quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Alinhamento aos EUA: o prêmio e o risco

Sempre é bom recordar que “os EUA
não têm amigos nem inimigos, têm interesses”


O futuro chanceler é alguém 100% alinhado politicamente com o presidente eleito, e não há surpresa nisso. É natural que o Itamaraty implemente uma política externa coerente com a linha geral de governo. E quem dá a linha é o chefe do governo. Ou sua coalizão, quando o primeiro precisa ceder poder para a segunda.

Um aspecto humorístico sobre a futura gestão são os seguidos e compungidos apelos agora para que se faça um estelionato eleitoral de proporções. Bolsonaro elegeu-se prometendo condução econômica ultraliberal, dureza contra o crime, guerra total contra a oposição e política externa pró-ocidental. E até agora não há novidades.

Aí vêm os “apelos à razão", na linha Perry White. Talvez por má-consciência. Pedem que Bolsonaro se desloque “ao centro". Talvez ele entenda esse conselho como vindo do “amigo da onça”, já que o centrismo foi varrido do mapa na eleição. Não. O foco do bolsonarismo nesta véspera de tomar formalmente o poder é “energizar a base".

E se seguir o exemplo de Donald Trump, a referência explícita do novo chanceler, Bolsonaro continuará fazendo isso depois de 1o. de janeiro. Manterá mobilizado e coeso o núcleo duro do seu eleitorado. O contrário do que fez Dilma Rousseff após a reeleição. Sabe-se como o governo Dilma terminou. Então talvez faça sentido.

Tudo é bonito nos dois meses entre a vitória eleitoral e a realidade árida de governo. Ainda mais se a sorte ajuda. No debate sobre a política externa, agora, ela está ajudando. Os “apelos à razão” do fantasmagórico centrismo apenas reforçam os argumentos da política exterior do novo regime saído da urna.

O ponto central dos que criticam o que chamam de voluntarismo da anunciada nova política externa é o Brasil não ter densidade comercial, diplomática ou militar para simplesmente fazer o que dá na telha. Um exemplo é o suposto risco de perda de mercados para nossos produtos agropecuários, em particular a carne.

Ora, se a premissa é verdadeira, se o Brasil sozinho não tem força para movimentar-se de acordo com os próprios desejos, então, vejam só, faz sentido alinhar-se a alguém com peso específico suficiente para, digamos, dar-nos proteção. E os Estados Unidos da América são o único player do hemisfério com essa mercadoria para entregar.

Uma alternativa, ainda que precária, seria apoiar-se nas instituições plurinacionais regionais. O problema: elas estão em frangalhos. Pode-se discutir por que se chegou a isso, mas os fatos são os fatos. A Unasul (União das Nações da América do Sul) e o CDS (Conselho de Defesa Sul-Americano), por exemplo, não contam mais.

Outra opção seria pedir que a influência russa e chinesa, parceiros de Brics, contrabalançasse a hegemonia norte-americana. Será? O Brasil não é prêmio tão apetitoso para os russos abrirem agora uma nova pendência com os EUA. E a projeção de poder chinesa por aqui é na base do “soft power” do dinheiro. Não pretendem entrar em dividida.

Engenharia de obra feita é fácil, mas talvez se o governo do PT tivesse seguido uma linha mais getulista (equilibrar-se no arame para atravessar o despenhadeiro), como faz por exemplo o governo de esquerda do Uruguai, talvez o desfecho tivesse sido outro. Nunca saberemos. E agora a melodia mudou. E muito.

O risco maior do alinhamento bolsonarista com Washington é o parceiro deixar de entregar a mercadoria, se convier. Leopoldo Galtieri aprendeu a lição nas Malvinas, e pagou um preço alto. Ao invadir as ilhas, ele provavelmente esquecera que os americanos “não têm amigos nem inimigos, têm interesses" (DULLES, John Foster).

#FicaaDica.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

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