Malu Gaspar
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Por Malu Gaspar

Uma das principais articulações de Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília nos últimos dias não apareceu nas manchetes, mas pode surtir efeito decisivo para o futuro do seu governo. Em jantares e reuniões fechadas de que participaram pelo menos quatro ministros do Supremo, o petista foi claro e enfático ao dizer que o fim do orçamento secreto é essencial para a "devolver a governabilidade" ao Brasil.

Num desses eventos, na casa da senadora Kátia Abreu (MDB-TO), Lula conversou com Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. No jantar, em que também estavam os senadores Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Davi Alcolumbre (União-AP), além de Renan Calheiros (MDB-AL), o presidente eleito aproveitou para falar com os ministros em papos paralelos e passar o recado de que, se fosse pela vontade dele, o orçamento secreto acabaria no julgamento que começa a partir de quarta-feira no STF.

Segundo interlocutores do presidente eleito, ele também se encontrou a sós com Alexandre de Moraes, em São Paulo, para uma conversa em que o orçamento secreto estava no topo da lista de assuntos. Moraes nega que o encontro tenha acontecido. Na semana anterior, Lula também já havia se encontrado com o ministro Luís Roberto Barroso.

A movimentação de Lula foi considerada importante pelos ministros para demarcar a posição do presidente eleito em relação a essa modalidade de emendas de aplicação obrigatória e muito pouco transparente quanto aos critérios para a aplicação do dinheiro.

Só neste ano, foram destinados R$ 16,5 bilhões de reais no orçamento para essas emendas, administradas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (R$ 11,5 bilhões), e do Senado, Rodrigo Pacheco (R$ 5 bilhões).

Apesar de Lula ter afirmado diversas vezes na campanha que essas o orçamento secreto é uma "excrescência" e torna o presidente da República refém do Congresso, desde o início da transição, vários de seus aliados passaram a dizer a lideranças do Congresso – em especial a Lira – que haviam desistido de acabar com elas.

Essa jogo duplo faz parte da estratégia do PT para conseguir fazer passar no Congresso a emenda constitucional que dará ao novo governo uma "licença" para furar o teto de gastos e pagar o Auxílio Brasil de R$ 600 no ano que vem, entre outras despesas.

Essa é uma das razões pelas quais o PT também declarou apoio à reeleição de Lira. Se o presidente da Câmara resolver jogar contra a aprovação, a tarefa do novo governo vai ficar bem mais complicada.

Por isso, muita gente no partido trabalha para que a movimentação de Lula não fique evidente, para não provocar a revolta do presidente da Câmara e de seus aliados. .

A atitude dúbia do PT em relação ao orçamento secreto chegou a provocar preocupação na ala do Supremo que quer o fim das emendas, e dúvidas na ala conhecida como "Centrão do STF", um grupo mais pragmático e politicamente ativo da corte do qual participam Gilmar e Toffoli.

Nenhum deles gostaria de manter o orçamento secreto como está, até porque um dos poucos consensos que existe no STF é o de que essas emendas deram ao Congresso poder de se portar como mediador nas crises com o presidente Jair Bolsonaro – sempre pedindo algo em troca e emparedando a corte, evidentemente.

Além do mais, nenhum ministro perdoa declarações como a do deputado federal reeleito Elmar Nascimento (União Brasil-BA), aliado ultra próximo de Lira, que ameaçou o STF em entrevista ao "Estadão", em outubro.

"Se tirar o nosso, a gente tira o deles", disse o deputado, ao responder sobre a possibilidade de o Supremo acabar com o orçamento secreto após as eleições. "E quem faz o orçamento do STF? Aí ele vai tirar o orçamento da gente e a gente vai aceitar? Se tirar o nosso, a gente tira o deles."

A própria declaração de Nascimento já era uma reação à percepção que havia, na reta final da campanha, de que se Lula ganhasse, o orçamento secreto seria derrubado na Corte. Naquela época, os petistas tinham inclusive um "mapa" mostrando que ele cairia com pelo menos seis votos contrários.

Mas, nas últimas semanas, várias vezes se ouviu de ministros do "Centrão do STF" que o tribunal deveria seguir o mundo político e criar uma "modulação" com regras que dessem mais transparência às emendas, sem acabar com elas de uma vez.

Muita gente no Congresso interpretou esse tipo de mudança como uma adaptação do tribunal ao novo cenário político, e já contava com uma solução intermediária que não acabasse totalmente com o orçamento secreto.

A movimentação de Lula dá novo fôlego ao grupo que quer o fim dessas emendas, e que inclui a presidente do STF, Rosa Weber.

Foi ela que suspendeu, em dezembro de 2021, os pagamentos do orçamento secreto, considerando que a "distribuição dos recursos sem critérios técnicos e por interesses políticos "viola os princípios da publicidade e da impessoalidade dos atos da administração pública".

Depois disso, o Congresso aprovou uma resolução determinando que o Congresso divulgasse para onde foram enviados os recursos e quais parlamentares foram os responsáveis pelas emendas, o que levou Rosa Weber a suspender sua liminar para aguardar o julgamento do mérito da questão – ou seja, se as emendas são inconstitucionais e devem ser extintas ou não.

O acordo com o Supremo, porém, nunca foi completamente cumprido, e até hoje há fatias do orçamento secreto cujo destino e seus padrinhos são ignorados.

O julgamento que começa na próxima quarta-feira já ocorre em condições diferentes, com um novo presidente da República prestes a assumir e se movimentando fortemente nos bastidores contra o orçamento secreto. Difícil prever o desfecho, mas é certo que a balança começou a pender contra Lira e para o lado de Lula.

Atualização as 09h02: O texto foi modificado para incluir a informação de que Alexandre de Moraes nega ter se encontrado com Lula em São Paulo no final de semana.

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