• Beatriz Mazzei
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Um novo estudo do Ipea concluiu que a porcentagem de mulheres economicamente ativas que sofrem violência doméstica é maior do que a porcentagem de mulheres fora do mercado de trabalho que passam pela mesma situação (Foto: Getty Images)

Números indicam um registro de violência contra a mulher a cada cinco horas e um assassinato a cada dia (Foto: Getty Images)

A Rede de Observatórios de Segurança Pública lança hoje um estudo com números alarmantes para o mês do Dia Internacional das Mulheres. O boletim Elas Vivem: Dados da violência contra a mulher aponta 1975 registros de violência contra a mulher em 2021, ano em que a Lei Maria da Penha completa 15 anos.

Entre os casos, 409 são de feminicídios. Os números indicam um registro de violência contra a mulher a cada cinco horas e um assassinato a cada dia. O estudo também chama a atenção também para as subnotificações de casos, que continuam recorrentes.

O estudo conta com dados de cinco estados brasileiros - São Paulo, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e Ceará - em relação à dez categorias de violência: feminicídio, agressão física/tentativa de feminicídio, homicídio, violência sexual/estupro, tortura/cárcere privado/sequestro, agressão verbral/ameaça, tentativa de homício, bala perdida e transfeminicídio.

Violência por estado



O estado de São Paulo apresenta os maiores números de violência entre os avaliados no estudo, com 969 casos envolvendo todas as categorias de violência.

“Os dados gerados pelas nossas pesquisadoras em relação ao número de feminicídios foram maiores que os números oficiais: dados do governo apontam 136 mortes”, diz o texto. A rede conta com 157. O estado também lidera em crime estupro, com 97 casos. Com os índices, São Paulo apresentou um aumento de 27% de registros em relação ao ano passado.

Atrás de São Paulo, o Rio de Janeiro tem um caso de violência contra a mulher a cada 24h. Ao todo, são 465 registros. O aumento foi de 18% nos registros em um ano. Na categoria “bala perdida”, não foi registrado nenhum caso. É sabido, porém, que casos são frequentes no Rio de Janeiro, que foi palco, por exemplo, do assassinato da modelo Kathlen Romeu, que morreu grávida aos 24 anos em ação polícial.

Na sequência, Pernambuco conta com 311 casos de crimes contra mulheres, sendo o estado do Nordeste com maior índice e o segundo maior do estudo em feminicídio, com 91 registros.

Na Bahia foi registrado um caso de violência contra a mulher a cada dois dias. O estudo aponta 232 casos de violência ao todo. Desses, 29 são decorrentes de violência sexual e estupro.

Com o número, o estado reúne o maior índice entre os estados da região Nordeste avaliados. Um dos casos públicos no estado é o de Érika Rodrigues Batista, de 18 anos, que foi encontrada sem roupa e com sinais de estrangulamento na Praia do Prado, no distrito de Cumuruxatiba.

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Com 160 registros, o Ceará apresentou queda de 20% nos casos de violência contra a mulher. Ainda assim, o estado foi palco de casos emblemáticos no último ano, como o da influenciadora e arquiteta Pamela Holanda, agredida pelo ex-marido DJ Ivys.

Violência doméstica

As denúncias em vídeo de Pamela repercutiram nacionalmente e levantaram o debate sobre a violência doméstica, que não escolhe classe social nem poupa pessoas famosa.

De acordo com o boletim,  em 65% dos casos de feminicídios e 64% dos casos de agressão, os criminosos eram companheiros da vítima. Brigas, términos de relacionamento e ciúmes são algumas das causas apontadas como motivação para as agressões e mortes.

“Por mais que tenhamos feito um grande avanço em dar foco e voz, com cada vez mais homens presos por não respeitarem medidas protetivas, e que tenhamos construído delegacias especializadas em casos de violência contra mulher, ainda temos muito o que caminhar, para conseguirmos não apenas lidar com as consequências desses crimes, mas quem sabe assim conseguir evitá-los", diz o documento.

"Esse papel deve ser desempenhado pelo Estado, por meio de políticas públicas potentes que de fato protejam as mulheres dessa sociedade em que o machismo estrutural é enraizado.”

Mulheres negras


Segundo a Rede, boa parte dos crimes contra mulheres divulgados nos jornais (85%) não traz a informação racial da vítima. Contudo, nos casos em que existe a identificação racial, 50,7% das vítimas são negras.

“Algo nítido para as pesquisadoras da Rede é que quando se trata de mulheres brancas e de classes mais abastadas a cobertura jornalística tende a ser mais completa”, diz o documento.

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Transfeminicídios

Nos estados monitorados pela Rede de Observatórios, 27 mortes de pessoas trans foram registrados em 2021. Ceará e Pernambuco lideram o ranking, com 11 e 10 casos, respectivamente. Seguidos de São Paulo, com cinco, e Rio de Janeiro, com um registro.

Na Bahia não houve casos registrados, contudo, o instituto acredita que o índice é fruto da invisibilização dos casos na mídia.

“Os crimes acontecem pelo ódio ao que muitos acreditam que deve ser aniquilado: “a identidade trans feminina”. E isso é construído estruturalmente e reproduzido, inclusive por crianças e adolescentes”, aponta o documento.

Como exemplo, a Rede cita o caso da adolescente de 13 anos Keron Ravach, morta a socos e pauladas na cidade de Camocim, no interior do Ceará. Keron faria 14 anos no dia 28 de janeiro, um dia antes da data em que se celebra o Dia da Visibilidade Trans no país.

Os dados do boletim foram produzidos de forma independente pelo instituto. Os integrantes da Rede combinam metodologia de pesquisa, monitoramento diário de  e diálogo com a sociedade civil  para fazer análises sobre violência e segurança pública.

Os pesquisadores estão baseados em sete estados: Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Piauí e Maranhão.

Segundo a Rede, a produção cidadã de dados sobre a violência contra a mulher é importante pela falta de transparência em dados oficiais sobre o tema.