Henry Bernstein já viu 27 shows de Bob Dylan e possui três itens autografados por ele: uma cópia do álbum “The freewheelin’ Bob Dylan”, uma fotografia do cantor e um songbook de “John Wesley Harding”. Sua música favorita é "Tangled up in blue".
Então, quando a Simon & Schuster, a editora de Dylan nos EUA, anunciou cópias de “The philosopy of modern song” autografadas a mão por US$ 600 cada, Bernstein foi um dos 900 fãs a comprar. Na semana passada, ele recebeu seu exemplar do livro de ensaios, primeiro desde que Dylan ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 2016, com uma carta de autenticidade assinada por Jonathan Karp, CEO da editora. Só havia um problema. A assinatura de Karp “parecia mais legítima que a de Bob”, disse Bernstein.
Bernstein foi um das centenas de fãs que vasculharam as redes sociais, chegando à conclusão de que os livros supostamente assinados à mão não tinham, de fato, sido assinados por Dylan. Esses fãs sugeriam que as cópias “autografadas” do livro haviam sido assinadas por uma máquina. Justin Steffman, um autenticador profissional que dirige um grupo no Facebook para colecionadores, disse que o autógrafo provavelmente foi criado por uma autopen — máquina que recria assinaturas e é utilizada por universidades, celebridades e, principalmente, pela Casa Branca.
A caligrafia manuscrita normalmente tem um fluxo, diz Steffman, enquanto uma autopen "vai de ponto a ponto”. Além disso, os pontos inicial e final de cada pincelada aplicam mais pressão à página. “Não parece algo assinado por uma pessoa; parece uma cópia”, diz Steffman.
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Conforme seus pedidos chegavam, na semana passada, os fãs de Dylan começaram a comparar suas cópias pelas redes, e logo ficou claro que algo estava errado, diz Steffman. Ele coletou imagens de pelo menos 17 assinaturas que pareciam ter sido criadas por uma máquina. Itens autografados por Dylan normalmente são vendidos por US$ 1.500 ou US$ 2 mil, acrescenta.
Segundo Steffman, o atendimento ao cliente da Simon & Schuster primeiro se recusou a emitir reembolsos e até denunciou "rumores online" sobre a possibilidade da assinatura ser falsa. Um fórum organizado por um fã incentivou outras pessoas que compraram o livro a escrever diretamente para Karp, o CEO da Simon & Schuster. Fãs inundaram sua caixa de entrada, incluindo Bernstein, e receberam uma resposta pessoal de Karp prometendo um reembolso rápido.
No domingo, a Simon & Schuster emitiu uma declaração pública que oferecia poucos detalhes, mas reconhecia que a assinatura de Dylan havia sido apresentada “em forma de réplica escrita”. A editora disse que daria aos compradores “um reembolso imediato”.
“Agimos rapidamente para resolver a situação, retiramos o livro da venda e iniciamos o processo de reembolso imediato e automático para todos os clientes que compraram o livro”, disse o porta-voz da editora, Adam Rothberg, em um e-mail na terça-feira. A gravadora de Dylan, Columbia Records, não respondeu a um pedido de comentário.
Dylan está longe de ser a primeira celebridade a ser acusada de usar assinaturas automatizadas. Fãs já criticaram objetos autografados de Dolly Parton, Brian Wilson, Kenny Loggins e Ozzy Osbourne. Donald Rumsfeld, ex-secretário de defesa, foi criticado por usar uma assinatura mecanizada em cartas de condolências às famílias de militares mortos no Iraque e no Afeganistão.
Embora permaneçam dúvidas sobre a decisão de usar um autógrafo automático no livro de Dylan, os fãs estão confiantes de que Dylan não teve nada a ver com isso.
— Fiquei surpresa com o grande número que eles diziam ter. Mil cópias já levantou uma bandeira vermelha para mim — diz Laura Tenschert, que apresenta o podcast “Definitely Dylan”. — Eu diria que ele tem coisas melhores para fazer com seu tempo.
Tenschert descreveu a situação como "confusa" e presume "que Bob Dylan não esteve envolvido nisso." Ela aponta para o histórico dele de manter a venda de ingressos "acessível", o que seria uma indicação de "que é importante para ele alcançar seus fãs".
Além disso, tem a questão do dinheiro. Dylan, 81 anos, vendeu todo o seu catálogo de músicas gravadas para a Sony Music por cerca de US$ 200 milhões este ano e vendeu seus direitos de composição para a Universal Music em 2020 por mais de US$ 300 milhões.
— Para mim, seria muito estranho ele estar envolvido em um esquema para enganar seus fãs — diz Tenschert. — Acho que ele não precisa disso.