Por Rosanne D'Agostino, g1 — Brasília


Alexandre de Moraes, ministro do STF — Foto: Carlos Moura/SCO/STF

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes votou nesta quinta-feira (4) contra a possibilidade de aplicar a nova versão da Lei de Improbidade Administrativa, com mudanças sancionadas em 2021, para rever casos já transitados em julgado (ou seja, com tramitação concluída).

Moraes é o relator de um recurso que discute a lei no STF. O julgamento teve início na quarta (3) com as manifestações de partes e interessados e foi retomado nesta quinta com o voto dos ministros.

O STF analisa se a mudança na lei – que agora exige o dolo (intenção) do agente para configurar a improbidade – pode ser aplicada em casos que já tinham sido julgados com base na norma antiga (veja mais detalhes abaixo).

O caso analisado é o de uma procuradora alvo de ação civil por suposta negligência na função. O processo tem repercussão geral, ou seja, servirá de base para um entendimento mais amplo a ser aplicado a todos os casos semelhantes pelas demais instâncias.

Milhares de processos aguardam um posicionamento da Corte sobre o tema. São casos envolvendo agentes públicos, como servidores e políticos, por exemplo, que podem ter a condenação revertida caso o STF entenda que as alterações podem atingir essas penas.

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Voto do relator

Moraes apresentou voto contra a possibilidade de aplicar a lei a casos concluídos. Segundo o ministro, a improbidade culposa (sem intenção) vinha sendo aplicada legalmente até a mudança na legislação e nunca foi declarada inconstitucional pelo Supremo.

“A lei de improbidade administrativa nasceu exatamente para combater o gestor corrupto, não o gestor incompetente, inábil, negligente. Mas, em que pese essa discussão doutrinária de 30 anos, a verdade é que em nenhum momento houve declaração de inconstitucionalidade da modalidade culposa. Houve discussão, mas não houve declaração de inconstitucionalidade e a lei foi sendo aplicada legalmente”, afirmou.

O ministro afirmou que houve uma opção do legislador por alterar a lei de improbidade, “clara e plenamente válida, concordemos ou não”, mas argumentou que a lei, ao revogar a modalidade culposa, “não trouxe qualquer previsão de uma anistia geral para todos aqueles que, nesses 30 anos de aplicação de improbidade, foram condenados pela forma culposa”.

“O princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, consagrado no inciso 40 do artigo 5º da Constituição Federal, que diz que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu, não tem aplicação aqui automática para responsabilidade para atos de ilícitos civis na esfera administrativa”, afirmou.

Por outro lado, Moraes defendeu que “uma vez revogada a lei, não é possível manter a sua aplicação”. “Tudo que foi feito é considerado legal, mas não é possível a mantença disso”, afirmou.

Assim, o juiz que, agora, for julgar um caso em andamento deverá levar em conta a lei nova.

Segundo ele, isso não significa a extinção de todas as ações envolvendo a culpa do agente, já que há a possibilidade do dolo eventual. “Devem ser analisados caso a caso”, afirmou.

Moraes votou também por negar a aplicação dos novos prazos de prescrição a casos antigos. Segundo o ministro, se o estado atuou de forma regular, o encurtamento do prazo por alteração da lei não pode prejudicar a atuação do estado. “Se não houver inércia do estado, não há prescrição”, afirmou.

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Os votos dos ministros

André Mendonça: divergiu em parte do relator e reconheceu algumas hipóteses possíveis para que a lei possa ser aplicada a casos que já transitaram em julgado.

Mendonça votou por permitir a aplicação da nova lei de improbidade aos casos em andamento e aos que vierem a ser apresentados. Já nos casos finalizados, quando o caso for exclusivamente culposo, pode haver uma ação com pedido para rescindir a decisão de condenação – chamada de ação rescisória.

“Eu posso me valer de alguns princípios gerais e um deles é retroatividade de novos contornos quando isso beneficia o acusado”, afirmou.

“Eu não vislumbro traço distintivo suficiente para afastar o princípio da retroatividade da lei mais benéfica, ou seja, a ideia de distinção de certa forma antagônica entre culpa e dolo como elementos exigíveis é uníssona em todo sistema de responsabilidade jurídica.”

Em relação à prescrição, Mendonça defendeu a aplicação imediata do prazo previsto na nova lei aos processos em curso e aos fatos ainda não processados.

O que está em jogo

As alterações na Lei de Improbidade foram sancionadas em outubro de 2021 pelo presidente Jair Bolsonaro, após aprovação da Câmara e do Senado, e têm sido criticadas por restringir hipóteses de improbidade e dificultar sanções.

A lei serve para enquadrar condutas desonestas que atentem contra princípios da administração pública, causem prejuízos erário e resultem no enriquecimento ilícito dos agentes públicos.

A partir das alterações aprovadas, o texto passou a exigir o dolo do agente, ou seja, a intenção de cometer irregularidade, para a condenação. Antes, os atos culposos, sem intenção, também eram punidos.

A lei também alterou prazos de prescrição, o tempo previsto para que o estado possa processar o agente pelo ato de improbidade, que diminuiu em alguns casos.

O texto ainda determina que só será cabível ação por improbidade se houver dano efetivo ao patrimônio público.

Como as mudanças são mais benéficas, uma ala de juristas defende que elas devem ser aplicadas aos casos anteriores, seguindo a mesma lógica do direito penal, em que a lei retroage para beneficiar o réu.

De outro lado, há os que defendem que a Constituição prevê a aplicação de lei mais benéfica a casos passados apenas quando se trata de crime, ou seja, na esfera penal, mas não na improbidade, que é administrativa.

Outra questão em julgamento é sobre quem podem propor as ações de improbidade administrativa e os acordos de não persecução civil, que passou a ser apenas do Ministério Público. Moraes suspendeu temporariamente essa regra, o que deve ser reavaliado pelo plenário.

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