Brasil Educação

Bolsonaro libera participação no Prouni de alunos de escolas privadas sem bolsa

Medida provisória editada pelo presidente flexibilizou critérios de entrada no programa
O presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônia no Palácio do Planalto Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo/02-12-2021
O presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônia no Palácio do Planalto Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo/02-12-2021

BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória (MP) que libera a participação no Programa Universidade Para Todos (Prouni) para alunos de escolas privadas que não tiveram bolsa. Antes, a participação só era permitida para quem estudou em escola pública ou quem teve bolsa integral em instituições particulares.

A MP altera a lei que criou o Prouni, de 2005, e cria diversas novas possibilidades de participação no programa, como para alunos que estudaram parcialmente em escolas públicas e parcialmente em escolas particulares, com bolsa integral, parcial ou nenhuma bolsa.

Para participar do programa continua sendo necessário, no entanto, não ter diploma de ensino superior e ter renda familiar per capita que não ultrapasse o valor de um salário mínimo e meio (atualmente, R$ 1.650).

A medida exclui ainda artigo que estabelecia a contrapartida por parte de instituições filantrópicas, o que é apontado por especialistas como um dos pontos mais preocupantes.

O texto foi publicado nesta terça-feira no Diário Oficial da União (DOU). Uma medida provisória tem validade imediata, mas precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado no prazo de 120 dias para virar uma lei. Os parlamentares podem fazer alterações no texto.

Alguns dos pontos da MP, no entanto, só terão efeitos a partir de 1º de julho de 2022, como a flexibilização nos critérios de entrada no programa.

De acordo com comunicado da Secretaria-Geral da Presidência, "a iniciativa busca ampliar a abrangência das condições de acesso às bolsas de estudo Prouni, alcançando, assim, estudantes egressos do ensino médio privado que foram pagantes ou bolsistas parciais".

Outra alteração feita pela MP foi a revogação de um artigo da lei de 2005 que determinava que "a instituição de ensino superior (...) somente poderá ser considerada entidade beneficente de assistência social se oferecer, no mínimo, 1 (uma) bolsa de estudo integral para estudante de curso de graduação" para cada nove estudantes pagantes. Na prática, segundo especialistas, a medida acaba com qualquer tipo de regulação relacionada às entidades filantrópicas.

— Agora elas não têm mais contrapartidas. Elas tinham que investir 20% da movimentação financeira em gratuidade,  conceder bolsas e respeitar critérios de funcionamento. O resultado é que o credenciamento dessas entidades e a contrapartida delas fica praticamente livre — explica Daniel Cara, professor da faculdade de Educação da USP.

Ao GLOBO, o MEC afirmou que a medida atende a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020, que declarou o dispositivo ilegal.

De acordo com Cara, caso a MP se converta em lei, é importante definir como essas mudanças seriam operacionalizadas durante a seleção para evitar que desigualdades sejam aprofundadas.

— Do jeito que está o texto vai acontecer uma competição entre estudantes de escola pública e privada. O prejuízo em termos do conjunto da política é muito grave — opina Cara.

O texto propõe uma sequência de classificação dos estudantes: primeiro, pessoas com deficiência, caso a instituição de ensino não ter oferecido no mínimo uma bolsa para esse público. Depois, professor de rede pública para cursos de licenciatura. Em seguida, estudantes com ensino médio completo feito em escola pública; estudante que tenha cursado o ensino médio parcialmente em escola  pública e parcialmente em instituição privada como bolsista integral; aluno que cursou ensino médio em parte na rede pública e em parte na rede privada como bolsista parcial ou sem bolsa.

O próximo grupo inclui estudantes que cursaram o ensino médio completo em instituição privada com bolsa integral e, por último, aqueles que cursaram ensino médio completo em escola particular com bolsa parcial ou sem bolsa.

— As mudanças não têm lógica nenhuma, nem existem ferramentas hoje para ordenar as pessoas. As vagas que sobram hoje são porque não se fazem mais chamadas. Alunos para entrar no ensino superior existem, mesmo com a pandemia — critica Mateus Prado, especialista em Enem e assessor da ONG Educafro.

Cotas

A MP modifica ainda o cálculo para disponibilização de vagas destinadas a cotas no âmbito do ProUni para negros, indígenas e pessoas com deficiência. De acordo com o texto, a conta para determinar a quantidade de bolsas a serem distribuídas deve ser feita com base no percentual mínimo de pessoas autodeclaradas pretas, pardas ou indígenas; ou de pessoas com deficiência, separadamente, na população de cada unidade federativa do país.

Na regra anterior à medida provisória, o cálculo era feito a partir da soma de todos esses grupos na população.

A mudança na regra era um pleito antigo de entidades ligadas ao ensino privado. O governo Bolsonaro tem feito reiterados acenos ao setor ao longo de sua gestão. Nesta terça-feira, após a publicação da MP, grupos ligados a escolas particulares e ao ensino superior privado comemoraram a medida.

—  As mudanças no ProUni são uma bandeira do setor há quase 10 anos. O setor vem apresentando sugestões de melhoria para que as vagas possam ser adequadamente preenchidas e uma das coisas que limitava isso era a questão de exigir que fosse estudante de escola pública o tempo inteiro ou com bolsa integral na escola privada — defendeu Celso Niskier, diretor presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior  (ABMES).

O presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep),  Bruno Eizerik, rebate as críticas de que as alterações tornarão o programa mais desigual.

— O ProUni é baseado na renda do aluno, tínhamos famílias que mesmo com baixa renda faziam esforço para colocar seu filho na rede privada e esses alunos eram alijados a concorrer a essas vagas — afirmou Eizerik.

Comprovação de renda

O Ministério da Educação poderá dispensar a apresentação da documentação que comprove a renda familiar mensal do estudante, "desde que a informação possa ser obtida por meio de acesso a bancos de dados de órgãos governamentais".

"A ideia aqui não é dispensar do cumprimento de exigência legal, mas tão somente exonerar o estudante da obrigação de comprovar situação que possa ser aferida diretamente por meio de informações disponíveis em bases de dados públicas", afirma o comunicado da Secretaria-Geral.

O que diz o MEC

Em nota, o Ministério da Educação rejeitou as críticas de que as alterações geram desigualdade no programa. A pasta sustentou que "as medidas não tornam o programa desigual, uma vez que os critérios de renda exigida para obter bolsas do Prouni não foram alterados."

A pasta usa como argumento a ordem de prioridade para distribuição das bolsas:  primeiro, aluno que tenha estudado em escola pública; depois, quem tenha estudado em escola privada na condição de bolsista; e, por fim, quem tenha estudado em escola privada na condição de pagante.

"Como no momento da classificação haverá prioridade para estudantes de escola pública, quando comparados àqueles que estudaram em escola privada na condição de bolsista e de pagante, a referida crítica não procede", diz a nota, acrescentando:

"Pelo contrário, como a medida distribui um peso maior para o critério de renda da família, para efeito de participação no processo seletivo, ela repara uma distorção, que era observada quando o estudante migrava de escola privada para a pública, mas era impedido de participar do Prouni, mesmo sua família tendo renda igual ao de um estudante de escola pública"