Educação
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Por Bruno Alfano


Colégio Floresta, onde um aluno de 13 anos atacou a colega com uma faca TV Globo/Reprodução — Foto:
Colégio Floresta, onde um aluno de 13 anos atacou a colega com uma faca TV Globo/Reprodução — Foto:

RIO - Um sinal de alerta se acendeu após socos, facadas, arma de fogo e até uma granada surgirem em escolas nos últimos dias. Pesquisadores da área de educação temem que a série de episódios violentos com estudantes esteja ligada aos efeitos da pandemia previstos por especialistas.

— Depois do sofrimento causado pela Covid-19, não adianta fingir que nada aconteceu. Esses alunos estão voltando para a escola mais irritados, agressivos, com mais dificuldade nas habilidades sociais. A escola precisa de um plano de acolhida e espaço de diálogo para trabalhar essas questões em âmbito coletivo — receita Telma Vinha, professora da Unicamp especialista em convivência e clima escolar. — Relações on-line não são a mesma coisa. Pela internet, quando te enchem, você pode largar o telefone. É diferente do que ocorre pessoalmente, quando é preciso saber regular as emoções.

Na semana passada, apenas em Brasília, uma jovem apontou uma arma na cabeça de uma aluna na saída da escola, um grupo de estudantes foi flagrado brigando na porta do colégio e uma adolescente de 14 foi esfaqueada em uma aula. Em Belo Horizonte, um menino de 13 anos levou uma granada para uma escola particular. No estado de São Paulo, um vídeo flagrou uma briga generalizada entre estudantes numa rua de Guarulhos e uma diretora foi esfaqueada por um aluno em Caraguatatuba. Em uma escola na Zona Leste da capital, um aluno de 13 anos esfaqueou Anna Beatriz Nascimento, de 12.

Líder de um grupo de estudos sobre convivência na escola, bullying e violência, Luciene Tognetta, da Unesp, afirma que o cenário da educação apresenta uma combinação preocupante.

— Agressão doméstica, ciberagressão e outros componentes que vimos ganhar força na pandemia vão potencializar os desafios da violência nas escolas, que estão completamente despreparadas, sem nenhum tipo de política pública, e com professores sem saber o que fazer. Alunos com todos esses problemas vão explodir as escolas — avisa a professora.

Plano para prevenção

Na avaliação de Telma, as redes de ensino precisam criar planos de convivência e estabelecer medidas de prevenção dos problemas e protocolos para lidar com eventuais episódios de violência.

— Achar que a escola vai conseguir lidar com a violência instituindo mais regra e punição é uma ingenuidade absurda. Punição contém, mas não promove habilidade que esses jovens precisam desenvolver — diz Telma.

Entre as medidas sugeridas pela pesquisadora, estão a criação de assembleias de estudantes em que possam falar de seus problemas, a formação de professores para mediação de conflito e equipes de apoio formadas por alunos.

— São ações para formar cidadãos — resume.

Um dos exemplos mais conhecidos de escolas que conseguiram reverter ambientes violentos é a Escola Municipal de Ensino Fundamental Campos Salles, em São Paulo. A direção da escola, em Heliópolis, derrubou muros da escola, mudou o modelo curricular e, principalmente, aumentou os espaços de participação dos estudantes. Com isso, mudou a relação com a comunidade e passou a resolver seus conflitos em espaços de diálogo.

— O professor que tentar resolver a indisciplina na rigidez vira chacota. Só coletivamente é possível resolver a violência — diz Braz Nogueira, ex-diretor da Campos Salles e idealizador do projeto.

Segundo Nogueira, o colégio criou comissões de alunos que podem convocar inclusive pais de estudantes com problemas.

— Se tem um menino que bate na cabeça dos outros, não respeita professor, esse jovem é chamado pelos colegas para se explicar na comissão. Caso o problema não seja resolvido, o pai é chamado. Até professor pode ser chamado, se tiver algum atrito com a turma — diz.

Luciene lembra que outras escolas conseguiram reverter cenários violentos. Segundo a pesquisadora da Unesp, no entanto, a enorme maioria foi de experiências “artesanais”: iniciativas individuais de escolas, diretores ou professores, sem a participação institucional da rede.

— Só Sumaré (cidade na Região Metropolitana de Campinas) tem um plano de convivência entre alunos e professores instituído. A rede estadual de São Paulo chegou a criar uma ação do tipo depois de Suzano, mas por conta de interferências políticas e ideológicas acabou se transformando em mais um programa de polícia na escola — avalia.

Em 2019, um adolescente e um homem encapuzados mataram cinco alunos e duas funcionárias da Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano (SP). Os assassinos eram ex-alunos do colégio. Depois do ataque, um deles matou o outro e, em seguida, se suicidou.

— As pesquisas mostram que o Brasil lida com a indisciplina como bombeiro: dá problema e eu resolvo aquilo — critica Telma.

Ajuda de estudantes

Segundo Luciene, uma das principais estratégias para escolas superarem esses problemas são as equipes de apoio formadas pelos próprios estudantes elegidos pelos seus colegas.

— É uma forma bastante eficaz, defendida na literatura mundial. Esses alunos estão mais próximos de seus colegas, conseguem acompanhá-los e antecipar os episódios de violência muito antes dos adultos — afirma.

De acordo com a pesquiadora, esse trabalho é feito desde os anos 1980 no Reino Unido e tem ganhado adeptos no Brasil. Já há uma rede de escolas, na sua maioria particulares, que desenvolve programas de convivência com equipes de ajuda.

— As equipes são formadas por dois ou três alunos por turma, escolhidos pelos colegas, que são treinados para perceber os problemas surgindo e levantar as questões que ocorrem nas salas de aula — diz a pesquisadora. — Sofrimento emocional com tentativa de suicídio, depressão, ansiedade… se não forem trabalhados, vão gerar o que temos assistido nas escolas. O menino que nunca fez nada e sempre foi bonzinho dá uma facada na outra.

Nodomingo, o Fantástico, da TV Globo, divulgou a carta do pai do menino de 13 anos que esfaqueou Anna Beatriz dentro da sala, em São Paulo. Ele escreveu que o garoto é uma criança de “coração maravilhoso, super educado e amoroso”, mas que a família se desculpa por não ter percebido uma alteração no comportamento do garoto que levou às oito facadas na colega.

“Peço desculpas por nós não termos percebido qualquer alteração de comportamento, mas da forma mais sofrida aprendemos, e desejo que vocês possam ter a sensibilidade que não tivemos para juntos evitarmos situações como essa”, escreveu o pai do menino, aluno do Colégio Floresta, uma instituição privada.

Anna Beatriz está bem e em casa. Ao programa, a menina descreveu o agressor como um colega até então tranquilo e sem amigos. A mãe da estudante, Glady Xavier Nascimento, afirmou que o menino “também é uma vítima” e que se preocupa muito com ele.

— Ele precisa ser cuidado, ele precisa ser acolhido, precisa ser tratado — disse.

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