MOSCOU — Os objetivos da Rússia em sua invasão militar não incluem derrubar o governo de Kiev nem ocupar a Ucrânia, disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, nesta quarta-feira, véspera do encontro entre os chanceleres dos dois países, que deverá acontecer na Turquia.
— [O objetivo do Exército] não é ocupação da Ucrânia ou a destruição de seu Estado ou a derrubada do governo. Não é dirigido contra a população civil — disse Zakharova em entrevista coletiva.
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Zakharova afirmou que Moscou alcançará seu objetivo de impor um status neutro à Ucrânia — o que significa que o país não poderia entrar para a Organização do Tratado do Atlântico Norte ( Otan ) — e que espera fazer isso por meio de negociações.
A porta-voz afirmou que “houve algum progresso” nas negociações até aqui, mas espera mais avanços nas próximas rodadas.
— Paralelamente à operação militar especial [nome dado pelas autoridades de Moscou à invasão da Ucrânia por tropas russas] também acontecem negociações com a parte ucraniana para acabar o quanto antes com o banho de sangue sem sentido e a resistência das Forças Armadas ucranianas. Alguns progressos foram feitos — afirmou Zakharova.
Enquanto isso, o Kremlin informou que o presidente Vladimir Putin conversou com o chanceler alemão, Olaf Scholz, sobre os "esforços diplomáticos" em curso.
Nesta quinta-feira, está prevista uma reunião entre os chanceleres dos dois países, o russo Sergei Lavrov e o ucraniano Dmytro Kuleba , às margens de uma conferência internacional na Turquia.
Nesta quarta-feira, Kuleba confimou o encontro na Turquia e pediu que Lavrov atue "de boa-fé, e não de uma perspectiva de propaganda".
— Mas digo francamente que minhas expectativas em relação a essas conversas são baixas. Estamos interessados em um cessar-fogo, em liberar nossos territórios, e o terceiro ponto é resolver as questões humanitárias — afirmou em um vídeo.
Na terça-feira, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, disse em entrevista à TV americana ABC que "moderou" a demanda por adesão da Ucrânia à Otan e que está disposto a chegar a um "compromisso" sobre os territórios separatistas pró-Rússia no Leste do seu país.
Em uma entrevista à agência Bloomberg nesta quarta, Ihor Zhovkva, vice-chefe de gabinete de Zelensky, afirmou que a Ucrânia está aberta a discutir a exigência de neutralidade da Rússia desde que receba garantias de segurança, mas não cederá "um só centímetro" de território.
— Certamente, estamos prontos para uma solução diplomática — disse Zhovkva.
Já o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, afirmou que "a Turquia pode conversar com a Rússia e a Ucrânia ao mesmo tempo".
— Estamos trabalhando para evitar que a crise se transforme em tragédia — disse.
Um país neutro é um Estado que se mantém neutro em relação a conflitos e evita entrar em alianças militares como a Otan. O termo, no entanto, é ambíguo, e diferentes países interpretam a neutralidade de forma distinta. Alguns são desmilitarizados, como a Costa Rica, enquanto outros, como a Suíça, seguem a "neutralidade armada" e têm Forças Armadas para autodefesa.
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Autoridades ucranianas e russas já fizeram três rodadas de negociações na fronteira entre Bielorrússia e Polônia para conversar sobre o fim dos combates.
Zakharova disse que outra rodada de negociações será focada em corredores humanitários para retirar civis. Nesta quarta-feira, Kiev e Moscou concordaram em criar rotas de fuga a partir de seis cidades.
Desde o fim de semana, iniciativas semelhantes tiveram sucesso apenas parcialmente. Alguns milhares de ucranianos conseguiram deixar as cidade de Sumy, perto da fronteira com a Rússia, e de Irbin, nos subúrbios de Kiev, na terça-feira.
Moscou disse no início desta semana que criaria corredores para a remoção de civis, mas Kiev disse que as rotas propostas eram inaceitáveis porque algumas levavam à Rússia.
Zakharova afirmou que cerca de 2 milhões de ucranianos querem fugir para a Rússia. Nesta quarta-feira, o Ministério de Defesa russo disse que 180 mil pessoas foram retiradas da Ucrânia para a Rússia desde o início da invasão, em 24 de fevereiro.
A agência de refugiados da ONU, Acnur, estimou nesta quarta o número total de refugiados da Ucrânia em até 2,2 milhões, um crescimento de 200 mil pessoas em comparação à véspera.
Durante o briefing, Zakharova acusou as autoridades de Kiev de bloquear os esforços para remover civis das cidades sob cerco russo.
— Informações sobre corredores humanitários não são deliberadamente comunicadas à população — disse ela. —As pessoas que desejam partir para a Rússia são forçadas a fugir na direção ocidental.
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Supostos laboratórios
Sem apresentar provas, Zakharova também acusou os Estados Unidos de conduzir um programa biológico militar na Ucrânia envolvendo patógenos mortais, incluindo peste e antraz. Esta tem sido uma crescente denúncia de Moscou, que é negada por Kiev e um porta-voz do Pentágono descreveu como absurda.
— Já podemos concluir que o desenvolvimento de componentes de armas biológicas estava sendo realizado em laboratórios biológicos ucranianos nas proximidades do território de nosso país — disse ela.
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Zakharova disse que a Rússia tem documentos que mostram que o Ministério da Saúde ucraniano ordenou a destruição de amostras de peste, cólera, antraz e outros patógenos após 24 de fevereiro.
Não foi possível confirmar de forma independente a autenticidade de tais documentos.
Em resposta a alegações russas anteriores sobre o suposto programa biológico militar na Ucrânia, um porta-voz do Pentágono disse na terça-feira:
— Esta desinformação russa absurda é patentemente falsa.
Um porta-voz presidencial ucraniano disse que “a Ucrânia nega estritamente qualquer alegação".
Zakharova disse que o suposto programa foi financiado pelo Pentágono.
— Não estamos falando aqui de usos pacíficos ou objetivos científicos... O que vocês estavam fazendo lá? — disse ela. — O Departamento de Defesa dos EUA e o governo presidencial dos Estados Unidos são obrigados a explicar oficialmente à comunidade global, oficialmente sobre os programas na Ucrânia. Exigimos detalhes.