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Em áudio, Milton Ribeiro afirma ter priorizado amigos de pastor em repasses a pedido de Bolsonaro, diz jornal

Em aúdio, ministro sinaliza que haveria uma contrapartida à liberação dos recursos do MEC para prefeituras
O ministro da Educação, Milton Ribeiro Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo/29-11-2021
O ministro da Educação, Milton Ribeiro Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo/29-11-2021

BRASÍLIA — O ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse em uma gravação que prioriza a liberação de verbas prefeituras cujos pedidos foram negociados por dois pastores , segundo reportagem publicada pelo jornal "Folha de S.Paulo". No áudio, o ministro afirmou que atendeu a uma solicitação do presidente Jair Bolsonaro.

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Os pastores seriam Gilmar Santos e Arilton Moura, que desde 2021 estariam negociando com prefeituras a liberação de recursos federais do ministério da Educação. Eles não têm cargo na pasta.

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— Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar. [...] Por que ele? Porque foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar — disse o ministro na conversa.

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Em seguida, o ministro sinaliza que haveria uma contrapartida à liberação dos recursos do MEC para prefeituras:

— Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [inaudível] é apoio sobre construção de igrejas — diz sem dar detalhes.

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De acordo com a Folha, a reunião ocorreu no MEC. Milton Ribeiro tratou do orçamento do ministério e liberação de recursos para as prefeituras. Alguns políticos, segundo o jornal, foram recebidos na casa do próprio ministro, fora da agenda oficial.

Responsável pelo comando da igreja Ministério Cristo para Todos, em Goiânia, o pastor Gilmar Silva dos Santos preside uma entidade chamada Convenção Nacional de Igrejas e Ministros de Assembleias de Deus no Brasil Cristo para Todos, da qual Arilton consta como secretário.

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O jornal "O Estado de S. Paulo" já havia mostrado que a dupla atuava facilitando agendas para pessoas de fora do governo e participando da liberação de verbas para prefeitos. De acordo com a reportagem, Gilmar e Arilton participaram de pelo menos 22 reuniões no MEC, sendo 19 delas com o próprio ministro. O objetivo de alguns desses compromissos foi descrito como "alinhamento político" na agenda oficial de Ribeiro.

Em fevereiro deste ano, Ribeiro recebeu em seu gabinete no MEC a prefeita de Bom Lugar (MA), Marlene Miranda (PCdoB), e seu marido, Marcos Miranda. Arilton Moura acompanhou o encontro na pasta que, segundo Miranda, teve como objetivo tratar da liberação de R$ 5 milhões para a construção de uma escola na cidade.

Em março do ano passado, segundo a reportagem, Santos e Moura acompanharam uma reunião no gabinete do ministro da Educação com representantes de 20 cidades de Goiás. Na época, a prefeitura de Vianópolis (GO) informou que "a reunião teve o objetivo de orientar sobre os recursos ligados à educação".


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As interferências de reigiosos na pasta, que tem à frente Milton Ribeiro, também pastor evangélico, acontece num momento de queda drástica dos recursos para Educação. Levantamento feito pelo GLOBO, no fim do ano passado, revelou que a verba destinada a investimentos na educação básica, que compreende ensino fundamental e médio, caiu 13%. Dados oficiais do próprio MEC apontam que a rubrica recebeu R$ 6,9 bilhões em 2020 contra R$ 6 bilhões em 2021. Em 2018, o orçamento para esse segmento alcançou R$ 7,5 bilhões. Além disso, o jornal mostrou que os recursos despencaram em todas as modalidades de ensino, educação infantil, de jovens e adultos, superior e profissionalizante. O maior corte foi na educação de jovens e adultos (EJA): enquanto em 2018, foram empenhados R$ 76 milhões, no ano passado, apenas R$ 4 milhões foram destinados à modalidade, uma redução de 94%. Em 2013, a mesma rubrica, considerada fundamental para a erradicação do analfabetismo no país, tinha ultrapassado a casa de R$ 1 bilhão em recursos.