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'O pastor tem mais moral do que deputado', diz prefeito recebido por Milton Ribeiro

Chefes de executivos municipais listam as melhorias que conseguiram levar para as suas cidades após audiências com ministro agendadas por pastores
O ministro da Educação, Milton Ribeiro Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo/29-11-2021
O ministro da Educação, Milton Ribeiro Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo/29-11-2021

BRASÍLIA — O prefeito de Ijaci (MG), Fabiano Moreti, é um dos chefes de Executivo municipal que só conseguiram ser recebidos pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, após a intervenção de dois pastores suspeitos de fazerem lobby na pasta –  Gilmar Santos e Arilton Moura.  Ele conta que também se reuniu com o presidente do Fundo Nacional de Educação (FNDE), Marcelo Lopes da Ponte, e que depois disso conseguiu recursos para erguer uma creche em sua cidade.

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Moreti sintetiza o poder que os dois religiosos têm junto a Ribeiro:

— O pastor tem mais moral que deputado.  Eu sou aliado de deputados que não conseguem uma agenda para mim com o ministro. Conseguem com superintendentes e outros ocupantes de cargos menores – pontua.

O prefeito conta que estava hospedado em Brasília, no dia 13 de janeiro de 2021, quando foi convidado, por outros colegas prefeitos, para ir a uma agenda com o ministro da Educação, Milton Ribeiro. A agenda foi organizada por Arilton Moura, que, segundo Moreti, participou da reunião.

— Foi a única vez na vida que consegui uma reunião com ministro – afirma o prefeito.

Depois de ter sido recebido diretamente por Milton Ribeiro , Moreti diz que o gabinete do ministro lhe encaminhou para outra audiência solicitada por ele, com o presidente do FNDE, Marcelo Lopes. De acordo com Moreti, a conversa rendeu resultados objetivos para Ijaci.

— Foi lá que, mais à tardezinha, resolvi as demandas do município. Conversei com o Marcelo sobre duas obras: uma quadra e uma creche. A creche a gente inaugurou. A quadra a gente está aguardando — comemora.


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Prefeitos relatam que, após encontros com o Ministro da Educação, organizados por meio dos pastores, o dinheiro saia rápido para os municípios. André Kozan Lemos, prefeito de Dracema (SP), conseguiu a construção de uma escola e de um colégio cívico militar. Ele diz que o pastor Arilton esteve na agenda com o ministro, em Brasília.


— Eu achava que ele era funcionário do ministro — contou Kozan.

Após o encontro em Brasília, Milton Ribeiro se ofereceu para ir até Dracema, relata o prefeito, que relata ter levado outros chefes de Executivos municipais para encontrá-lo:

— O ministro foi muito bacana. Ele já conhecia a cidade e tem afinidade com o pessoal da igreja dele aqui em Dracena. Ele veio aqui, conseguimos a construção de uma escola e um colégio cívico militar.  Na ocasião, eu convidei mais de 40 prefeitos da minha região, que também compareceram, e receberam orientação de como pleitear novas obras no MEC — completou.

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Prefeito de Ceres, no interior de Goiás, Edmario De Castro Barbosa conta uma história parecida com a do colega de Dracema. Primeiro, teve uma agenda no MEC, com a presença do pastor Arilton.

Em seguida, o próprio ministro da Educação se ofereceu para ir até a cidade do prefeito.

— Gostei do jeito dele, sou da da igreja dele. Então ele quis vir à minha cidade — conta o prefeito. Os dois pastores, segundo Edmario, viajaram até Ceres para preparar a visita do ministro.

— Tive uma conversa com eles uma semana antes. Eles tiveram aqui uma semana antes da visita do ministro, para pesquisar como estava o serviço que consegui no FNDE. Eles se apresentavam como assessores do ministro, então recebi eles  na prefeitura — narra o prefeito.

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Na segunda-feira, o jornal "Folha de S. Paulo" divulgou um áudio de uma reunião na qual Milton Ribeiro afirma que houve um "pedido especial" de Bolsonaro para atender aos pleitos do pastor Gilmar Santos. Ele e outro líder evangélico, pastor Arilton Moura, que não têm ligação com a administração pública, são apontados como articuladores de uma espécie de gabinete paralelo do ministro, ao intermediar reuniões entre prefeituras e a pasta para liberação de recursos, conforme revelou o jornal "O Estado de S. Paulo" .


Em nota, o ministro da Educação negou que o presidente Jair Bolsonaro tenha pedido atendimento preferencial a prefeituras apadrinhadas por pastores. Ribeiro afirmou ainda que todas as solicitações feitas à pasta são encaminhadas para avaliação da área técnica.

A nota diz ainda que "desde fevereiro de 2021 foram atendidos in loco 1.837 municípios em todas as regiões do País, em reuniões eminentemente técnicas organizadas por parlamentares e gestores locais, registradas na agenda pública do Ministério, estabelecendo relação direta entre o MEC e os entes federados".

Segundo o comunicado, as agendas servem para esclarecer gestores sobre "procedimentos para planejamento e acesso aos recursos disponibilizados via FNDE, por meio do Plano de Ações Articuladas (PAR 4)".

Na nota, o ministro não esclareceu, entretanto, o motivo de dois pastores alheios à administração pública terem acesso frequente ao gabinete e fazerem a ponte entre prefeituras em busca de verbas e o MEC. A presença dos líderes religiosos, Gilmar Santos e Arilton Moura, desencadeou suspeitas de atuação indevida dentro da pasta.