INCHEON, Coreia do Sul — Um relatório divulgado nesta segunda-feira pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, órgão das Nações Unidas para assunto), em Incheon, na Coreia do Sul, mostra que ainda é possível minimizar a catástrofe climática, mas mudanças “rápidas” e “sem precedentes” são necessárias para atingir este objetivo. O documento de 400 páginas, elaborado pelos maiores especialistas do mundo, pede transformações radicais no modo como vivemos, desde as fontes energéticas que utilizamos aos alimentos que consumimos, para limitar o aquecimento do planeta em 1,5 grau Celsius em relação ao período pré-industrial.
Os cientistas alertam que o aquecimento acima deste patamar trará consequências profundas para a saúde e o bem-estar da Humanidade, e colocará ecossistemas e a biodiversidade em risco. Para evitar esse cenário, as emissões humanas de dióxido de carbono terão que cair 45% até 2030, em relação aos níveis de 2010, e zerar até 2050. E isso só será possível com mudanças no estilo de vida das pessoas e o desenvolvimento de tecnologias capazes de remover CO2 da atmosfera.
— Limitar o aquecimento em 1,5 grau Celsius é possível dentro das leis da química e da física, mas isso requer mudanças sem precedentes — alertou Jim Skea, um dos 91 pesquisadores de 40 países que assinam o relatório.
Para tanto, os cálculos indicam que fontes renováveis terão que produzir 85% da demanda global de eletricidade e um território quase do tamanho da Austrália, com sete milhões de quilômetros quadrados, será necessário para a produção de biocombustíveis. Segundo o relatório, isso envolve "investimento médio anual no sistema energético de aproximadamente US$ 2,4 trilhões" entre 2016 e 2035.
A diferença que 0,5º C faz
Segundo o Acordo de Paris, assinado por 195 países em dezembro de 2015, os Estados adotarão, de forma voluntária, medidas para reduzir as emissões de gases-estufa a fim de limitar o aquecimento global em 2 graus Celsius, mas com a meta mais ambiciosa de 1,5 grau Celsius. Sarah Perkins-Kirkpatrick, pesquisadora da Universidade de Nova Gales do Sul, em Sydney, na Austrália, destaca que a “diferença entre esses dois mundos é mensurável e significativa”.
— Um mundo com aquecimento de 1,5 grau Celsius é, de longe, melhor, em termos de eventos eventos extremos, de impactos causados e de adaptação necessária — avaliou a pesquisadora, que não participou da elaboração do documento. — A elevação do nível do mar seria dez centímetros menor, o que significa menor intrusão da água salgada em regiões baixas e menos perdas de terras disponíveis.
Segundo o relatório, em 2100 a elevação do nível do mar seria dez centímetros menor se o aquecimento for mantido abaixo de 1,5 grau Celsius, em comparação com 2 graus Celsius. São dez milhões de pessoas que deixariam de ser deslocadas por causa de 0,5 grau Celsius de diferença.
A probabilidade de o Oceano Ártico descongelar completamente durante o verão seria de uma vez por século, contra pelo menos uma vez a cada década com o mundo 2 graus Celsius mais quente. Com o aquecimento em 2 graus Celsius, a previsão é que todos os recifes de coral desapareçam, impactando de forma profunda a biodiversidade marinha. Com 1,5 grau Celsius, seria possível salvar entre 10% e 30% deste rico ecossistema.
— Cada pequeno acréscimo no aquecimento importa, especialmente porque superar 1,5 grau Celsius aumenta os riscos associados de mudanças de longo prazo ou irreversíveis, como a perda de alguns ecossistemas — alertou Hans-Otto Pörtner, coautor do relatório.
A perda de territórios irá gerar uma onda de refugiados climáticos. Secas e enchentes mais frequentes levarão destruição a regiões do planeta antes não afetadas por esses fenômenos. Com temperaturas mais altas, vetores de doenças tropicais vão avançar para regiões de clima mais ameno, com impacto direto na saúde pública. Os insetos, essenciais para a polinização, terão duas vezes mais riscos de perderem seus habitats com o mundo 2 graus Celsius mais quente, em relação ao aquecimento de 1,5 grau Celsius. Isso representa maior impacto na agricultura, colocando a segurança alimentar em risco.
Efeitos das mudanças climáticas já são sentidos
Atualmente, o mundo já superou a barreira de 1 grau Celsius de aquecimento em relação aos níveis pré-industriais, e o relatório deixa claro que a Humanidade já está sentindo os efeitos das mudanças climáticas. Temporadas de furacões devastadores nos EUA, tufões sem precedentes na Ásia. Crises hídricas em grandes metrópoles e secas históricas na Europa. Até mesmo grandes incêndios nas tundras no Ártico foram registrados.
— Os cientistas queriam escrever em letras garrafais: “AJAM AGORA, IDIOTAS”, mas eles precisavam dizer isso com fatos e números —comentou Kaisa Kosonen, que participou das negociações pelo Greenpeace.
Os cientistas pedem por mudanças rápidas nas fontes de energia e no uso da terra, e transformações nas cidades e nas indústrias. Mas acrescentam que o mundo não alcançará estas metas sem mudanças no estilo de vida das populações. Todos somos responsáveis pelo futuro do planeta. Mudanças no cotidiano, como a redução no consumo de carne e de derivados do leite e no desperdício de alimentos, e a substituição do carro por bicicletas ou transportes coletivos não poluentes, são importantes para conter o aquecimento global.
— O relatório fornece aos formuladores de políticas as informações necessárias para que tomem as decisões que barrem a mudança climática, enquanto considera contextos locais e as necessidades das pessoas — explicou Debra Roberts, também participante do estudo. — Os próximos anos será provavelmente os mais importantes na nossa história.
Ainda é possível salvar o planeta
Se o aquecimento seguir o ritmo atual, por causa das emissões de gases do efeito estufa, o aquecimento das temperaturas médias mundiais atingirá o patamar de 1,5 grau Celsius entre “2030 e 2052”, ressaltam os cientistas, que elaboraram a estimativa com base em mais de 6 mil estudos sobre o tema. E mesmo para limitar o aquecimento em 2 graus Celsius mudanças drásticas serão necessárias, cortando em 20% as emissões de gases-estufa até 2030, em relação aos níveis de 2010, e zerando as emissões em 2075.
Os países que assinaram o Acordo de Paris se comprometeram a adotar medidas para a redução das emissões de gases-estufa, mas os cientistas alertam que, mesmo que todos os compromissos sejam cumpridos até 2030, serão poucas as chances de limitar o aquecimento em 1,5 grau Celsius. Pelas propostas atuais, a estimativa é que o aquecimento chegue aos 3 graus Celsius na virada do século, o que traria consequências incalculáveis. O relatório aprovado pelo IPCC em Incheon será apresentado aos altos representantes de governos que irão de reunir na Conferência do Clima em Katowice, na Polônia, em dezembro.
— O relatório mostra as consequências assustadoras de permitirmos que o aquecimento global supere 1,5 grau Celsius acima do período pré-industrial. Existem razões muito fortes para tentarmos o máximo que pudermos para mantermos abaixo desse nível — analisou Euan Nisbet, pesquisador da Universidade de Londres, não envolvido no estudo. — A boa notícia é que existem formas de alcançarmos esta meta ambiciosa, mas precisaremos de cortes profundos nas emissões de CO2 e quase certamente precisaremos remover carbono do ar, por exemplo, replantando florestas. Nós realmente precisamos limitar o aquecimento abaixo de 1,5 grau Celsius: dado o perigo, isto não é uma opção.