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Por Ruan de Sousa Gabriel — São Paulo


Fotos inéditas de Pagu descobertas em dossiê da polícia francesa revelado pela escritora Adriana Armony — Foto: Reprodução
Fotos inéditas de Pagu descobertas em dossiê da polícia francesa revelado pela escritora Adriana Armony — Foto: Reprodução

Nas últimas páginas de sua “Autobiografia precoce”, de 1940, a escritora Patrícia Galvão, a Pagu, narra sua viagem pelo mundo a serviço do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Em 1933, aos 23 anos, embarcou no Rio e passou por EUA, Japão e China, onde assistiu à coroação do imperador Pu-Yi, conseguiu as primeiras sementes de soja plantadas em solo brasileiro e entrevistou Sigmund Freud. Depois, seguiu para Moscou. Emocionou-se no túmulo de Lênin e lamentou que crianças ainda pedissem esmolas no país dos sovietes. “Então a revolução se fez para isso? Para que continuem a humilhação e a miséria das crianças?”, escreveu. De lá, sabe-se que Pagu atravessou meia Europa até a França, onde viveu entre 1934 e 1935.

“Autobiografia precoce” no entanto, não chega a Paris. O texto, originalmente uma carta a Geraldo Ferraz, segundo marido da escritora (o primeiro fora Oswald de Andrade), termina abruptamente após a desilusão soviética. O silêncio de Pagu (e a falta de informações sobre o exílio francês) incomodou tanto a carioca Adriana Armony que ela viajou a Paris atrás de pistas. O trabalho detetivesco resultou no recém-lançado “Pagu no metrô”, que traz informações novas sobre a temporada parisiense da autora de “Parque industrial”, romance proletário que acaba de voltar às livrarias.

— As biografias de Pagu não falam quase nada sobre ela em Paris. Dizem só que assumiu o nome de Léonie Boucher, conviveu com os surrealistas, participou de manifestações contra o fascismo, foi ferida e voltou para o Brasil. Mais nada — conta Armony, autora de um romance sobre Nelson Rodrigues (“A fome de Nelson”) e professora do Colégio Pedro II que, em parceria com Marcela Moura, prepara o curta “Com Pagu no metrô”, sobre as investigações parisienses.

Durante o ano de 2019, Armony percorreu arquivos na cidade — da Biblioteca Nacional, da polícia, de hospitais, do Partido Comunista Francês — em busca de peças que completassem o quebra-cabeça biográfico. Até então, sabia-se que ela fora presa por sua atuação política e expulsa da França. Armony, porém, percebeu que as datas não batiam.

Segundo o jornal La Défense, Pagu fora detida, em 26 de agosto de 1934, acusada de distribuir panfletos do Comitê de Coordenação das Forças Antifascistas. O dossiê policial, que contém fotos inéditas da escritora e a chama de mulher de “vida fácil”, afirma que ela deveria deixar a França até 6 de setembro, por ordem do Ministério do Interior. No entanto, um documento datado de 26 de dezembro daquele ano informa que ela desaparecera sem deixar rastros em 7 de setembro. Pagu só foi embora da França mais de um ano depois, em 4 de outubro de 1935.

Corpo aberto

Por onde Pagu andou durante 1935 ainda é um mistério. Não há indícios de que ela tenha passado esse período na cadeia. Ao fuçar em arquivos hospitalares (pois havia relatos de que ela se ferira em manifestações), Armony descobriu informações inéditas.

A escritora se internara no hospital Bichat em 31 de dezembro de 1934 e se submetera a uma cirurgia em 11 de janeiro de 1935 devido a uma metrorragia, isto é, um sangramento uterino excessivo fora do período menstrual. “Não consta que tenha havido grandes manifestações no fim de 1934; também o seu estado não parece consequência de um espancamento”, escreve Armony. “Seria mais plausível que fosse o resultado de um mioma, ou de um aborto.” Antes de Paris, Pagu passara por dois abortos.

Capa de "Pagu no metrô", livro da escritora Adriana Armony publicado pela Nós — Foto: Reprodução
Capa de "Pagu no metrô", livro da escritora Adriana Armony publicado pela Nós — Foto: Reprodução

Ainda nos arquivos hospitalares, nova descoberta. Segundo as biografias, Pagu voltou a Paris em setembro de 1962 para tratar um câncer de pulmão. Após uma operação fracassada, ela teria tentado suicídio. Os arquivos, porém, contam outra história. Pagu se internara devido a um “ferimento torácico por bala”. “A cirurgia malograda não parece ter sido causa, mas consequência” da tentativa de tirar sua vida, escreve Armony. Pagu morreu em Santos, no litoral paulista, dois meses depois, aos 52 anos, de câncer do pulmão.

De arquivo em arquivo, Armony perambulou por uma Paris tomada por protestos dos coletes amarelos e greves contra a reforma da previdência proposta por Emmanuel Macron. Nos anos 1930, Pagu enfrentara um clima político parecido: a esquerda se unia em uma frente contra o fascismo e os trabalhadores marchavam nas ruas.

Os poetas surrealistas dialogavam com os comunistas, embora rejeitassem o stalinismo, como Pagu. A polícia francesa descreveu a escritora como uma “ativa propagandista revolucionária”. E ela já militava (e muito) antes de Paris.

Em 1931, tornou-se a primeira mulher presa política do Brasil ao participar de comício de estivadores, em Santos, que terminou em violência policial. O PCB, que desprezava a origem pequeno-burguesa de Pagu, culpou-a pelo confronto. Foram 23 prisões ao longo da vida.

Em 1932, para convencer o PCB de seu comprometimento com a causa, Pagu publicou “Parque industrial: romance proletário”, sob o pseudônimo Mara Lobo. Escrito em estilo telegráfico, à moda modernista, e cheio de cenas ágeis e palavras de ordem, o livro narra as lutas de trabalhadoras do Brás, em São Paulo. Mulheres como Rosinha, imigrante lituana; Otávia, aguerrida comunista; Corina, negra que cai na prostituição após ser seduzida por um rapaz rico; e Eleonora, normalista que se casa com Alfredo, moço burguês sem caráter e simpático à causa operária (como Oswald de Andrade, então marido da escritora). Considerado panfletário e sem valor literário, “Parque industrial” ficou de fora do cânone modernista.

Autora de “Oswald pede a Tarsila que lave suas cuecas” e pesquisadora da Universidade Indiana, nos EUA, Bruna Kalil Othero afirma que “Parque industrial”, reeditado pela Companhia das Letras, é um dos primeiros romances brasileiros a tematizar a vida das mulheres pobres — brancas, negras, imigrantes.

Além de articular gênero, raça e classe bem antes do conceito de interseccionalidade animar a teoria feminista, Pagu apresentou uma solução a um dos maiores problemas modernistas: a identidade nacional. Enquanto Oswald e Mário de Andrade buscavam a brasilidade na mestiçagem, ela concluiu que pobre não tem pátria.

— Em “Parque industrial”, ser brasileiro é dar seu suor para os ricos. Pagu reivindica não uma pátria política, mas proletária. Ela escreve que em todos os países do mundo capitalista há um Brás — explica Othero, que também elogia os méritos literários da escritora. — “Parque industrial” tem uma estética inovadora. É cheio de elipses e silêncios. Pagu era mais modernista do que os modernistas. Feminista demais para os comunistas e comunista demais para as feministas.

Othero defende que Pagu não é a “musa do modernismo”, mas uma “intérprete do Brasil”. A construção do mito Pagu começou ainda nos 1920, quando ela atiçava São Paulo com seu batom roxo e sua liberdade sexual. Chamada de “anúncio luminoso da Antropofagia” por Álvaro Moreyra, ela ganhou seu apelido do poeta Raul Bopp, que pensou que seu nome fosse Patrícia Goulart. No poema “Coco de Pagu”, Bopp elogiou os “olhos moles”, o “corpo de cobra” e o “veneninho gostoso” da moça nascida em São João da Boa Vista, no interior de São Paulo, em 1910.

A escritora também inspirou o filme “Eternamente Pagu”, dirigido por Norma Bengell, com Carla Camurati no papel-título, e a canção “Pagu”, de Rita Lee e Zélia Duncan, aquela que diz: “Nem toda feiticeira é corcunda/ Nem toda brasileira é bunda/ Meu peito não é de silicone/ Sou mais macho que muito homem”. Para Armony, que viu retratos de Pagu em manifestações na França, ela não é só “a moça de batom roxo e cabelo desgrenhado, bonequinha de Oswald e Tarsila”:

— Patrícia Galvão são várias. A Pagu de que devemos nos lembrar é a que não tinha opiniões triviais, denunciou o autoritarismo e rejeitava panelinhas. O que fica de Pagu é a coragem de pensar.

Capa de "Parque industrial", romance proletário de Pagu relançado recentemente pela Companhia das Letras — Foto: Reprodução
Capa de "Parque industrial", romance proletário de Pagu relançado recentemente pela Companhia das Letras — Foto: Reprodução

Serviço:

"Pagu no metrô"

Autora: Adriana Armony. Editora: Nós. Páginas: 144. Preço: R$ 62.

"Parque industrial

Autora: Pagu. Editora: Companhia das Letras. Páginas: 112. Preço: R$ 49,90.

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