Cultura Música

Compositores de diversos países e estilos se unem em 'song camps' para criar juntos

Encontros são promovidos por editoras musicais ou sociedades de direito autoral
Em primeiro plano, o americano Needlz (de verde) e o francês Dany Synthé, acompanhados pelo brasileiro Pretinho da Serrinha (ao cavaquinho), num 'song camp' em agosto, em São Paulo Foto: Breno Wallace / Divulgação
Em primeiro plano, o americano Needlz (de verde) e o francês Dany Synthé, acompanhados pelo brasileiro Pretinho da Serrinha (ao cavaquinho), num 'song camp' em agosto, em São Paulo Foto: Breno Wallace / Divulgação

RIO — O grupo de 12 a 15 pessoas reúne compositores e produtores de nacionalidades e gêneros musicais variados. Eles não se conhecem. Depois de apresentados, são separados em grupos de três para compor músicas que serão distribuídas a intérpretes do mundo inteiro. A dinâmica dos song camps — como são chamados os encontros do tipo — pode soar estranha a parceiros como João Bosco & Aldir Blanc, Lennon & McCartney, Edu Lobo & Chico Buarque, Milton Nascimento & Fernando Brant e Roberto Carlos & Erasmo Carlos. Na indústria fonográfica contemporânea, porém, a prática se tornou popular nos últimos anos. Por aqui, as reuniões no formato ganham força.

Em três dias, 26 canções

A editora Universal Publishing realizou uma delas em agosto, em São Paulo — com criadores daqui (como Pretinho da Serrinha), da Inglaterra, dos EUA, da Holanda, da França, da Alemanha e da República Dominicana.

— Foi o primeiro que fizemos no Brasil — conta Marcelo Falcão, diretor executivo da Universal Publishing. — A ideia era aproximar essas culturas, trocar informações, para fazer música para o mundo inteiro. Em três dias, saíram 26 canções, gravadas profissionalmente, distribuídas para os escritórios da Universal Publishing no mundo inteiro. Uma delas já foi gravada por uma artista brasileira muito famosa. Mas, como ainda não foi lançada, não posso revelar.

“Vejo como uma extensão, para a área musical, da ideia da economia colaborativa. Como a rotina digital mudou a forma de as pessoas ouvirem música hoje, menos ligadas aos álbuns e mais às canções isoladas, a importância do single é cada vez maior”

Marcelo Castelo Branco
Presidente da UBC

Os song camps são organizados pelas editoras — empresas responsáveis por administrar os direitos das composições — ou sociedades de compositores. A União Brasileira de Compositores (UBC) está organizando um encontro para este ano ainda, em parceria com a australiana APRA. A entidade promove nesta terça-feira o 2º Prêmio UBC, que tem Erasmo como homenageado e celebra o Dia do Compositor Brasileiro (7 de outubro) e os 20 anos da Lei do Direito Autoral.

— Vejo como uma extensão, para a área musical, da ideia da economia colaborativa — avalia Marcelo Castelo Branco, presidente da UBC. — Como a rotina digital mudou a forma de as pessoas ouvirem música hoje, menos ligadas aos álbuns e mais às canções isoladas, a importância do single é cada vez maior. Os song camps refletem essa procura do hit.

A estratégia já foi definida, maldosamente, como a aplicação prática do “teorema do macaco infinito”, segundo a qual, se um macaco ficar digitando aleatoriamente, em algum momento vai escrever, por exemplo, as obras completas de Shakespeare.

Por outro lado, a inspiração vem da “linha de montagem” de hits da gravadora americana Motown, que produziu clássicos de altíssimo nível ao longo dos anos 1960.

Exercício lúdico de criação

Para os participantes, o que fica é o exercício lúdico da criação.

— Música é um tanto sobre isso, estar com pessoas diferentes — diz Celso Fonseca, único brasileiro a participar do song camp realizado no último Midem, o encontro mundial de empresas ligadas à música que acontece anualmente em Cannes. — Fiz músicas com artistas como Sayen, uma chilena que mora há 30 anos na Suécia, e Toya Delazy, artista de hip-hop sul-africana baseada em Londres. O modelo mudou, o paradigma mudou, mas a canção segue tendo força. É ela que move a indústria toda.

O produtor e compositor Rafael Tudesco, que já participou de sete song camps , vê neles a força do encontro físico, da troca pessoal direta entre os criadores.

— Com a evolução da tecnologia, cada vez mais a construção musical se tornou individual, cada um num canto. Acho bacana juntar pessoas de diversos cantos e estilos para produzir coletivamente.