma microtomografia computadorizada. O procedimento não revelou nenhum indício desse tipo de estrutura, comprovando a condição edêntula do réptil. Apesar de o edentulismo já ter sido visto no dinossauro chinês Limusaurus inextricabilis, esse é o primeiro registro na América do Sul.

Berthasaura leopoldinae é o primeiro dinossauro edêntulo da América do Sul (Foto: Divulgação)

Berthasaura leopoldinae é o primeiro dinossauro edêntulo da América do Sul (Foto: Divulgação)

Além disso, a equipe de pesquisa conseguiu identificar marcas e sulcos que sugerem a presença de um bico córneo de queratina, semelhante ao das aves atuais. Essas informações suscitam várias indagações quanto à alimentação do dinossauro. Por viver em um local desértico com escassez de recursos nutricionais, uma dieta onívora seria uma boa estratégia para Bertha (mas essa hipótese ainda não foi confirmada).

Homenageadas

O nome científico do espécime também é uma novidade. Isso porque Berthasaura é o primeiro terópode a receber um nome genérico feminino na paleontologia. Mesmo que não se saiba o sexo biológico do exemplar, a equipe decidiu homenagear a bióloga Bertha Lutz. “Ela teve uma vida bastante ativa nas carreiras científica e política, e mereceria ser bem mais reconhecida pela sociedade brasileira”, declara a pesquisadora Marina Bento Soares, do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional.

Já o epíteto leopoldinae homenageia a Imperatriz Maria Leopoldina, que foi uma grande incentivadora das ciências naturais no Brasil, e a Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, que em 2018 dedicou o desfile de Carnaval na Marquês de Sapucaí ao bicentenário do Museu Nacional.

“De todas as descobertas que já fiz na minha vida, essa está entre as cinco principais”, diz Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional e um dos autores do artigo. Na avaliação dele, mais do que um achado surpreendente, o trabalho carrega um aviso claro: “invistam em ciência no Brasil porque a gente consegue fazer descobertas bacanas”.

Kellner conta que a ideia é, futuramente, expor no museu o esqueleto e a réplica de Bertha — feita pelo paleoartista Maurilio Oliveira —, permitindo visitas do público. E, daqui para frente, os planos de pesquisa consistem em compreender Bertha com mais profundidade, realizando análises para determinar sua idade exata e entender como se dava a interação entre as demais espécies que habitavam o mesmo ecossistema que o mais novo dinossauro brasileiro.

*Com supervisão de Luiza Monteiro