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Macron tem o desafio de mobilizar a esquerda contra a extrema direita em segundo turno mais acirrado do que em 2017

De novo contra Le Pen, presidente conta com algumas vantagens, mas precisa convencer eleitores de Mélenchon de que tem preocupações sociais
O presdidente da França, Emmanuel Macron, em campanha em Denain, no Norte, nesta segunda-feira Foto: LUDOVIC MARIN / AFP
O presdidente da França, Emmanuel Macron, em campanha em Denain, no Norte, nesta segunda-feira Foto: LUDOVIC MARIN / AFP

Assim como em 2017, Emmanuel Macron ficou em primeiro lugar e enfrentará Marine Le Pen no segundo turno das eleições presidenciais da França. Se, há cinco anos, o caminho do atual presidente no pleito decisivo foi relativamente tranquilo e ele conseguiu atrair 66,10% dos votos válidos, dessa vez o desafio é bem mais significativo, e uma vitória da candidata da extrema direita não é impossível.

Macron, que teve 27,84% dos votos válidos, precisará atrair eleitores de setores diversos para conseguir se reeleger. Enquanto, em 2017, o presidente centrista pôde contar com muitos votos do partido de direita Os Republicanos, em cinco anos eles minguaram de 20%  para 4,78%, no pior desempenho da tradicional sigla até hoje. Com isso, Macron precisará encontrar apoiadores em outros lugares, sem deformar a sua agenda.

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O apoio mais importante pode estar entre os eleitores de Jean-Luc Mélenchon, que ficou em terceiro, com 21,95%. Os defensores do candidato da França Insubmissa, no entanto, há muito nutrem antipatia em relação ao atual presidente, acusado de governar com pouca sensibilidade social e para os ricos. Como resultado, segundo uma pesquisa  do canal TF1Info divulgada no domingo, 33% dos eleitores de Mélenchon pretendem votar em Macron, 44% planejam se abster e 23% querem votar em Le Pen, que fez uma campanha baseada principalmente no custo de vida.

Enquanto isso, a candidata da Reunião Nacional, que obteve 23,15% dos votos, dispõe de uma considerável reserva de eleitores que vai aderir de modo imediato à sua candidatura. Em seu conjunto, a direita radical teve 7 pontos percentuais a mais do que em 2017. O ex-comentarista político Éric Zemmour conquistou 7,07% dos votos, e, além deles, Le Pen deve herdar também os votos do soberanista antieuropeu Nicolas Dupont-Aignan, o único candidato que a apoiou há cinco anos, que obteve 2,06% dos votos desta vez.

Nova frente única

Tal como há cinco anos — e também como em 2002, quando Jacques Chirac enfrentou o pai de Marine, Jean-Marie Le Pen, na primeira vez que a extrema direita chegou ao segundo turno  — Macron vai transmitir a mensagem de uma frente única e republicana contra o extremismo, ou, em suas palavras no discurso que fez domingo após o resultado, “um grande movimento político de unidade”.

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Nesta segunda-feira, seu primeiro ato de campanha foi em Denain, no Norte, região onde Marine Le Pen é conselheira departamental, e onde ela ficou em primeiro, com 41% dos votos. A cidade, que historicamente votava na esquerda, é uma das regiões do interior da França que nunca se recuperaram da desindustrialização — neste caso, o fechamento de uma usina siderúrgica em 1978.

Frente a um desemprego de 36%, com 43% da população abaixo da linha da pobreza, os moradores de Denain só deram 14% dos votos a Macron, que ficou atrás também de Mélenchon, com 29%. Além de listar várias propostas, como o pagamento de um bônus aos trabalhadores, e de prometer ajudar sobretudo os “trabalhadores e aposentados”, Macron criticou “os extremos, incluindo a Reunião Nacional, [que] se alimentam de fatalidades". Ele também ensaiou uma autocrítica.

— [Os extremismos] se alimentam de fracassos passados, da desindustrialização, da miséria que se instalou. Eu ouço a mensagem; respondemos rápido e alto o suficiente? Não — afirmou.

Macron disse que seu programa “deve ser enriquecido” para o segundo turno, sobretudo em pontos como “ecologia e trabalho”. Ainda assim, evitou o pessimismo e se disse satisfeito com o resultado.

— Obtive mais votos do que há cinco anos no primeiro turno, e também quero lembrar disso, que é algo que não se menciona o bastante, pelo prazer do desastre — afirmou.

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Algumas vantagens

Nem tudo, é verdade, é negativo para o presidente. Além de ter subido três pontos em comparação a 2017, ele herda a grande maioria dos votos do candidato ecologista Yannick Jadot, que ficou em sexto, com 4,6% dos votos, e da candidata do Partido Socialista Anne Hidalgo, que obteve 1,75% e ficou em décimo.

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Embora não tenham declarado apoio oficial à sua candidatura, Os Republicanos também disseram que “nenhum voto deve ser dado a Le Pen”, mensagem praticamente idêntica à de Mélenchon no domingo — à diferença de 2017, quando então se absteve. A maioria das pesquisas aponta Macron à frente de Le Pen, acima da margem de erro, o que foi reiterado por uma pesquisa Opionway divulgada nesta segunda, que projetou que ele vencerá por 54% a 46%.

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O próprio presidente disse no domingo, no entanto, que “uma nova campanha se abre” nas duas semanas até o segundo turno. A dúvida é se ele conseguirá convencer os eleitores de que seu programa “é justo e tem preocupação social”, como afirmou em Denain. O presidente repetiu que a única solução para o crescente déficit previdenciário da França consiste em fazer as pessoas trabalharem mais, na principal promessa de sua primeira campanha, não realizada durante o mandato.

Le Pen atenuada

Le Pen, enquanto isso, trabalha para, ao mesmo tempo, transmitir uma imagem de moderação e de alguém preocupada com problemas sociais. A candidata promete reduzir a idade de aposentadoria para 60 anos para quem começa a trabalhar antes dos 20, eliminar o imposto de renda para menores de 30 anos e reduzir o imposto sobre a energia de 20% para 5,5%.

Na noite de domingo, convidou"todos aqueles que não votaram" em Macron, da direita e da esquerda, a "se juntarem" a ela. O  porta-voz da candidata, Sébastien Chenu, insistiu nesta mensagem nesta segunda.

— Digo aos eleitores de Jean-Luc Mélenchon, sejam verdadeiros insubmissos. Não salvem a cabeça de Emmanuel Macron, não assinem pela aposentadoria aos 65 anos, nem pelos danos sociais do serviço público — afirmou.

Pouco mais tarde, em sua primeira agenda pública no segundo turno, a candidata foi à Soucy, munícipio rural em Yonne, no Centro-Oeste, onde se encontrou com agricultores — e onde venceu com 36%, contra 20% de Macron e 14% de  Mélenchon. Lá, mais uma vez falou no poder de compra do franceses, seu tema favorito.

— Depois do aumento do gás, do óleo combustível e da eletricidade, há outra nuvem escura que se aproxima das cabeças dos franceses, e que será a inflação dos preços dos alimentos — afirmou Le Pen.

Em seguida, a candidata fez uma defesa dos serviços públicos, sem medo de desgastar sua imagem de conservadora:

— O problema não está tanto em trazer a igreja de volta para o meio da aldeia. É trazer a prefeitura, a escola, os correios. Porque não sobrou nada depois de 20 anos de abandono.