Política CPI da Covid

Pazuello se contradiz à CPI da Covid sobre ordens de Bolsonaro e é contestado ao explicar falta de oxigênio em Manaus

Ex-ministro diz não ter sido desautorizado em compra da Coronavac, apesar de vídeo dizendo que 'um manda, outro obedece', afirma nunca ter tido 'ordens diretas' sobre cloroquina e que presidente esteve a par de conversas com a Pfizer
Ex-ministro da Saúde general Eduardo Pazuello presta depoimento na CPI do Covid, no Senado Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado
Ex-ministro da Saúde general Eduardo Pazuello presta depoimento na CPI do Covid, no Senado Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado

BRASÍLIA — Em depoimento à CPI da Covid nesta quarta-feira, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello buscou poupar o presidente Jair Bolsonaro ao afirmar que nunca recebeu ordens diretas dele para fazer algo diferente da conduta adotada em sua gestão e apresentou versões inconsistentes sobre a crise de oxigênio em Manaus e a criação de um aplicativo que indicava cloroquina.

A declaração sobre o presidente, inclusive, contradiz um vídeo gravado pelo próprio Pazuello em outubro de 2020 , após o então ministro ser desautorizado por Bolsonaro em relação à compra da vacina Coronavac. Na ocasião, ao lado do presidente, Pazuello afirmou que "um manda, outro obedece".

Depois de mais de sete horas, a sessão foi interrompida e será retomada nesta quinta-feira . Segundo o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o ex-ministro passou mal durante um intervalo da audiência.

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Pazuello disse ainda que Bolsonaro esteve a par de todo o processo de tratativas para compra da vacina da Pfizer , que se estendeu de julho do ano passado até março deste ano, negou que as ofertas tenham ficado inicialmente sem resposta e se comprometeu a enviar à CPI os registros de comunicações do ministério com a farmacêutica. Os questionamentos também abordaram a falta de oxigênio no Amazonas no início do ano, e a narrativa de Pazuello sobre a crise em Manaus foi contestada por senadores. A sessão foi suspensa pouco depois das 16h para aguardar o término da ordem do dia no plenário do Senado. Durante o intervalo, o ex-ministro passou mal, e a sessão deve ser suspensa.

Em seu depoimento, Pazuello relatou que havia convergência entre posicionamentos dele e do presidente:

— Em momento nenhum o presidente me deu ordem para fazer diferente do que eu já estava fazendo — afirmou Pazuello.

Ao tentar minimizar o episódio em que disse "um manda e o outro obecede", Pazuello alegou que a frase representa um "jargão militar, apenas uma posição de internet e mais nada", sem efeitos práticos. De acordo com o ex-ministro, embora o presidente o tenha desautorizado publicamente sobre o protocolo de intenções de compra da Coronavac , nada foi dito para ele ou para o Ministério da Saúde de forma reservada.

— Ele falou publicamente, para o ministério ou para mim (não disse) nada. Só havia termo de intenção de compra e foi mantido. Uma postagem na internet não é uma ordem. Ordem nunca foi dada — declarou Pazuello. — Nunca o presidente mandou eu desfazer qualquer contrato ou acordo com o Butantan. O presidente também se posiciona como agente político. A posição dele não interferiu em nada no diálogo com o Butantan.

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Em outubro do ano passado, no mesmo dia das críticas de Bolsonaro, o secretário-executivo da gestão Pazuello, Elcio Franco, disse que não havia "intenção de compra de vacinas chinesas" ou qualquer compromisso com o governo de São Paulo em relação a vacinas. Na ocasião, Franco disse que tratava-se de um protocolo entre Ministério da Saúde e Instituto Butantan "sem caráter vinculante".

Pazuello também declarou à CPI que o Brasil não é obrigado a seguir orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) durante a pandemia. Segundo o ex-ministro, ele teve "100% de autonomia" para montar sua equipe, e lembrou que foi convidado diretamente por Bolsonaro, em abril do ano passado, para integrar o Ministério da Saúde ainda como secretário-executivo da pasta.

Em seu relato à CPI, Pazuello argumentou que sua declaração de que "todos queriam o pixulé do final do ano", em março, quando estava deixando o ministério, não referia-se a vantagens indevidas, e sim a sobras do orçamento que poderiam ser reaplicadas após demandas, por exemplo, de gestores locais. Em 2020, porém, ele relatou não ter ocorrido sobra.

— É isso aí. Não tem nada de errado. Não citei ninguém. Não havia ninguém recebendo nada. São os recursos não aplicados — disse Pazuello.

Colapso em Manaus

O tom dos questionamentos ficou mais incisivo no início da tarde, quando os senadores passaram a inquirir Pazuello sobre o colapso no Amazonas no início deste ano, fato que ensejou a instauração da CPI da Covid .

Segundo Pazuello, o Ministério da Saúde decidiu acompanhar a situação de perto devido ao aumento expressivo de casos no Amazonas. As autoridades locais, na versão do ex-ministro, não teriam alertado sobre a iminente falta de oxigênio com antecedência, apenas no dia 10 de janeiro, quando o ex-ministro chegou pessoalmente ao local. No entanto, um documento do Ministério da Saúde e um pronunciamento anterior do próprio Pazuello contradizem esta versão .

—  Se nós tivéssemos sabido antes, poderíamos ter agido antes. A missão do ministério é programar, colocar recurso, e a execução plena é do estado e do município. Quando chegamos a Manaus vimos que a situação não estava boa — disse Pazuello. — As medidas possíveis a partir do dia 10 foram executadas. No dia 11 abrimos centro integrado de coordenação e controle e no dia 12 começaram a chegar aeronaves trazendo mais oxigênio.

A fala de Pazuello gerou um desentendimento com o senador Eduardo Braga (MDB-AM). O ex-ministro disse que Manaus só registrou falta de oxigênio durante três dias. De acordo com Braga, no entanto, foram 20 dias.

Mais tarde, quando a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) começou a ler um documento do Ministério da Saúde sobre a crise de oxigênio em Manaus, um dos responsáveis pela defesa de Pazuello, da Advocacia-Geral da União (AGU), falou com o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), fora do microfone para dizer que iria sugerir que seu cliente ficasse em silêncio. Aziz interrompeu a parlamentar.

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—  Ótimo. Melhor ele ficar em silêncio do que se comprometer cada vez mais, porque esse documento eu recebi agora, ele explicou aqui, mas a explicação dele não bate com a explicação do ministério —  afirmou Aziz. —  Eu acho que vocês têm que ter acesso a essas respostas para que não possam depois passar constrangimento.

Perguntado também, em outro momento, sobre por que não teria usado um avião dos Estados Unidos colocado à disposição para transportar oxigênio para Manaus durante o caos da Saúde na capital amazonense , em janeiro, Pazuello respondeu não saber se as ofertas do insumo haviam sido concretizadas:

— Todas as ofertas de oxigênio, eu aceitei todas. Se não foram concretizadas, eu não sei dizer — disse Pazuello.

Depois, Pazuello afirmou que aceitou, sim, a proposta do avião, mas o Ministério da Saúde não foi demandado a passar especificações:

— O que eu soube do avião foi por telefone. A reposta foi: sim, temos interesse. Agora, em momento algum me chegou uma solicitação de especificações ou demandas que devesse fazer pelo ministério.

Em meio aos questionamentos sobre a crise no Amazonas, Aziz discutiu com o senador governista Luis Carlos Heinze (PP-RS) após este afirmar, em defesa de Pazuello, que foram liberados R$ 2,6 bilhões no ano passado para o governo do Amazonas.

— Que conversa é essa, rapaz? — reagiu Aziz.

— Tinha dinheiro lá — respondeu Heinze.

— Você não está falando a verdade, rapaz. está mentindo. Você é mentiroso. É mentiroso. Não é verdade. Isso é um mentira multiplicada para virar verdade — afirmou Aziz.

— Não me chame de mentiroso. Não sou. Não sou. Vou mostrar,. Não é responsabilidade do governo federal. É do governo do Amazonas — rebateu Heinze.

Depois, Aziz pediu desculpas a Heinze e se justificou:

— Queria pedir desculpas. Eu me excedi. Quando se fala em mortes, não se fala em dinheiro. Não foi falta de dinheiro. Foi falta de oxigênio. Eu peço desculpas, porque estava nervoso — disse Aziz, acrescentando: — Faltou foi logística. Teve incompetência, e não só do governo estadual.

Vacina da Pfizer

Pazuello foi instado pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), a explicar por que não respondeu as propostas para compra de vacinas da Pfizer no ano passado. Pazuello justificou que a empresa não previa transferência de tecnologia para o Brasil e que o contrato tinha "cinco cláusulas que eram assustadoras": o uso de ativos brasileiros no exterior como garantia; a transferência do foro para resolver disputas para Nova York; pagamento adiantado; assinatura do contrato pelo presidente da República; e não previsão de multa por atraso na entrega.

Segundo o ex-ministro, Bolsonaro foi informado por ele durante todo o processo das tratativas com a Pfizer, de julho do ano passado até março deste ano.

— Uma vacina três vezes mais cara, com todas essas cláusulas, e quantitativos que eram inferiores ao que estávamos negociando, e condições logísticas de 80 graus negativos, e logística sob nossa responsabilidade: "O problema é de vocês"  — disse Pazuello. — Ouvi isso na primeira vez e achei muito estranho.

Depois, diante da insistência de Calheiros, Pazuello disse que respondeu "inúmeras vezes" à Pfizer entre agosto e dezembro de 2020, e que guarda todas as comunicações com a farmacêutica. A fala do ex-ministro contradiz o depoimento do CEO da Pfizer, Carlos Murillo, que disse à CPI não ter recebido respostas do governo brasileiro nas primeiras ofertas de vacinas.

— Respondemos inúmeras vezes. De agosto a dezembro. Eu tenho todas a comunicações da Pfizer — disse Pazuello.

— O presidente da Pfizer disse que não houve resposta. Ele mentiu? — rebateu Calheiros.

Pazuello se comprometeu então a enviar toda a documentação com as respostas para a CPI, reafirmou que as propostas foram respondidas "em negociação intensa e direta" e que "não houve decisão de não responder" a farmacêutica.

Após Pazuello ter dito que, como ministro, não poderia receber empresas, a senadora Eliziane Gama mostrou agenda pública que registra um encontro com o ex-presidente da Pfizer no Brasil e atual gerente para América Latina, Carlos Murillo. O ex-ministro então reconheceu que teve um encontro com Murillo.

— Recebi Carlos Murillo para cumprimentá-lo. Recebi para falar da importância do Brasil, da Pfizer. Eu o recebi uma vez no gabinete. E num fim de semana liguei para cobrá-lo de que flexibilizasse mais uma posição — afirmou Pazuello.

Pazuello disse ainda que a possibilidade de mudança na legislação para flexibilizar regras de compra de vacinas e garantir o contrato com a Pfizer começou em dezembro de 2020. Na época, a área jurídica do governo avaliou, de acordo com o ex-ministro, que a alteração não poderia partir do Executivo, e sim dos congressistas.

O ex-ministro foi desmentido durante a CPI ao alegar que o Tribunal de Contas da União (TCU) haveria feito uma recomendação contrária à compra da vacina da Pfizer no fim de 2020. Durante a sessão, o TCU enviou informações lidas pelo relator, Renan Calheiros, negando a informação de Pazuello. O general, então, reconheceu o erro e disse que havia confundido TCU com AGU (Advocacia-Geral da União) e CGU (Controladoria-Geral da União).

Sobre a adesão do Brasil ao consórcio Covax Facility, Pazuello relatou à CPI que havia preocupação de que o governo assumisse compromisso com um grau de recursos "altíssimo" sem uma garantia de entrega efetiva dos imunizantes. No depoimento de terça-feira, o ex-chanceler Ernesto Araújo afirmou que a decisão do Brasil de aderir ao quantitativo mínimo do consórcio, suficiente para atender apenas 10% da população, partiu do Ministério da Saúde .

Segundo Pazuello, "estar presente no consórcio era mais importante" do que a aquisição de um número elevado de imunizantes no primeiro momento, e que seria possível comprar mais vacinas dentro do consórcio numa etapa posterior, pois não haveria restrições quanto a isso.

Gabinete paralelo

Ao tomar o depoimento de Pazuello, o relator Renan Calheiros perguntou se Bolsonaro tinha uma aconselhamento paralelo, ou seja, fora do Ministério da Saúde, para orientá-lo na política de enfrentamento à pandemia. Pazuello disse que chegou a ter uma reunião com médicos, proposta pelo empresário Carlos Wizard, para um aconselhamento independente. Contudo, de acordo com ele, na primeira reunião o ex-ministro ficou incomodado com o formato proposto por Wizard e o grupo não se reuniu mais.

— Eu não aceitei o formato de aconselhamento que ele tinha pensado — afirmou o ex-ministro.

Segundo Pazuello, ele é amigo de Wizard e os dois ainda mantêm contato informal. O ex-ministro também disse que acredita que não foi esse grupo o responsável pela adoção da cloroquina no tratamento da Covid-19. O general relatou que o próprio Bolsonaro disse que cabia a ele, Pazuello, cuidar da saúde.

Ex-ministro da Saúde general Eduardo Pazuello presta depoimento na CPI da Covid, no Senado Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado
Ex-ministro da Saúde general Eduardo Pazuello presta depoimento na CPI da Covid, no Senado Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado

— Não quero dizer com isso que qualquer pessoa, e principalmente o presidente a República, não ouça, ou não levante dados, ou não procure avaliar o que está acontecendo em volta dele — ponderou.

Questionado especificamente sobre o deputado Osmar Terra (MDB-RS), que chegou a ser cotado para o Ministério da Saúde e minimizou o impacto da pandemia, Pazuello disse ele "não tinha papel nenhum no ministério". Pazuello também negou influência dos filhos de Bolsonaro — o senador Flávio Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro — e até lamentou não falar mais com eles.

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Pazuello negou que o Ministério da Saúde tenha considerado uma suposta "imunidade de rebanho", defendida por Terra e outros aliados de Bolsonaro, como fator que poderia levar a uma queda no contágio pelo coronavírus no ano passado. O ex-ministro admitiu, porém, que sua pasta considerava que haveria redução no contágio em 2021.

— No segundo semestre há uma estabilidade e ela é rompida inicialmente de forma abrupta em Manaus. Claro que naquelas observações do segundo semestre você poderia inferir que a pandemia vinha num grau de controle e com a chegada das vacinas no começo de 2021 íamos estabilizar curvas de contágios e óbitos. Essa era uma perspectiva comum no final de 2020 — avaliou Pazuello.

Cloroquina

Perguntado também sobre ordens de Bolsonaro em relação à cloroquina, remédio que, mesmo sem eficácia no tratamento da Covid-19, era a aposta do presidente contra a pandemia , Pazuello respondeu:

— Em hipótese alguma. O presidente nunca me deu ordens diretas para nada.

Ainda sobre as orientações de Bolsonaro, Pazuello afirmou que foi instruído a executar ações do ministério o mais rapidamente possível. O ex-ministro disse o governo nunca cogitou, na sua gestão, medidas restritivas em âmbito nacional, apenas distribuição de equipamentos e insumos. Embora o presidente tenha ameaçadp, no início deste mês, editar um decreto para "garantir o direito de ir e vir", Pazuello disse que Bolsonaro nunca teria pedido ao ministério que se abstivesse de medidas de distanciamento social em larga escala.

O ex-ministro disse não ter tomado conhecimento sobre aumento da produção de cloroquina pelo Exército e argumentou que o medicamento, distribuído inclusive para aldeias indígenas, também é usado no combate à malária.

—  A distribuição de cloroquina para indígenas é normal para malária, não para Covid. Aliás, eu sou completamente contra distribuição de qualquer medicamento, principalmente cloroquina, ou qualquer um sem a prescrição médica — disse.

Pazuello disse, no entanto, que 29 países têm algum protocolo para uso da cloroquina, incluindo China, Índia, México, República Tcheca, Cuba e Venezuela. Segundo ele, era válido tentar o uso "off label", ou seja, fora da bula, conforme uma orientação do próprio Ministério da Saúde antes da chegada dele à pasta. Pazuello argumentou à CPI que o ministério se amparou numa norma do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre autonomia médica para redigir uma nota informativa, com orientações sobre a dosagem de cloroquina e alertas para não utilização na "fase final" da doença.

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Sobre as orientações de entidades internacionais, inicialmente Pazuello afirmou que a OMS "não impõe nada". A OMS vem desaconselhando o uso de cloroquina em pacientes da Covid-19 desde julho de 2020.

— A OMS e a OPAS não impõem nada para nós, nossa decisão é plena, o Brasil é soberano para tomar suas decisões em qualquer área, inclusive saúde, não somos obrigados a seguir nenhum tipo de orientação de OMS, ONU, de lugar nenhum. Somos soberanos — declarou o ex-ministro.

Depois, diante da insistência para saber se o Ministério da Saúde seguia orientações da OMS ou tinha outras, Pazuello mudou o tom e disse que as posições da entidade "não eram contínuas pela própria incerteza da situação", mas que "amparavam o nosso processo decisório". Ainda assim, o ex-ministro reiterou que as orientações para combate à pandemia no país "eram do ministério, não da OMS".

Após um questionamento do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), Pazuello atribuiu o alto número de mortes no país a uma série de fatores: falta de estrutura, de equipamentos e de leitos, e o aparecimento de uma variante do vírus em Manaus.

— Eu não acho que o uso ou não da hidroxicloroquina em si seja o grande responsável pelo número de mortos — afirmou Pazuello.

Repasses a estados e municípios

Durante a oitiva na CPI da Covid, Pazuello disse que, em sua gestão, foi determinado que o Departamento Nacional de Auditoria do SUS criasse um sistema para que o governo federal pudesse acompanhar o emprego dos recursos repassados a estados e municípios. Senadores governistas têm insistido que a CPI se debruce sobre a utilização desses recursos, alegando supostas irregularidades.

Enquanto estava no cargo, no entanto, Pazuello disse que não teve conhecimento de mau uso da verba federal.

— Que eu tenha conhecimento, não. Que eu tenha conhecimento, não. E o termo não é mau uso: o termo é o uso, e o uso dentro da finalidade — respondeu Pazuello ao ser questionado sobre o tema.

O senador Renan Calheiros insistiu para saber especificamente se houve mau uso da verba federal:

— Não. Mau uso, não. Mas não era esse o objetivo. O objetivo é acompanhar os recursos até a ponta da linha — afirmou Pazuello.

Aziz adverte Pazuello

Embora o depoimento tenha se iniciado de forma pacífica, Pazuello foi advertido logo no começo da sessão pelo presidente da CPI, senador Omar Aziz, ao dizer que "não gostaria que fossem feitas" perguntas com "respostas simplórias". A fala de Pazuello ocorreu após ser instado a responder com objetividade os questionamentos do relator.

— Vossa Excelência não vai dizer para a gente o que a gente vai perguntar ou não. Está aqui para responder as perguntas dos senadores. Para muitas delas, basta um sim ou não. Quando fala muito sem explicar nada fica difícil — rebateu Aziz (veja no vídeo abaixo) .

O ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, foi repreendido pelo presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM):
O ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, foi repreendido pelo presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM): "'Vossa Excelência não vai dizer pra gente o que vamos perguntar ou não?' Pazuello havia se manifestado após ser instado a responder com objetividade os questionamentos do relator

À tarde, Aziz voltou a advertir Pazuello, desta vez para afirmar que faltar com a verdade no depoimento poderia acarretar em "consequências muito graves". O presidente da CPI reclamou de incoerências no depoimento do ex-ministro especialmente sobre a crise de oxigênio em Manaus, e lembrou que Pazuello está protegido por habeas corpus caso não queira responder algo que possa incriminá-lo.

Pazuello chegou ao Senado Federal às 8h49. Ao contrário da expectativa , o general do Exército chegou vestindo um terno civil e não a sua farda militar. Ele chegou acompanhado de uma comitiva — e era esperado por assessores da Secretaria-geral da Presidência da República. Ao iniciar sua fala, Pazuello fez um balanço de sua atuação no Exército e destacou que tem experiência na área de logística.

Logo no início do depoimento, questionado sobre a qualificação que tinha para assumir cargo no Ministério da Saúde, Pazuello disse que no Exército tinha cinco hospitais sob sua responsabilidade, além da saúde de 30 mil homens, e também o atendimento a imigrantes venezuelanos.

— Isso só para falar na área de saúde. Sobre gestão e liderança, eu acredito que seria perguntar se a chuva molha, se um oficial tem competência de gestão e liderança. Se nós não tivermos, temos que começar do zero na nossa instituição. Eu me considero sim, senhor, plenamente apto a exercer o cargo de ministro da Saúde — disse Pazuello.

Os erros de Pazuello: Insistência na cloroquina e demora na compra de vacinas

Em pronunciamento antes das perguntas dos senadores, Pazuello disse que não há medicamentos cientificamente comprovados e, portanto, que a recomendação de fármacos "off label" por médicos é uma prática prevista. Neste momento inicial, Pazuello não citou diretamente a cloroquina, que foi propagandeada em sua gestão no Ministério da Saúde inclusive no colapso em Manaus, investigado pela CPI.

Pazuello também procurou afastar desde sua fala inicial as acusações de demora do governo federal em negociar vacinas com a Pfizer. Segundo o ex-ministro, houve uma opção de sua pasta em ir "escolhendo a tecnologia que pudesse ser transferida para nós, em detrimento apenas da compra direta". Embora tenha fechado em 2020 um acordo com a farmacêutica AstraZeneca para produção de vacinas em conjunto com a Fiocruz, ainda não foi assinada a transferência de tecnologia.

Indicado por generais

Pazuello afirmou ainda que sua indicação para compor a equipe do Ministério da Saúde foi feita por oficiais generais do governo, e que ele foi convidado diretamente pelo presidente Jair Bolsonaro. O general foi nomeado como secretário-executivo do Ministério da Saúde em abril de 2020, após a saída de Luiz Henrique Mandetta e a nomeação de Nelson Teich como ministro, e assumiu o cargo de Teich após sua exoneração, em maio.

— Entre os dias 14 e 16 de abril de 2020, recebi algumas ligações telefônicas de oficiais generais que estavam no governo federal pra discutir possível indicação para que eu pudesse auxiliar na transição do ministro Mandetta para o ministro que seria nomeado. Confesso que fiquei muito dividido. Estava ciente de minhas responsabilidades como comandante da 12ª Região Militar. Aquela sensação de coração dividido acabou no dia 16 de abril à tarde, quando o comandante supremo das Forças Armadas, nosso presidente da República, me ligou e se posicionou de forma clara e direta pra eu vir — afirmou Pazuello durante seu depoimento à CPI da Covid.

Ao comentar a sua atuação como secretário-executivo na gestão de Teich, Pazuello disse que "aquele primeiro desenho era o melhor que poderíamos ter tido". Os dois tinham um acordo de que Teich, que é médico, ficaria com a parte finalística da pasta, no diálogo com as secretarias de saúde, enquanto Pazuello cuidaria da área de gestão logística e administrativa.

Ex-ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello chega para depor na CPI da Covid, no Senado Foto: PABLO JACOB / Agência O Globo
Ex-ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello chega para depor na CPI da Covid, no Senado Foto: PABLO JACOB / Agência O Globo

Pazuello relatou que, antes de assumir o Ministério da Saúde, mantinha uma "relação de amizade simples" com Bolsonaro. Ele disse que não poderia se "eximir da responsabilidade" de assumir a pasta da Saúde em meio à pandemia. Segundo o ex-ministro, a orientação do presidente era "trocar a roda do carro com o carro andando", sem perda na continuidade das ações de combate à pandemia. De acordo com ele, a ideia era provisória, de transição.

— Não poderia me eximir de tal responsabilidade. O nosso hino diz "verás que um filho teu não foge à luta", e eu não fugi — afirmou.

Exonerado do cargo de ministro em março deste ano, Pazuello disse que o governo "sempre ressaltou as medidas preventivas" à população, com a busca imediata pelo "atendimento profissional" e a ideia de "manutenção da esperança na vitória". O ex-ministro alegou que defendeu o uso de máscaras e a higienização das maos como medidas de combate ao coronavírus.

Ao ser questionado sobre comportamentos de Bolsonaro na contramão dessas medidas sanitárias, Pazuello disse que o presidente "está tratando a parte do psicossocial, da posição do povo em acreditar que isto vai passar"

— Esta é uma análise minha. Então o presidente tem que ver todos os prismas. Eu me preocupei apenas com o prisma da saúde. Como ele vê e ele age, isso é uma posição dele — alegou o ex-ministro.

Pazuello também reforçou o discurso do governo de que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em abril de 2020, que conferiu autonomia a estados e municípios para decretar medidas restritivas na pandemia, teria limitado a atuação do governo federal — argumento que já foi rebatido por juristas e ministros da Corte. Segundo o ex-ministro, só seria possível ao Ministério da Saúde interferir nas ações em estados e municípios com uma intervenção federal.

O ex-ministro defendeu ainda o planejamento de entrega de vacinas aos estados na sua gestão e os acordos com países como China, Inglaterra, Estados Unidos, Índia, Rússia e Uruguai para a vinda de insumos e outros itens de saúde ao Brasil.