Por Gabriela Sarmento e Rodrigo Ortega, g1


Rosalía apresentou a turnê 'Motomami' em São Paulo em 2022 — Foto: Gif Arte/g1 em foto de Fábio Tito/g1

Na turnê "Motomami", Rosalía entra com bailarinos em um palco vazio (veja no gif acima). A cantora espanhola não precisou de quase nada de cenário para fazer um dos shows mais impactantes e "compartilháveis" de 2022.

No palco, há apenas dois telões verticais e uma tela em branco usada para as projeções. Segundos após o começo do show, um cinegrafista entra em cena e acompanha a apresentação quase que do começo ao fim.

Ele interage com Rosalía, filma os bailarinos e tudo é transmitido nos telões, peças-chave dos shows. Há também câmeras colocadas em locais específicos como na ponta do piano em "Hentai" ou no chão para que os próprios bailarinos se filmem.

O show que é "simples", pensando em logística, rendeu momentos que viralizaram muito nas redes sociais, como a hora em que ela masca chiclete toda debochada, antes de começar a cantar "Bizcochito".

A estética perfeitamente "enquadrável" para as redes sociais, especialmente Tiktok e Instagram, é uma tendência? A resposta é sim, pelo menos, para artistas no exterior (Ouça acima o podcast g1 ouviu e entenda essa tendência).

Foi o que mostrou uma reportagem do jornal "The Guardian" com os shows de Lorde e Lady Gaga. Rosalía e a banda 1975, atrações do Lollapalooza 2023, também são citados.

A turma responsável por pensar o visual do show, o que significa diretores criativos, diretores de arte, cenógrafos e iluminadores, está levando em conta os vídeos e fotos dos fãs na hora de criar cenários.

Palco da turnê 'Chromatica Ball', de Lady Gaga, foi feito pensando nas redes sociais — Foto: Reprodução/Instagram/LeRoyBennett

O LeRoy Bennett, designer de iluminação e produção que trabalha com Lady Gaga, diz que a turnê Chromatica Ball foi "absolutamente" pensada para as redes sociais (veja o palco de Gaga no gif acima).

"Gosto muito dessa abordagem porque a rede social se tornou uma grande parte do mundo", explicou Bennett. Neste show, o palco da Gaga tem arquitetura brutalista. É bem "cru". Ela sobressai em inúmeros ângulos, com todas as performances e looks inusitados.

Banda inglesa The 1975 está em turnê com o show "At Their Very Best", com palco que imita uma casa — Foto: Reprodução/Instagram/The 1975

Outro show bem teatral é o da banda de indie inglesa The 1975. No show “At Their Very Best”, o cenário é como se fosse uma casa, ideia que remete os tempos de pandemia (veja o cenário do show do 1975 no gif acima).

Os momentos que viralizaram nas redes sociais são bem pautados na performance do vocalista Matty Healy. Ele beija fãs e até come carne crua no palco.

Tobias Rylander foi o responsável por projetar essa turnê e afirmou que sempre tentar chegar em um show que "seja bem lido nas redes sociais".

Na turnê 'Solar Power', o palco tem um grande círculo e uma escada de madeira, na qual Lorde e os músicos interagem — Foto: Reprodução/YouTube

O show mais recente de Lorde, da turnê do álbum "Solar Power", rende ótimos momentos nas redes sociais. Ela esteve no Brasil no final de 2022 no Rio e em SP, no Primavera Sound.

O cenário tem uma estrutura de madeira com um círculo e uma escada, na qual ela e a banda conseguem interagir, mas a Chiara Stephenson, responsável pela cenografia da turnê, diz que não faz as coisas pensando em ir bem nas redes sociais.

"O que Lorde está fazendo é tão enraizado e fundamentado na música que a lei era: o que está melhorando a música? O que é contar uma história?", afirmou Stephenson. Ela que também trabalha para Bjork, The XX e Florence and the machine.

Mas e no Brasil?

Marisa Monte na turnê 'Portas' criou uma 'caixa de imersão' no palco, com várias projeções ao longo do show — Foto: Divulgação/Leo Aversa; gif Arte/g1

Se fora do Brasil tem gente que fala abertamente sobre criar shows fáceis de serem registrados nas redes sociais, por aqui a realidade ainda é um pouco diferente por questões técnicas e até conceituais.

Batman Zavareze, artista visual e diretor de arte das últimas turnês de Marisa Monte e Tribalistas, viu os pedidos dos artistas mudarem ao longo dos anos.

Na turnê "Verdade, uma ilusão", de 2011, ele precisava fazer com que ninguém conseguisse fotografar bem a Marisa do palco. Era o pedido do primeiro trabalho com a cantora carioca, mas quando o Tribalistas voltou a se reunir em 2018, tudo mudou.

"Me foi pedido ali que todas as 350 mil pessoas que assistissem àqueles shows virassem fotógrafos. A ideia era que qualquer pessoa, de qualquer lugar, conseguisse uma bela imagem mesmo que ela não soubesse fotografar", afirma Zavareze ao g1.

Na turnê "Portas", trabalho em que assina como diretor de arte e diretor ao lado de Marisa e Cláudio Torres", a ideia era representar uma "caixa de imersão".

"É uma caixa onde você vai sendo levado para todos os devaneios, utopias, as vivências que a Marisa teve ao longo do processo desse disco. Depois, a gente foi entendendo como uma caixinha de papelão, uma caixinha que abre é o mundo dela da natureza".

Marisa Monte no show 'Portas' — Foto: Leo Aversa/Divulgação

Todos os elementos visuais se complementam com as músicas, os figurinos e as expressões de Marisa perfeitamente, o que também rende belas imagens da plateia.

"Quando você está numa experiência de um show ao vivo, me nego a não o chamar mais de uma experiência audiovisual. Não existe a menor possibilidade."

Dito isso, se determinado projeto tiver a possibilidade de telas mais verticais, pensando nas redes sociais, Zavareze não vê problema em investir, mas tem que ter propósito, tem que fazer sentido com a proposta do show.

"Prefiro lutar por personalidade, pela 'autoralidade' e quando justificar uma tela vertical a gente encara. Há artistas que não ficam bem de corpo inteiro, então não faz sentido. Lady Gaga fica linda com uma grande angular, com uma câmera baixa, porque todas as estranhezas delas são potencializadas".

"É uma tendência pontual, mas quando bem-feita, bem pensada, fica muito potente, porque como se fosse o celular que hoje está nos nossos bolsos em uma tela muito destacada, né?".

Sempre que trabalhou com a verticalidade, o diretor teve a percepção de pertencimento por ser uma extensão do celular, aparelho que nos acompanha todo tempo hoje em dia, mesmo em shows para milhares de pessoas.

"É uma tela muito íntima. Quando a vejo gigante na minha frente, sinto uma relação de pertencimento, parece que aquilo o meu bolso explodiu para essa tela cenográfica do show, daí ele vira meu."

Experiência ao vivo

Na turnê 'Pirata', Jão tinha um palco com um barco enorme de madeira — Foto: Divulgação/Breno Galtier

Vencedor da enquete de melhor show do Lolla 2022, Jão é conhecido por grandes performances ao vivo, o que ficou comprovado com a turnê "Pirata" nos últimos meses.

Um barco gigante de madeira era o cenário principal, criação da equipe liderada pelo diretor Pedro Tófani. Há outros momentos de destaque como na hora que literalmente chove no palco e os cenários apresentado em festivais como Lolla e Rock in Rio.

De maneira geral, o show de Jão é bem "instagrámavel", mas o diretor segue a linha da cenógrafa de Lorde: ele garante que prioriza a experiência de quem está presente no show.

Jão se apresenta no palco Onix no segundo dia do Lollapalooza 2022 — Foto: Fábio Tito/g1

"A gente sempre pensa em momentos marcantes, em formas de surpreender as pessoas. Naturalmente, são essas as partes mais filmadas, quando cai o pano e revela o barco no fundo com o João lá em cima do barco, por exemplo."

"Até acho que podem começar a buscar [momentos que vão bem nas redes sociais], mas tenho muito medo de começar a comprometer de alguma forma a experiência do ao vivo, porque é muito difícil as coisas funcionarem na gravação do celular", pondera Tófani.

Investimento x Retorno

Se tem um gênero que investe na captação de imagens ao vivo no Brasil é o sertanejo. As produções para os DVDs, termo em desuso hoje em dia, seguem a todo vapor.

Gravação do DVD de Henrique Juliano no estádio Mané Garrincha em Brasília — Foto: Reprodução/YouTube/Henrique e Juliano

Tudo porque a prioridade dos sertanejos é registrar os shows que vão rodar o país. Os materiais são todos colocados no YouTube, portanto, na horizontal.

Fernando Trevisan Catatau, diretor da Unic Filmes, domina essas gravações há mais de 10 anos e não vê a tendência de gravar shows pensando nas redes sociais chegar ao Brasil imediatamente.

No dia a dia, os pedidos de cortes verticais acontecem mais para peças de divulgação. Ele acha que pode virar uma tendência só se tiver um grande motivo, como um festival todo pensado para o TikTok ou Instagram, por exemplo.

"Tem que ter uma mobilização muito grande para valer a pena. Se houver receita para quem está gastando dinheiro com isso ou investindo nisso, acho que é tendência porque tem retorno, mas gastar R$ 2 milhões, por exemplo, a troco de que?", avalia Catatau.

Cenário do show do Dilsinho foi pensando para render cortes na vertical para redes sociais — Foto: Reprodução/YouTube

Ele diz que não vê o investimento por parte dos artistas se não tiver um retorno claro dentro do sertanejo com um exemplo hipotético:

"Fiz um evento na vertical, foi um sucesso, tive mais de dois milhões de replicação na minha rede social... Consegui mais 100 mil seguidores, mas não ganhei nada..."

Já em outros gêneros, como pop, funk e pagode, a mentalidade é diferente na visão de Catatau. No DVD de Dilsinho, ele fez um plano mais aberto, que permite cortes verticais do show do pagodeiro. "O Dilsinho tem essa interação maior com a rede social, então a gente teve essa troca de ideia na hora de fazer o cenário dele. A gravação foi pensada um pouco nessa situação sim."

Mas ele segue firme na ideia de que o mercado sertanejo é mais tradicional, o que acaba influenciando em criar grandes cenários, grandes produções, mas que não necessariamente são pensadas no digital. "O mercado sertanejo é um pouquinho mais tradicional. Se você pegar Anitta, Luisa Sonza, elas são mais focadas em rede social do que um Zé Neto e Cristiano."

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