Vera Magalhães
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Vera Magalhães

Os principais fatos da política, do Judiciário e da economia.

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Vera Magalhães

Jornalista especializada na cobertura de poder desde 1993. É âncora do "Roda Viva", na TV Cultura, e comentarista na CBN.

Por Vera Magalhães


A desistência de João Doria em participar da sucessão presidencial é uma derrota para alguém que viveu para essa candidatura nos últimos quatro anos, mas o PSDB saiu menor que seu agora ex-pré-candidato desse episódio dos mais lamentáveis da política nacional recente -- e olha que a concorrência é extensa.

O que se viu no último ano foi um partido fingindo que desejava fazer prévias inéditas para escolher seu candidato, depois de décadas fazendo essa definição num pequeno grupo de caciques.

O fingimento tinha propósito: os dirigentes tucanos imaginavam que conseguiriam vencer Doria, ainda visto como um cristão-novo nas artes das política, e que teria dificuldade de inserção para além das fronteiras de São Paulo.

Só que uma marca do ex-governador é a obstinação diante de um desejo. Além disso, Doria contou com o empenho de seu então vice-governador, Rodrigo Garcia, ávido para que a cadeira do Palácio dos Bandeirantes fosse logo desocupada para que ele pudesse colocar em prática o próprio projeto eleitoral.

Com uma máquina poderosa acionada no único Estado no qual o PSDB ainda é grande, Doria venceu as prévias, para muxoxo da cúpula do partido, que continuou trabalhando contra ele.

A partir daí, o que se viu foi um show de horrores da baixa política. Se você faz uma prévia tem de estar preparado para acatar seu resultado, que pode ser a vitória daquele com quem você não vai com a cara.

O PSDB passou a ser mais ativo que Jair Bolsonaro na campanha de destruição da imagem do próprio candidato, levando a antiga tendência ao tucanocídio ao estado da arte.

A falta de traquejo político do então pré-candidato só agravou o quadro. Tanto que, mesmo sendo claramente sabotado, Doria não conseguiu angariar simpatia interna nem solidariedade do eleitor, que continuou arredio ao seu nome nas pesquisas.

É difícil imaginar que um partido que chegou a esse grau de corrosão das regras básicas de ética e civilidade na convivência interna possa fazer a diferença na candidatura de quem quer que seja.

Ainda que esteja na chapa de Simone Tebet -- isso se a senadora vencer sua própria prova interna diante de outra legenda propensa à traição e ao sacrifício dos seus quadros -- que PSDB será esse? Certamente não o que governou o país por oito já longínquos anos, dos quais resta um saudosismo meio vintage e não muito mais.

Nos Estados, o quadro é de terra arrasada. Candidatos a governador acovardados diante da polarização entre Lula e Bolsonaro se dedicam a um "mimimi" vitimista segundo o qual sua falta de chances seria culpa de Doria, e não da completa ausência de projeto da sigla da qual fazem parte.

Mesmo em São Paulo, onde Garcia acabou sendo um dos algozes finais do declínio de Doria, as chances de manter a "cidadela tucana" nunca foram tão duvidosas. A máquina certamente conta, haja visto que Márcio França foi ao segundo turno em 2018. Mas ali não havia, como hoje, a nova dicotomia PT-bolsonarismo, traduzida em solo paulista nas candidaturas de Fernando Haddad e Tarcísio Gomes de Freitas.

O entorno de Rodrigo Garcia parecia enxergar em Doria o elemento radioativo a impedir o (neo)tucano de crescer. Mas a associação com Bolsonaro e Lula pode ser um elemento mais forte do que essa análise rasa supõe, e deixar o governador fora do radar de uma parcela relevante do eleitorado.

Caberá a ele tentar capitalizar os bons resultados do governo sem creditar a Doria o que é de Doria, apagando de certa maneira o titular da chapa de 2018 da fotografia. Isso já começa a ser feito. Tanto que a ausência do sucessor na melancólica despedida do ex-governador se fez notar. No mesmo momento, Garcia estava sorridente numa agenda no interior do Estado, com o semblante de quem tirou um peso das costas.

Doria certamente perdeu nessa sucessão de puxadas de tapete. Achou, de forma que mistura doses iguais de arrogância e ingenuidade, que seria possível replicar no Brasil seus sucessos semi-empresariais no PSDB paulista, sem se dar conta da diversidade e da complexidade da política nacional, e sem mensurar o tamanho do estrago que Bolsonaro conseguiu operar em sua imagem, mesmo com a vacina.

Mas o PSDB sai bem menor e com a calça mais apertada, além de furada nos fundilhos. Se tornou um partido nanico não só na relevância e no tamanho, mas pela pequenez dos gestos e a mesquinharia dos propósitos. Um partido que não anseia de fato defender a democracia e pensar o futuro não merece a confiança do eleitor. E a sigla que um dia se dissociou do PMDB com esse sonho agora é uma sombra canhestra do que já foi.

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