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Lira e Pacheco agem para manter em segredo nome de parlamentares do orçamento secreto

Os presidentes da Câmara e do Senado defendem não ser possível identificar e divulgar os padrinhos das emendas de relator porque a lei não previa esse nível de transparência no passado

Foto do author Daniel  Weterman
Por Breno Pires e Daniel Weterman
Atualização:

BRASÍLIA - A cúpula do Congresso Nacional age para manter em segredo os nomes dos deputados e senadores beneficiados com emendas de relator relativas a 2020 e 2021,mesmo após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu a execução dessas verbas e determinou a divulgação das informações. Esses repasses de dinheiro público estão no centro do orçamento secreto, mecanismo usado pelo governo de Jair Bolsonaro para distribuir bilhões de reais a um grupo de parlamentares, com o objetivo de aprovar projetos de interesse do Palácio do Planalto.

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Na liminar que determinou a "ampla publicidade" dos repasses, a ministra Rosa Weber, do Supremo, estabeleceu que os nomes dos parlamentares beneficiados devem ser divulgados, incluindo os valores que já foram pagos. A ministra escreveu que “o regramento pertinente às emendas do relator (RP 9) distancia-se dos ideais republicanos, tornando imperscrutável a identificação dos parlamentares requerentes e destinatários finais das despesas nelas previstas, em relação aos quais, por meio do identificador RP 9, recai o signo do mistério”. A decisão da magistrada foi referendada pelo plenário da Corte, por 8 votos a 2, mas a cúpula do Legislativo e do Executivo se prepara para driblar a ordem por meio de artifícios jurídicos que envolvem justamente a informalidade do esquema de loteamento do orçamento em troca de apoio.

Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deram declarações públicas nesse sentido entre a semana passada e nesta segunda-feira, 23. De acordo com eles, não é possível identificar e divulgar os padrinhos das emendas de relator relativas a 2020 e 2021 porque a lei não previa esse nível de transparência no passado.

Uma das brechas usadas por Lira e Pacheco para justificar não dar a transparência exigida pelo Supremo é a falta de uma indicação formal por parte do parlamentar beneficiado Foto: Dida Sampaio/Estadão

Para especialistas e técnicos de órgãos de controle, no entanto, o governo e o Congresso são obrigados a dar transparência a essas indicações e a todos os critérios adotados para aprovação e execução das emendas, incluindo a digital de quem indicou o recurso.

Conforme o Estadão/Broadcast apurou, Pacheco deve procurar os ministros do STF para sustentar a brecha que limitaria a transparência do passado e prometer que os padrinhos serão identificados apenas a partir do Orçamento de 2022, em uma tentativa de modular a decisão do STF. O presidente do Senado se reuniu na última semana com o presidente do Supremo, Luiz Fux, e deve conversar com outros ministros nos próximos dias.

"A origem dessas emendas é o relator-geral do Orçamento. Não há obrigatoriedade legal de se identificar como e por que o relator-geral definiu tal ou qual emenda para tal ou qual município", disse Pacheco durante evento da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), na capital paulista, nesta segunda-feira, 22. O presidente do Senado defende limitar a transparência à divulgação do beneficiário final do recurso, mas não abre mão de manter em segredo quem apadrinhou a verba. "Isso não era exigido pela lei até então, nem por isso era uma emenda que fosse oculta, absolutamente não é."

Na semana passada, o presidente da Câmara falou no mesmo sentido. Ao citar o impasse, Lira usou uma regra de mudança tributária como exemplo para defender a inviabilidade de dar toda a transparência ao que já passou. "A gente está discutindo no intuito de cumprir-se a decisão na medida da sua exequidade. A gente não pode é, por exemplo, se uma empresa que tem um sistema de um Simples, declara o Imposto de Renda de um jeito, você fazer uma lei agora e pedir para ela retroagir", disse o deputado na última quinta-feira, 18.

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Uma das brechas usadas por Lira e Pacheco para justificar não dar a transparência exigida pelo Supremo é a falta de uma indicação formal por parte do parlamentar beneficiado. Como o Estadão revelou na série de reportagens iniciada em maio, as emendas de relator-geral do orçamento de 2020, em parte, foram direcionadas atendendo pedidos individuais feitos por deputados e senadores, registrados em ofícios. Depois que o mecanismo foi revelado, porém, o Congresso concentrou os pedidos no relator-geral do orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (PSL-AC), cortando as solicitações diretas.

Assim, uma solução aventada no Palácio do Planalto é dar publicidade apenas aos ofícios do relator-geral e alegar que, formalmente, desconhece os nomes dos deputados e senadores solicitantes desses repasses – apesar de essas informações serem conhecidas informalmente, pois fazem parte da articulação do Executivo com o Legislativo. O Congresso, por sua vez, também alega não ter as informações centralizadas. O Supremo não intimou diretamente o relator-geral a apresentar os nomes dos parlamentares, que nesse jogo de empurra poderão continuar em segredo.

Execução.Tanto Pacheco quanto Lira defendem a retomada da execução das emendas de relator suspensas pelo STF. A Polícia Federal pediu ao Supremo para investigar suspeitas de desvios de dinheiro público por meio do orçamento secreto. Para convencer os ministros da Corte, a cúpula do Congresso promete apresentar um projeto de resolução para alterar o mecanismo de indicação das emendas de relator (RP-9) a partir do Orçamento de 2022.

O relator da proposta, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou que uma das medidas é estabelecer um limite de valor para as emendas RP-9, base do orçamento secreto, que neste ano somaram quase R$ 20 bilhões. "Houve um exagero. Se depender de mim, as emendas continuarão, mas com uma trava, um limitador", disse em entrevista à Rádio Eldorado nesta terça-feira. Ele afirmou que a proposta vai incluir um mecanismo para dar transparência aos repasses, mas apenas para as emendas futuras.

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No governo, o discurso de que não é possível saber os autores dos repasses tem sido repetido desde antes da decisão do Supremo. Foi o que disse o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário,  em audiência na Câmara dos Deputados, no início de outubro. “Muitas vezes estão cobrando a CGU e me ligam… ‘Ah, ministro, o senhor tem que dar transparência total a quem fez’. Eu não sei quem fez. Se o Parlamento não me informar quem está beneficiado, eu não sei. Então, se tem uma ajuda que pode se fazer, tem que ser debatido no Parlamento, para ver se o relator-geral encaminha”, sugeriu o ministro, tentando tirar a responsabilidade do governo.

Transparência. A possibilidade de os nomes dos beneficiados nunca serem revelados é vista como concreta e é criticada por especialistas da área de transparência e analistas orçamentários ouvidos pela reportagem. “Se o Legislativo e o Executivo disponibilizarem ofícios do relator assumindo as indicações dos verdadeiros autores, a transparência continuará a não existir. Será mera burla à decisão do STF”, disse ao Estadão o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco. “Todos os nomes dos beneficiados e as comunicações entre parlamentares tratando da destinação de emendas de relator-geral têm que ser publicados. Principalmente aquilo que está mantido na clandestinidade”, afirmou ele.

Para o diretor da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino, se o Legislativo e o Executivo não revelarem os nomes dos parlamentares beneficiados, “estarão descumprindo a decisão do Supremo, porque não é plausível que não existam as informações”. “É muito dinheiro e uma parcela muito importante do orçamento para não saberem quem está sendo beneficiado pela liberação do recurso”, afirmou o diretor da Transparência Brasil.

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Marcio Cunha Filho, professor da faculdade de Direito do IDP, disse que "a alegação de desconhecimento ou inexistência da informação, ou outras alegações semelhantes tais como a ausência de competência para fornecimento das informações, feriria o os objetivos gerais e o espírito da decisão da ministra Rosa Weber”.

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O Estadão questionou a Casa Civil, o Ministério da Economia e integrantes da cúpula do Congresso se a determinação do Supremo de divulgar os nomes dos responsáveis sobre os repasses será atendida. As assessorias da Casa Civil e do Congresso não responderam. A Economia, responsável por manter os painéis de informações orçamentários do governo, disse que “nas emendas de relator-geral, RP-9, não existe destinação de recursos para parlamentar, o que está previsto em regulamento infralegal no art. 40 da Portaria Interministerial n. 6.145, de 2021, são comunicações entre o autor da emenda (relator-geral) e o ministério responsável pela programação, em que o eventual detalhamento enviado por aquele não é vinculante para este”. 

O relator-geral do orçamento de 2022, Hugo Leal (PSD-RJ), responsável pela defesa do Congresso na ação que contesta o orçamento secreto, tampouco respondeu aos questionamentos da reportagem. A interlocutores, ele disse que está focado em dar transparência daqui para a frente e que não responde pelo que ocorreu em 2020 e 2021. Os relatores-gerais de 2020, Domingos Neto (PSD-CE, e 2021, Marcio Bittar, não responderam aos questionamentos.

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