Elio Gaspari
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Elio Gaspari

Jornalista e escritor

Informações da coluna

Elio Gaspari

Elio Gaspari é um jornalista e escritor. Em 2016, foi homenageado com um Prêmio Vladimir Herzog.


Está em circulação mais um expediente magia para tumultuar a eleição. Ainda no nascedouro, nada indica que prospere, mas convém registrar sua existência. Afinal, as conversas chegaram a pessoas que já viram muita coisa, e elas não gostaram do que ouviram.

O lance de magia negra circula há mais de um mês, com duas versões. A primeira é recente. A segunda é mais velha.

A versão recente tem três fases.

Nela, milícias digitais e mobilizações semelhantes às do ano passado criariam um clima de instabilidade a partir da Semana da Pátria.

Armado o fuzuê, vozes pretensamente pacificadoras defenderiam o adiamento das eleições, com a votação de uma emenda constitucional. Junto com essa emenda seriam prorrogados todos os mandatos, de congressistas, governadores e, é claro, do presidente da República.

A segunda versão, mais velha, tem o mesmo desfecho, mas começa no dia da eleição, com ou sem tumultos populares. Nela, o coração da manobra está em provocar um apagão no fornecimento de energia por algumas horas em duas ou três grandes cidades, atingindo-se um significativo número de eleitores.

Melada a eleição, aparece a mesma turma pacificadora, marcando uma nova data. Calcula-se que isso só seria possível depois de pelo menos dois meses. Tendo ocorrido uma catástrofe dessas proporções, a totalização eletrônica estaria ferida. Nesse caso, o hiato seria maior. Assim, chega-se ao mesmo desfecho da versão anterior: prorrogam-se os mandatos.

Por todos os motivos, essas piruetas não teriam a menor chance de avançar. Contudo, os antecedentes dos principais personagens da manobra recomendam cautela e prevenção.

Bolsonaro cultiva o Apocalipse. Em 2019, quando o Chile foi sacudido por desordens, ele profetizou: “O que aconteceu no Chile vai ser fichinha perto do que pode acontecer no Brasil. Todos nós pagaremos um preço que levará anos para ser pago, se é que o Brasil não possa ainda sair da normalidade democrática que vocês tanto defendem.”

Em março de 2020, durante os meses dramáticos da pandemia, ele foi claro: “O caos está aí na nossa cara”. Não estava. A coisa mais parecida com o caos ocorrida durante a pandemia foi a administração do Ministério da Saúde, com seus quatro titulares.

Um ano depois, Bolsonaro dizia que o Brasil se tornou “um barril de pólvora”: “Estamos na iminência de ter um problema sério.”

Veio o Sete de Setembro, caravanas de ônibus foram a Brasília e caminhoneiros furaram o bloqueio da Esplanada, anunciando que invadiriam o Supremo Tribunal Federal. Aconteceram manifestações ordeiras em diversas cidades.

Bolsonaro escalou: “A partir de hoje, uma nova história começa a ser escrita aqui no Brasil.” Em São Paulo, insultou ministros do Supremo.

Uma intervenção do ex-presidente Michel Temer jogou água na fervura. De lá para cá, o “barril de pólvora” ficou em paz, o caos não veio e não aconteceu um só “problema sério” além da suspeição lançada sobre as urnas eletrônicas pelo presidente e pelos generais palacianos.

Na quinta-feira, Bolsonaro informou que se reunirá com os embaixadores estrangeiros para expor seus argumentos contra as urnas que o elegeram. Isso nunca aconteceu nos duzentos anos de Brasil independente. Bolsonaro deu seu recado críptico: “Você sabe o que está em jogo, sabe como deve se preparar.”

Como ensinava o sábio Marco Maciel, no dia Sete de Setembro e nos seguintes pode acontecer muita coisa, “inclusive nada”.

O sonho de um caos deliberadamente fabricado circula agora com o enfeite do adiamento das eleições e com o presente da prorrogação dos mandatos. Um Congresso que corre o risco de grande renovação pode gostar dessa ideia. Estima-se que metade dos deputados não voltem a Brasília. Afinal, Bolsonaro dispõe da benevolência do doutor Arthur Lira.

Em seus períodos democráticos, o Brasil nunca teve prorrogação de mandato presidencial. Na última ditadura, Castello Branco teve seu mandato prorrogado por um ano e rebarbou uma segunda prorrogação. Emílio Médici, o mais popular dos generais, matou no nascedouro uma manobra prorrogacionista.

Fachin avisou

Numa palestra em Washington, o ministro Edson Fachin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, disse o seguinte:

“O que tem sido dito no Brasil… é que nós poderemos ter um episódio ainda mais agravado do 6 de janeiro daqui, do Capitólio.”

A cabeleira do Boris

Com a queda de Boris Johnson, o mundo terá saudades de sua cabeleira revolta.

Ela sinalizou a profundidade das mudanças ocorridas na política da Grã Bretanha e no seu andar de cima.

Em 1942, Lord Beaverbrook recomendava a um jovem aspirante que cuidasse de sua indumentária: “Os ingleses jamais elegerão uma pessoa que não usa chapéu.”

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e acredita em tudo que o governo diz. Ele aplaudiu de pé o decreto que obriga os postos de gasolina a mostrar a evolução do preço do litro.

O cretino sugere a expansão da medida. As quitandas seriam obrigadas a mostrar o preço do tomate, do arroz e do feijão antes da posse de Bolsonaro.

A gasolina, por exemplo, custava R$ 2,60.

Desalento

Um grupo de endinheirados de São Paulo organizou uma roda de conversas para estimular candidaturas da chamada terceira via. A lista de presenças mostrava que havia ali pessoas realmente comprometidas com o bem-estar da população, desgostosas com uma polarização irracional.

Depois de vários encontros, baixou um desalento geral porque os candidatos não decolaram. Alguns atribuíram o insucesso ao marketing e outros às disputas entre as várias alternativas.

Esses obstáculos existiram, mas se cada um dos participantes tivesse levado aos encontros três de seus empregados, teriam entendido o que está acontecendo.

A raiz do desalento

A concessionária do aeroporto de Guarulhos anunciou um investimento de R$ 80 milhões para a construção de um terminal VIP.

Em dinheiro de hoje, o freguês pagará R$ 800 e chegará de limusine, um mensageiro carregará sua bagagem e será acompanhado por um anfitrião durante o check-in. Numa área de 5.100 metros quadrados, terá onde repousar, chuveiros de alta pressão, restaurante, engraxate e passadeira.

Segundo a empresa que administrará o negócio, esse terminal será o primeiro da América do Sul e “o maior do mundo do gênero”.

Em grandes aeroportos do mundo, quem cuida desse conforto são as empresas de aviação. Não há nada desse tamanho nos aeroportos de Londres, Nova York ou Amsterdam.

O andar de cima brasileiro batalha para ser o único do gênero no mundo.

Eremildo tem uma pergunta: Os usuários do terminal VIP terão atendimento exclusivo na fila de passaportes?

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