Brasil Educação

Especialista vê 'lobby' de universidades privadas em decisão de Bolsonaro de mudar as regras do Prouni

Claudia Costin critica Medida Provisória editada nesta terça-feira, que abre o acesso de alunos de escolas particulares à programa de inclusão criado em 2005 e pode aumentar a desigualdade educacional no país
O Prouni concede descontos de 50% ou 100% nas mensalidades de faculdades privadas para quem prestou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) Foto: O Globo
O Prouni concede descontos de 50% ou 100% nas mensalidades de faculdades privadas para quem prestou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) Foto: O Globo

RIO — Com as mudanças no acesso ao Programa Universidade para Todos (Prouni) decretadas nesta terça-feira pelo presidente Jair Bolsonaro, especialistas e estudantes que sonham em ingressar na faculdade em 2022 temem o aumento da desigualdade educacional no país. Isso porque a MP altera a lei que criou o Prouni, de 2005, e cria novas possibilidades de participação no programa, permitindo o acesso a alunos que vieram de escolas particulares.

De acordo com Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), a ociosidade de vagas usadas como argumento pelo governo, que alega estar ampliando o acesso dos estudantes às universidades, é incoerente. Ela observa que o governo deveria se preocupar em criar mecanismos que aumentem o acesso de jovens de baixa renda ao ensino superior e não o contrário.

— O Prouni foi criado para atender às demandas de jovens de baixa renda que precisam ingressar no ensino superior. É incoerente pensar que um aluno de escola particular, que teve condições de pagar mensalidade, precise tanto da vaga quanto quem teve o ensino defasado em instituições públicas por conta da pandemia e por não ter, de forma alguma, como custear uma escola. Existem alunos em escolas privadas com baixa renda, mas para isso que serve o Fies, no qual a pessoa consegue financiar a faculdade, assim como conseguiu arcar com a despesa escolar — afirma a especialista.

Costin acredita ainda que a MP tem objetivos econômicos e responde a um lobby do setor privado de educação. A especialista destaca que o número recorde de evasão no Enem 2021 teria representado um prejuízo para instituições de ensino privado que, em troca das bolsas oferecidas, têm desconto no pagamento de impostos federais.

Outro problema, diz ela, é o afrouxamento das regras para comprovação de renda, fator que pode favorecer fraudes. O Ministério da Educação poderá dispensar a apresentação da documentação que comprove a renda familiar mensal do estudante, "desde que a informação possa ser obtida por meio de acesso a bancos de dados de órgãos governamentais".

— Lendo a MP, a impressão que tive é que tem algo a ver com lobby de universidades privadas. Mas a emergência do setor (instituições privadas de ensino) não deveria ser olhada como prioridade.  Nós temos no Brasil mais de 80% dos alunos em escolas públicas, então a demanda para isso não pode ser reduzida — relata Costin. — Além disso, estão fragilizando a comprovação de renda também. Comprovar renda apenas através de um cadastro governamental pode gerar fraudes, visto que as rendas mudam e as pessoas podem não declarar tudo o que ganham.

Para o estudante de escola pública João Pedro Borges, de 19 anos, a notícia foi recebida com temor. Ele, que já se encontrava ansioso com as instabilidades do Enem 2021, viu a mudança do Prouni como um obstáculo para ingressar na faculdade. O jiovem acredita que alunos de escolas particulares tiveram mais oportunidades de estudo na pandemia e, portanto, será uma concorrência desleal.

— Eu terminei a escola ano passado, totalmente EAD. Estudei sozinho este ano, porque não consegui ser aprovado na universidade em 2020, e agora me sinto para trás, mais uma vez, pois quem estudou em escola particular teve com certeza melhor qualidade de se preparar para o vestibular e vai tirar uma nota bem melhor para ser aprovado — afirma.

De acordo com João Pedro, que mora em Ipiaú, município de pouco mais de 47 mil habitantes do interior da Bahia, a família não tem condições de arcar com as mensalidades do curso de Ciência da Computação que deseja fazer. As únicas chances que tem é ser aprovado em uma universidade pública, pelo Sistema de Seleção Unificado (Sisu), ou pelo Prouni com 100% de bolsa.

— A nota de corte para a universidade pública é mais de 700. No Prouni a média fica em torno de 600. Para alguns não é tanta diferença, mas para a gente que tem o ensino defasado conta muito — relata.

Por meio de nota, Celso Niskier, diretor presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes), afirmou que "a MP atende a uma antiga reivindicação do nosso setor, e permitirá que mais estudantes possam ser atendidos pelo Prouni, ajudando com isso o desenvolvimento do país e minimizando os riscos de um futuro apagão da mão de obra. O Prouni é um patrimônio social do Brasil, e em boa hora o presidente Bolsonaro propõe o aperfeiçoamento desse bem-sucedido programa".