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Como escritores estão faturando sozinhos com autopublicação na internet

Best-sellers ganham mais de R$ 50 mil em um mês nos serviços digitais e priorizam e-book
Escritores apostam na autopublicação em busca de independência Foto: André Mello / Agência O Globo
Escritores apostam na autopublicação em busca de independência Foto: André Mello / Agência O Globo

RIO — No início de 2013, a escritora Nana Pauvolih resolveu colocar um de seus livros eróticos, “Redenção de um cafajeste”, à venda na Kindle Direct Publishing (KDP). Recém-chegada ao Brasil na época, a plataforma de autopublicação digital da Amazon permitia a qualquer autor disponibilizar textos para e-book, no valor que desejasse. O retorno foi surpreendente — já no primeiro mês, recebeu R$ 3 mil em royalties, pouco mais do que seu salário como professora de escola na época.

— Quando percebi que finalmente poderia rentabilizar os meus livros, decidi parar de dar aula durante um ano para ver o que acontecia — conta Nana. — Ganhei tanto dinheiro nesse período que nunca mais voltei a ensinar.

Hoje com 30 obras lançadas, mais de cem mil e-books vendidos, 40 milhões de leituras na KDP, ela faz parte de um grupo seleto: o dos escritores que, com projeção nacional, tiram a maior parte de seus rendimentos publicando de forma independente. No mundo competitivo da autopublicação, os poucos que conseguem seu lugar ao sol prometem redefinir o sistema de royalties no mercado.

Enquanto ele, o mercado, agoniza com a crise, Nana chegou a tirar mais de R$ 50 mil em seu melhor mês, só com o que lança na plataforma. O sucesso rendeu contratos com grandes editoras, como a Planeta e a Rocco. Ainda assim, prioriza a independência: prefere primeiro se autopublicar, para só depois negociar um relançamento no formato físico com as editoras.

A vantagem é a forma de remuneração. Com a intermediação de uma editora, o autor recebe em geral 25% do valor de capa (no digital), com pagamento trimestral. Já utilizando a KDP, ele recebe mensalmente 70% das vendas. E ainda poderá decidir o preço de seu produto.

— Antes se pensava que a autopublicação era só um trampolim para iniciar a carreira e chamar a atenção das editoras — diz Nana, que este mês lança em e-book mais um livro erótico, “Recomeços”. — Mas agora muito autor percebeu que pode ganhar mais vendendo sozinho. Produzo rápido e eu mesma decido o preço. Depois que já vendeu bastante, relanço de forma física por uma editora. Tipo um reboot: com nova capa, nova diagramação e edição. E continua vendendo bem.

As escritoras Nana Pauvolih (esquerda) e Fml Pepper: sucesso na autopublicação Foto: Marcelo Régua / Agência O Globo
As escritoras Nana Pauvolih (esquerda) e Fml Pepper: sucesso na autopublicação Foto: Marcelo Régua / Agência O Globo

Com a nova perspectiva de autonomia, autores e editores estão optando por novos tipos de parceria. É o caso de Fátima Pimental, uma dentista de Niterói que já vendeu 66 mil e-books sob o pseudônimo Fml Pepper, desde que começou na KDP em 2013. Fenômeno do digital, passou a ter seus romances de fantasia relançados pela editora Valentina. Mas acertou, de forma pioneira, um contrato híbrido: cede os direitos para o físico, sem perder o domínio da sua obra em e-book.

É uma maneira de autores e editores ganharem dos dois lados, já que a autopublicação digital muitas vezes impulsiona o livro impresso. Mesmo depois de ficar três anos na KDP, a trilogia “Não pare”, de Pepper, fez sucesso ao migrar dos e-books para as livrarias em 2015, vendendo 60 mil exemplares.

— A longo prazo, ganho mais dinheiro com o físico —diz Fátima. — Mas, para o dia a dia, o digital é melhor. Como o pagamento é mensal, faz o fluxo de caixa rodar. Para quem vive da literatura, isso faz toda a diferença. E você decide como quer vender, que preço quer colocar, quando quer fazer promoções...

“Talvez daqui a alguns anos. A autopublicação gerou uma avalanche de novos autores, que terminam não tendo visibilidade justamente por isso. São raríssimos os casos em que um autor se destaca.”

Paulo Coelho
Escritor

No Brasil, a KDP é a plataforma de autopublicação preferida dos autores (os números de inscritos não são revelados, mas chegam a “milhares” no mundo, diz sua representante). Outra opção é a Kobo Writing Life, que conta com 4 mil cadastrados no país. A plataforma da Kobo, porém, remunera em dólar porque ainda não tem pagamentos por aqui. Agente literária especializada no digital, Alessandra Ruiz afirma que há autores ganhando entre R$ 10 mil e R$ 20 mil mensais graças a essas ferramentas.

— Parte da divulgação fica por conta do autor, mas isso pode ser feito pela internet, com custo acessível — diz ela. — Dependendo do esforço, o autor pode conseguir ganhar mais proporcionalmente.

Sem uma editora, porém, são poucos os que atingem uma real projeção.

— A publicação em livro impresso ainda é um sonho da grande maioria dos autores — diz a agente Luciana Villas-Boas, que representa Fml Pepper. — E as editoras sabem disso.

Ela lembra que a imensa maioria das obras bem-sucedidas na autopublicação são de apelo mais direto e de rápido consumo, como as do gênero erótico e para o jovem adulto. A agente alerta, no entanto, que o padrão de direitos digitais de 25% estabelecido pelas editoras é injusto.

— Por isso, quem faz grande sucesso na rede tende, sim, a ter cada vez mais poder de barganha para o contrato híbrido — diz Luciana.

Mais bem-sucedido escritor brasileiro no exterior, Paulo Coelho nunca vendeu os seus direitos de publicação eletrônica. Exceto pelos EUA, mantém todos. Em 2011, ele montou c om a sócia Monica Antunes uma editora para explorar sua obra digital — eles ficam com 70% dos direitos, dos quais 15% vão para os tradutores. Para ele, porém, os contratos híbridos ainda não são uma tendência.

— Talvez daqui a alguns anos. A autopublicação gerou uma avalanche de novos autores, que terminam não tendo visibilidade justamente por isso. São raríssimos os casos em que um autor se destaca.