Por Elisa Clavery, Luiz Felipe Barbiéri, Jamile Racanicci, Sara Resende e Marcela Mattos, TV Globo e g1 — Brasília


O Congresso Nacional promulgou nesta quarta-feira (8) parte da proposta de emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios. A decisão de fatiar o texto foi anunciada na noite de terça (7) pelos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), após um impasse envolvendo as duas Casas.

A promulgação da PEC dos Precatórios foi publicada na edição desta quinta-feira (9) do "Diário Oficial da União (DOU)".

A sessão de promulgação foi marcada por discussões acaloradas entre Pacheco e senadores de diversos partidos, que apontavam um "descumprimento de acordo". Quando a PEC foi votada no Senado, os parlamentares cobraram um compromisso de que o texto não fosse fatiado (veja detalhes abaixo).

Com a promulgação, passa a valer a parte comum aprovada pelos deputados e pelos senadores. A proposta abre espaço fiscal que será usado para bancar o Auxílio Brasil, programa social que substituiu o Bolsa Família e que custará R$ 54 bilhões. O governo pretende pagar, no mínimo, R$ 400 mensais aos beneficiários do programa.

Um dos trechos promulgados altera a regra de correção inflacionária do teto de gastos. Apenas esse dispositivo, segundo a Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados (Conof), abriria um espaço fiscal de R$ 64,9 bilhões no próximo ano. Já o Ministério da Economia estima um valor um pouco mais baixo, de R$ 62,2 bilhões.

PEC dos Precatórios: Câmara e Senado decidem fatiar o texto

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Entretanto, conforme a Economia, boa parte do valor (R$ 42,7 bilhões) já seria consumida por gastos obrigatórios inadiáveis e independentes da PEC, como a correção dos benefícios do INSS pela inflação, a parte do teto reservada aos demais poderes e os pisos para as despesas com saúde e educação.

Nesta conta, sobrariam R$ 19,5 bilhões de espaço no teto de gastos, menos que o necessário para bancar o Auxílio Brasil de R$ 400 até o fim de 2022.

O governo teria, então, que cortar despesas não obrigatórias do Poder Executivo no próximo ano para conseguir custear o Auxílio Brasil. Como o Orçamento de 2022 já é apertado, haveria risco de um "shutdown", ou seja, de paralisar atividades essenciais – um risco que também existiu em 2021.

Já o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), relator do Orçamento de 2022, afirmou que a “interpretação” final sobre como será usado o espaço fiscal aberto com a PEC é do Congresso e não do Executivo.

"A minha discussão com o Ministério da Economia, a manifestação dele [da pasta] sobre despesas obrigatórias vai ter uma interpretação que no Parlamento pode ter sido uma outra interpretação. Então, ótimo que eles pensem assim, nos convençam, não convençam a mim não, convençam o colegiado”, disse o parlamentar.

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Nova votação

Dispositivos modificados pelos senadores ainda precisarão de nova análise da Câmara, o que, segundo Lira, deve acontecer na próxima terça-feira (14). A nova análise será feita diretamente no plenário da Câmara, em dois turnos, e exige o mínimo de 308 votos favoráveis.

Após reunião com Pacheco na noite de terça-feira, o presidente da Câmara disse "não ter dúvidas" de que a Câmara deverá manter partes das mudanças feitas pelos senadores, mas não se comprometeu com todo o conteúdo.

Se promulgada inteiramente, a PEC pode abrir espaço de R$ 106 bilhões, segundo o Ministério da Economia, ou de R$ 108,4 bilhões, segundo a Conof.

Vinculação dos recursos

Uma das principais mudanças feitas no Senado foi a vinculação desses recursos para benefícios sociais, saúde e previdência. Ou seja, o espaço bilionário aberto com a PEC não poderia ser usado em outras áreas. Essa trava, porém, também não pode ser promulgada nesta quarta-feira.

Na Câmara, parlamentares discutem a possibilidade de usar parte desses valores para encorpar as emendas de relator, que ficaram conhecidas como “orçamento secreto”.

Na avaliação de técnicos do Congresso, sem a PEC dos Precatórios seria difícil elevar esse valor a R$ 16,2 bilhões, como querem os parlamentares. Uma versão preliminar do relatório do orçamento, aprovada na Comissão Mista de Orçamento (CMO), reserva apenas R$ 1,15 bilhão para essas emendas parlamentares.

O “carimbo” nos recursos foi um dos principais impasses entre Câmara e Senado. Senadores pressionaram Pacheco para garantir mudanças aprovadas no Senado.

Em reunião para discutir o orçamento na última segunda-feira, na CMO, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) disse que, se aprovado o texto do Senado, “a figura do orçamento secreto desaparecerá do orçamento geral”.

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Senadores cobram Pacheco

Durante a sessão de promulgação, senadores cobraram do presidente do Senado sobre o acordo firmado na Casa que viabilizou a aprovação da PEC. O trato envolvia manter a vinculação total dos recursos abertos com a proposta – isto é, R$ 106 bilhões – para programas sociais.

Segundo a senadora Simone Tebet (MDB-MS), o fatiamento da PEC, sem a garantia deste acordo, poderia "abrir uma crise" na Casa.

"Vossa Excelência teve da nossa parte e de muitos líderes carta branca para conversar com o presidente Lira, que tem a sensibilidade e sabe o que passa e o que não passa dentro da Câmara, de que poderia fatiar sim, da forma como quisesse, desde que todo o espaço fiscal que estamos criando, inclusive tendo que superar e engolir um problema que não é nosso, mas é de todos, de não pagarmos parte dos precatórios ano que vem, todo esse espaço de qualquer dispositivo da PEC fosse para seguridade social", disse a parlamentar.

"O espaço fiscal de quase 60 bilhões de reais, fruto da mudança temporal para dezembro no cálculo [do IPCA], esse espaço fiscal fica solto."

Em um momento mais tenso da sessão, Pacheco e Tebet chegaram a bater boca. Tebet disse "lamentar" o não cumprimento do acordo por Pacheco e disse que esse era um precedente que ela não se lembra de ter visto por parte de outro presidente do Senado.

Pacheco rebateu e disse não ter feito acordo algum.

"Eu não fiz acordo nenhum com Vossa Excelência de não promulgar parte comum. A senhora vai me desculpar. Temos que ter honestidade intelectual. Eu vou pedir as notas taquigráficas e as imagens da palavra de Vossa Excelência na tribuna. Não fiz nenhum acordo com Vossa Excelência nesse sentido. Eu não sei qual é a intenção de Vossa Excelência com essa polêmica toda, a minha intenção é resolver Bolsa Família. Eu não descumpri acordo algum. Busco honrar compromisso, respeitar meus colegas", disse o presidente do Senado.

O líder do Podemos no Senado, Alvaro Dias (PR), disse que, sem o carimbo dos recursos, esses gastos seriam usados de forma "aleatória" em ano eleitoral.

"O que se vê é a alternativa do fatiamento para a deliberação posterior da chamada PEC Paralela que adormece nas gavetas, que são empurradas para o futuro e os compromissos assumidos acabam se transformando em palavras soltas ao vento", disse o senador.

"O que se pretende não é apenas recursos para pagar o Auxílio Brasil, vamos ser francos. O que se pretende é muito mais: são R$ 106 bilhões para o pagamento do Auxílio Brasil e para um gasto aleatório no ano eleitoral, para a prática do populismo, para o projeto eleitoreiro. É isso que se deseja, a ponto de apresentarmos aqui o espetáculo da criatividade. Esse fatiamento se dá de forma inusitada."

Relator da PEC no Senado, o líder do governo Fernando Bezerra (MDB-PE) saiu em defesa da Câmara e disse ter "absoluta certeza" que as mudanças feitas pelos senadores serão apoiadas pelos deputados.

"Ninguém pode revogar as prerrogativas de uma Casa Legislativa. A Câmara pode suprimir palavra, pode suprimir frase, pode suprimir caput, inciso, parágrafo. Essa é uma prerrogativa que a Câmara tem e poderá exercer", afirmou. "Eu tenho absoluta certeza que as inovações feitas pelo Senado Federal serão apoiadas pela Câmara dos Deputados, sobretudo aquela que é a preocupação central trazida hoje aqui no plenário do Senado Federal na sessão de promulgação, a vinculação do espaço fiscal que vai ser aberto seja com a sincronização das despesas obrigatórias e a correção do teto público seja com a criação do subteto."

Ainda segundo Bezerra, o governo irá recomendar a vinculação do espaço fiscal durante a votação na Câmara.

Teto para precatórios segue pendente

Um dos trechos que não será promulgado nesta quarta é o que estabelece um teto para o pagamento de precatórios anual – o que seria o “coração” da PEC original.

O dispositivo foi alterado no Senado e, por isso, terá de passar por nova votação na Câmara.

Os deputados haviam estabelecido um limite anual para os gastos do governo com precatórios, fixando o fim deste subteto em 2036. Este limite seria composto pelo valor desembolsado em 2016 com precatórios, corrigido pela inflação (IPCA) do período.

Os senadores, no entanto, reduziram a vigência do dispositivo para 2026. Além disso, usaram esse mesmo dispositivo para vincular o espaço fiscal aberto com a PEC a programas de transferência de renda e de seguridade social. Essa foi uma manobra na tentativa de “amarrar” um dos trechos principais da PEC e impedir que ela fosse promulgada sem esse carimbo nos recursos.

Segundo cálculos da equipe econômica, o limite para o pagamento de precatórios abrirá um espaço fiscal de R$ 43,8 bilhões.

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