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Flip traz Annie Ernaux e tem Maria Firmina dos Reis como 1ª homenageada negra

Festa literária enxuga nomes internacionais para focar a diversidade da autoria brasileira, com prevalência de mulheres

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São Paulo

A Festa Literária Internacional de Paraty vai homenagear uma escritora negra pela primeira vez em sua história de 20 edições, na figura da pioneira autora maranhense Maria Firmina dos Reis.

É o que anunciaram os curadores da festa deste ano, Fernanda Bastos, Milena Britto e Pedro Meira Monteiro, ao lado do diretor artístico da Flip, Mauro Munhoz, na manhã desta terça-feira.

annie ernaux de perfil
A escritora francesa Annie Ernaux, que acaba de ser confirmada na Flip, no Festival de Cannes em maio passado - Julie Sebadelha/AFP

"Foi uma autora esquecida no cânone que hoje é pesquisada principalmente por mulheres", diz Bastos, apontando que o gancho da edição deste ano é "ver o invisível". "A Flip ainda é uma instância de consagração, por isso queremos sugerir um outro século 19, uma outra Independência", diz Meira Monteiro.

Com seu romance "Úrsula", de 1859, Reis derrubou barreiras na literatura feminina e abolicionista —as marcas que ela deixou na cultura brasileira serão esquadrinhadas pela crítica literária Fernanda Miranda e pela historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto na mesa que abre a Flip na quarta-feira, 23 de novembro.

A curadoria do mais prestigioso festival literário do país, que vai até o domingo seguinte, também detalhou os convidados que vão compor a programação deste ano —incluindo o maior nome divulgado até agora, o da francesa Annie Ernaux, uma das principais referências da literatura contemporânea mundial.

Popularizada no país por três livros que a editora Fósforo lançou desde que abriu as portas — "O Lugar", "Os Anos" e "O Acontecimento"—, a escritora de 82 anos participará de uma mesa no sábado ao lado da brasileira Veronica Stigger. Mais dois títulos da autora, aliás, sairão pela casa até o final do ano.

A edição também é marcada por uma ampla dominância feminina, mais que o dobro da masculina: há 25 mulheres confirmadas na programação, contra nove homens.

Outras presenças internacionais de destaque incluem a antropóloga francesa Nastassja Martin, autora do cultuado "Escute as Feras", da editora 34; o chileno Benjamín Labatut, do inclassificável "Quando Deixamos de Entender o Mundo", da Todavia; e a cubana Teresa Cárdenas, voz central da literatura negra latino-americana, que publica pelas independentes Pallas e Figura de Linguagem.

A festa deste ano também terá um olho vivo para as artes plásticas, com uma celebração da carreira da fotógrafa Claudia Andujar, cujo trabalho junto aos yanomamis marcou história no país, no horário nobre da sexta à noite. "É uma das inovações deste ano, homenagear um artista vivo", diz Munhoz, diretor da Flip, que ainda não confirma a presença de Andujar no evento.

Outros artistas visuais se espalham pela programação, como a transgressiva Lenora de Barros, a quadrinista Fabiane Langona, que publica tiras neste jornal, e o poeta Ricardo Aleixo, que mistura arte multimídia a sua literatura.

O mineiro puxa uma programação forte de escritores brasileiros de projeção ascendente, numa lista que inclui ainda Carol Bensimon, Cidinha da Silva, Geovani Martins e Amara Moira.

Moira se junta à já anunciada Camila Sosa Villada, de "O Parque das Irmãs Magníficas", numa seleção atenta à grande literatura produzida por pessoas trans. Também já haviam sido divulgados os nomes da americana Saidiya Hartman, de "Perder a Mãe", que divide mesa com a também antropóloga Rita Segato, argentina radicada no Brasil; e da brasileira Cida Pedrosa, vencedora do Jabuti por "Solo para Vialejo".

A escritora pernambucana exemplifica como a programação deste ano busca escapar à fadiga do eixo literário do Sudeste —algo que se materializa também na presença da baiana Luciany Aparecida, do paraibano Christiano Aguiar, da paraense Nay Jinknss e dos gaúchos Eduardo Sterzi e Luiz Mauricio Azevedo.

O foco na diversidade geográfica, somado às dificuldades de captação de recursos pelo estrangulamento da Lei Rouanet, culmina em uma edição com menor presença internacional. Até agora são dez autores estrangeiros confirmados, contra 13 das duas edições presenciais anteriores, em 2018 e 2019.

Também é uma festa mais enxuta como um todo, por enquanto, com apenas 17 mesas confirmadas ante uma regra geral de cerca de 20 encontros na programação principal —vale manter em mente que mais mesas ainda podem ser divulgadas nos próximos meses.

O ingresso para cada mesa da Flip também encareceu, alcançando até R$ 120. Na última edição presencial, há três anos, era preciso desembolsar R$ 55 para entrar.

Outra tendência recente mantida na Flip é a de dissolver a programação em nomes publicados por casas menores e abrir espaço não só à diversidade racial e de gênero, mas também à editorial. Dos nomes internacionais divulgados, nenhum está no prelo das gigantes Companhia das Letras e Record e apenas um está na Todavia, outra que costumava dominar as importações do festival.

A prevalência dessas casas aumenta na seleção de autores brasileiros, mas se mistura à boa presença de editoras que fazem um trabalho com requinte artesanal, como a Relicário, a Malê, a Macondo, a Cepe e a Paralelo13s, entre diversas outras, numa lógica que também quer fugir ao eixo Rio-São Paulo. Editoras de porte como Intrínseca, HarperCollins e Rocco não estão representadas.

A Flip encara o desafio de voltar a ter uma edição presencial de peso após dois anos de festas virtuais, tendo abandonado pela primeira vez a tradicional figura do curador e do homenageado em 2020 e, no ano seguinte, elegendo uma curadoria coletiva que decidiu fazer uma festa temática sobre plantas e florestas.

Agora que a festa volta a aproximar leitores e autores em Paraty, enfrenta outros tipos de contratempos, como a extemporânea Copa do Mundo de futebol, que acontece em paralelo à programação da festa, e o fervor político nacional, que dificilmente arrefecerá entre as eleições e a posse presidencial em janeiro.

Veja a seguir toda a programação divulgada até agora.

Quarta, 23.nov


19h
Mesa 1: Pátrios lares
Homenagem a Maria Firmina dos Reis
Fernanda Miranda
Ana Flávia Magalhães Pinto
Midria

Quinta, 24.nov

10h
Mesa 2: Minha liberdade

Lilia Schwarcz
Eduardo de Assis Duarte

12h
Mesa 3: A literatura em que habito

Bessora
Carol Bensimon
Prisca Agustoni

19h
Mesa 4: O corpo de imagens
Lenora de Barros
Ricardo Aleixo
Patricia Lino

20h30
Mesa 5: A festa das irmãs perigosas

Camila Sosa Villada
Luciany Aparecida

Sexta-feira, 25.nov

10h
Mesa 6: Ainda longos combates

Allan da Rosa
Eduardo Sterzi

12h
Mesa 7: Dançar a palavra

Cecilia Pavón
Fabiane Langona

15h
Mesa 8: O que deixaram para adiante

Ladee Hubbard
Geovani Martins

17h
Mesa 9: E se eu fosse
Amara Moira
Ricardo Lísias

19h
Mesa 10: Do mal que tu me deste...

Benjamín Labatut

20h30
Mesa 11: Livre e infinito
Mesa com artista em destaque: Claudia Andujar
Davi Kopenawa
Nair Benedicto
Nay Jinknss

Sábado, 26.nov

10h
Mesa 12: Cidade e floresta

Luís Perequê
Carlos Papá
Cristine Takuá

12h
Mesa 13: Memória Flip 20 anos

Pauline Melville
Bernardo Carvalho

15h
Mesa 14: Diamante rubro

Annie Ernaux
Veronica Stigger

17h
Mesa 15: Desterrando o susto

Nastassja Martin
Tamara Klink

19h
Mesa 16: Entrar no bosque de luz

Saidiya Hartman
Rita Segato
Luiz Maurício Azevedo

20h30
Mesa 17: Palavra livre

Alice Neto de Sousa
Midria
Lázaro Ramos

Domingo, 27.nov

10h
Mesa 18: O brando leque do gentil palmar

Teresa Cárdenas
Cida Pedrosa

12h
Mesa 19: Encruzilhadas do Brasil

Cidinha da Silva
Cristhiano Aguiar

15h
Mesa 20: Livros de cabeceira

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