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Política Eleições 2018

Jair Bolsonaro: por que o deputado antes folclórico agora cativa milhões

A decisão final só ocorre hoje, quando os brasileiros forem às urnas. Mas esta já é uma eleição histórica. Uma eleição surpreendente na qual todas as regras mudaram.
Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

RIO — Num curto período de sete minutos, a partir de 21h22m do dia 15 de setembro, em 2010, o vereador Carlos Bolsonaro publicou uma série de sete fotos no blog Família Bolsonaro. Luiz Inácio Lula da Silva ainda era presidente, gozava de imensa popularidade. Carlos não tinha como saber, mas aquele gesto — a publicação daquelas imagens dele e dos dois irmãos mais velhos ainda meninos, às vezes com o pai, às vezes sem, feita num site Blogspot genérico, o mais simples dos sistemas de blog — era o primeiro passo para levar sua família a passos do Palácio do Planalto . A decisão final só ocorre hoje, quando os brasileiros forem às urnas. Mas esta já é uma eleição histórica. Uma eleição surpreendente na qual todas as regras mudaram.

Não é, porém, só a intimidade com a internet que alavancou a candidatura do capitão reformado Jair Bolsonaro, transformando-o em favorito. Houve uma confluência de ondas, uma tempestade perfeita. Envolve a crise social e econômica nascida da transformação digital do mundo. Uma reação conservadora, igualmente mundial, aos avanços nos direitos liberais das últimas décadas. E há também cores brasileiras. A diminuição da desigualdade e simultânea popularização de smartphones. A crise do modelo de gestão política do Brasil, disparada pelas manifestações de 2013 e reforçada com a Lava-Jato.

— Pensamos no Bolsonaro como uma figura meio retrô, de valores antigos — comenta Marco Aurélio Ruediger, diretor do DAPP-FGV. — Mas ele é o cara que compreendeu e conseguiu operar de forma mais eficaz a tecnologia de ponta.

Para entender sua ascensão, portanto, é preciso começar pelas passeatas de 2013.

— Naquele período, Dilma não estava impopular — lembra Christian Lynch, cientista político do IESP-FGV. — Havia era esclerosamento do prestígio do Legislativo.

Na rua estavam tanto a direita quanto a esquerda.

—Ali entramos numa polarização mais afetiva do que ideológica — comenta o também cientista político Sérgio Abranches, que acrescenta. — Amo o meu lado e detesto o lado de lá.

A polarização baseada em emoções fortes se acirraria na eleição presidencial de 2014, que ocorreu enquanto nascia a Operação Lava-Jato. E rejeitada por metade dos eleitores, tendo de enfrentar uma crise econômica criada por suas políticas enquanto lidava com as denúncias de corrupção se aproximando do Planalto, a presidente reeleita Dilma Rousseff trouxe para a Presidência a crise de confiança que já pairava sobre o Congresso. A maré virou contra os políticos.

GERAÇÃO CONQUISTADA

Era o caldo de cultura ideal para um movimento que lentamente crescia na internet e do qual, sem que nenhum dos principais atores o percebesse, Jair Bolsonaro já participava.

— Vejo muitos brasileiros que dominam bem inglês no 4Chan — observa Yasodara Córdova, pesquisadora da Harvard Digital Kennedy School, que na rede é conhecida pelo apelido: Yaso.

O 4Chan é um fórum underground que reúne hackers e a alt-right, um misto de direita extrema e simultaneamente contracultural, nascida nos EUA.

—Quem é engajado pra burro, na direita, vai para redes sociais construídas para a direita, como o Gab — completa Ruediger.

Era também via internet que, desde o século passado, o professor Olavo de Carvalho conquistava para o conservadorismo uma nova geração.

— Durante 20 anos ele formou milhares de pessoas — lembra Christian Lynch.

Olavo, que mora nos EUA, tem uma característica comum à nova direita americana. Mistura raciocínios teóricos com uma série de palavrões emendados em sequência. Pode ser tão refinado quanto rude.

Deputado do baixo clero, Bolsonaro fazia parte deste mundo online da direita.

— Ele sempre esteve na internet — observa Yaso. — Tem uma história legítima de crescimento orgânico na rede. Desde cedo estava no Blogspot, no Flickr, no YouTube.

Antes mesmo de haver WhatsApp, o digital já era o meio pelo qual o deputado, que era folclórico na Câmara, se comunicava com seu pequeno nicho de eleitores. Era inevitável que seus caminhos, e o dos jovens conservadores que se reuniam online, se cruzassem em algum ponto. Pois ocorreu nas passeatas pelo impeachment.

Até então, a direita tinha tido dificuldades de se organizar num movimento social. O repúdio à ditadura foi de tal ordem, afirma Lynch, “que por 30 anos o conservadorismo foi deslegitimado.”

A internet teve papel fundamental em sua reorganização.

—Para o sujeito que não tem saco de participar de assembleia, de reunião, ele pode fazer microparticipações de tempo com o celular — observa Ruediger.

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— Multiplica isso por milhões e está criado impacto na esfera pública — completa o professor da FGV.

Durante as mobilizações do impeachment, a direita criou seu movimento social. Ainda precisava deixar a classe média e virar de massas. Aconteceu pelo WhatsApp.

— O que o WhatsApp fez foi trazer o povo para a internet — aponta Yaso.

O fenômeno surge de um acordo celebrado com as operadoras de celular, que permitiu a quem tivesse um smartphone, por mais simples que fosse, poder usar o app sem precisar consumir um pacote de dados.

— Agora estamos enxergando o que é o Brasil — ela diz. — A desigualdade mantinha essas pessoas alijadas do poder e das conversas. Elas chegaram. Agora a gente vai ter de aprender a lidar com democracia em escala.

— Bolsonaro é um candidato de emoções primárias — analisa Abranches. — Ele fala com um vocabulário limitado, suas mensagens são basiconas, como as do Trump.

De certa forma, é uma versão brasileira do que ocorre no mundo.

— Esse conservadorismo massificado é muito mais popular do que jamais existiu no Brasil — completa Lynch. — É um reflexo do conservadorismo popular americano, que desenvolve uma linguagem mais agressiva. Atrai um candidato meio tosco, mesmo.

E Abranches segue:

—Ele era o único com essas características, capaz de captar esses sentimentos básicos de forma básica. O ambiente não estava propício a um candidato racional.

DESORDEM E DISCURSO

O candidato que se encaixava no clima de polarização marcada pela emoção. E emoção de que quem lida com um mundo em transformação, na qual toda a classe média, da alta à classe C, encara a incerteza de um ambiente que desemprega, automatiza, corrói as proteções do Estado, produz medo.

— O brasileiro vê os imigrantes na Europa, vê o início da pressão dos venezuelanos, ele começa a ficar preocupado — completa Abranches.

— Este é um clássico da política — amarra Lynch. — Em momentos de desordem e insegurança, as pessoas querem a restauração da ordem. Cria a condição para um candidato de discurso autoritário.

Enquanto todos estavam atônitos, Bolsonaro sempre esteve na internet. Enquanto a esquerda se digladiava com o MDB e o centrão, o movimento conservador borbulhava. Enquanto tantos apostavam no controle das massas pelo Bolsa Família, o WhatsApp capturava sua imaginação. As ondas se encontram hoje para que descubramos onde vão dar.