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Por Rocío Montes, El País — SANTIAGO DO CHILE

Em 11 de setembro de 2023, completam-se 50 anos desde o golpe militar no Chile, que derrubou o presidente Salvador Allende e iniciou 17 anos de ditadura sangrenta de Augusto Pinochet. O atual presidente chileno, o esquerdista Gabriel Boric, em seu primeiro discurso à nação, em 1º de junho, mencionou a data que terá de liderar como chefe de Estado.

Além de refletir que "ainda há muitas dívidas que carregamos", apesar de o Chile ter realizado políticas inéditas no mundo na busca da verdade e na reparação às vítimas — como a Comissão Valech sobre prisão política e tortura —, Boric anunciou que seu governo "continuará a procurar incansavelmente os desaparecidos por meio de um plano nacional de busca".

— Estamos comprometidos com a verdade e a justiça — disse Boric, que durante sua campanha e mandato fez vários gestos em direção ao Governo de Unidade Popular de Allende e fez dos direitos humanos um dos emblemas fundamentais de seu mandato.

O plano será executado pelo Ministério da Justiça, chefiado pela ministra Marcela Ríos. Segundo dados elaborados pela Unidade do Programa de Direitos Humanos em conjunto com a Unidade de Direitos Humanos do Serviço Médico Legal, há 1.469 vítimas de desaparecimento forçado. Apenas 307 corpos ou restos de esqueletos foram identificados. Consequentemente, 1.162 pessoas ainda estão desaparecidas, quase meio século após o golpe.

Enquanto no mundo dos direitos humanos e nas famílias das vítimas há a convicção de que as Forças Armadas e os Carabineiros, a polícia militar, têm informações sobre seus destinos, os uniformizados negam. Em 2001, após uma mesa de diálogo que reuniu instituições militares, vítimas, igrejas e sociedade civil, os militares asseguraram que muitos dos desaparecidos haviam sido lançados ao mar, embora posteriormente se tenha constatado que parte dessa informação não era verdadeira.

A psicóloga Elizabeth Lira, acadêmica da Universidade Alberto Hurtado e vencedora do Prêmio Nacional de Ciências Sociais 2017, lembra que os Estados têm a obrigação de procurar os desaparecidos, segundo um documento da ONU de 2019.

— O anúncio de Boric corresponde a cumprir acordos internacionais e as obrigações do Estado — explica a acadêmica, que desempenhou papel relevante em instâncias de busca da verdade, como a mesa de diálogo de 1999-2000 e a Comissão Política de Prisão e Tortura, entre os anos de 2003-2005.

Lira diz que o documento da ONU que rege a busca de desaparecidos estabelece que “deve ser realizada sob a presunção de que estão vivos; respeitar a dignidade humana; ser regida por políticas públicas”.

Para o advogado de direitos humanos Luciano Fouillioux, “Boric não tem motivos para não promover uma iniciativa desse tipo ou semelhante, como outros governos já fizeram no Chile a partir de 1990 (uns mais e outros menos, mas todos fizeram algo sobre esses assuntos, inclusive o do próprio Sebastián Piñera, da direita)”.

Fouillioux lista: Boric é um jovem presidente, de uma geração depois dos crimes da ditadura —mas comprometido com esses assuntos —, próximo ao mundo das vítimas e que tem o tema dos direitos humanos no centro de seu programa de governo, inclusive em todos os ministérios.

"Outra coisa é que tenha resultados", analisa o advogado de direitos humanos, que representa a família do ex-presidente Eduardo Frei Montalva (1964-1970) no julgamento que tem o objetivo de esclarecer as circunstâncias de sua morte.

— O que ele deveria ter em vista seria fazer um grande acordo com as próprias Forças Armadas, porque, talvez, encontre mais de uma surpresa: os comandos atuais são totalmente diferentes dos de 1973 — acrescenta Fouillioux sobre as possibilidades de entrega de informações sobre o destino dos desaparecidos.

A proposta do Ministério da Justiça inclui a ampliação da campanha “Uma gota de sangue pela verdade e pela justiça”, que se refere à coleta de amostras de sangue em todo o território para completar o banco de dados de registros genéticos. Pretende-se elaborar um diagnóstico sistematizado de toda a informação já recolhida que permita identificar as principais linhas de trabalho a desenvolver.

O governo Boric quer identificar, por sua vez, o leque de novas tecnologias que podem ser usadas para avançar nas investigações dependendo das formas de desaparecimento forçado ou involuntário. A ideia, explica o texto desenvolvido pela pasta da Justiça, visa a criar uma proposta metodológica e processual para o desenvolvimento do plano.

A Presidência também quer convocar uma mesa de trabalho que reúna os vários atores envolvidos: a coordenação dos ministros visitantes com dedicação exclusiva à investigação dessas causas, o Serviço Médico Legal, o Registro Civil, a Polícia Investigativa, o Programa de Direitos Humanos, famílias e grupos de vítimas e especialistas.

Além disso, Boric quer fortalecer a Unidade do Programa de Direitos Humanos com mais profissionais multidisciplinares capazes de realizar uma política de busca administrativa. O mesmo com a Unidade de Direitos Humanos do Serviço Médico Legal, com o objetivo de “aumentar sua capacidade instalada de análise e revisão de casos de interesse forense para esclarecer o destino das vítimas de desaparecimento forçado ou involuntário”.

Os vários governos democráticos desde 1990 têm realizado importantes políticas em relação às vítimas da ditadura de Pinochet. O governo de Patricio Aylwin executou a Comissão Rettig, sobre a verdade dos mortos e desaparecidos. Posteriormente, no mandato de Frei Ruiz Tagle, foi instituída a Mesa de Diálogo, que representou o reconhecimento dos crimes pelas Forças Armadas e da Ordem. O governo de Ricardo Lagos, por sua vez, constituiu uma comissão chefiada pelo Monsenhor Sergio Valech sobre prisão política e tortura, iniciativa inédita no mundo, que foi seguida de medidas de reparação vigentes até hoje.

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