Cultura

Morre aos 83 anos João Sattamini, colecionador que levou à construção do MAC, em Niterói

Economista deixa 1.250 obras dos grandes nomes da arte brasileira contemporânea
João Sattamini: acervo de 1250 obras de arte, depois de colecionar bolinhas de gude e gibis Foto: Ana Branco / Ana Branco
João Sattamini: acervo de 1250 obras de arte, depois de colecionar bolinhas de gude e gibis Foto: Ana Branco / Ana Branco

RIO — Morreu na manhã desta terça-feira, aos 83 anos, o colecionador João Sattamini. Ele estava internado havia dois meses e teve falência múltipla dos órgãos. Deixou a mulher, Elizângela, e os filhos Ana Paula, Vanessa, Valéria, Julia e Kayky. O velório será nesta quarta-feira, a partir do meio-dia, na capela 1 do Cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap. O enterro está previsto para as 14h.

Sattamini costumava dizer que montar uma coleção é como falar com as pessoas: "É uma questão de se dialogar com um monte de gente", contou certa vez em entrevista do GLOBO, em 2004.

O homem de hábitos simples e muito bom de conversa conservou um acervo de quase 1.250 obras de arte, avaliado em cerca de US$ 100 milhões. Depois de colecionar bolinhas de gude e revistas em quadrinhos de heróis, foi a partir dos anos 1950 que o  economista e ex-funcionário do extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC) ao longo de 30 anos (depois, construiu sua riqueza com a exportação do produto) começou a se dedicar ao mundo das artes.

"Faço uma aquisição porque gostei, não pela importância da peça ou por seu valor financeiro", disse ao GLOBO, também em 2004. E assim o dr. Sattamini, como era conhecido, montou uma das mais importantes coleções particulares de arte brasileira contemporânea (menor apenas que a de Gilberto Chateaubriand, no MAM). Só de Antônio Dias, morto em agosto deste ano, são 27 obras . Mas há outros conjuntos de nomes célebres: 22 peças de Lygia Clark, 22 de Ivan Serpa, 20 de Rubens Gerchman, 14 de Iberê Camargo e sete de Cildo Meireles, entre outros nomes que marcaram a história da arte no país.

Também fazem parte do acervo instalações de Helio Oiticica, obras de Maria Leontina da Costa, Milton Dacosta, Alfredo Volpi, Aluísio Carvão, Daniel Senise, Tomie Ohtake, Ana Bella Geiger, Leonilson, Djanira, Aluísio Carvão, Leda Catunda, Frans Krajcberg... Entre as raridades estão uma natureza-morta de Iberê Camargo, telas de Helio Oiticica da década de 50 e a pintura "Encontro", considerada referência do movimento concretista brasileiro.

Foi graças à busca por um lugar que pudesse abrigar sua coleção que foi construído o Museu de Arte Contemporânea (MAC), em Niterói. Ele procurou o então prefeito, Jorge Roberto da Silveira, amigo de infância de sua mulher, quando soube que havia prédios públicos na cidade que estavam desocupados e poderiam servir tanto como depósito quanto como local de exposição.

Mas Silveira propôs a construção de um novo prédio para esta finalidade. E, com a intermediação de Ana Maria Niemeyer, filha de Oscar Niemeyer, o arquiteto saiu por Niterói em busca de um terreno. E se apaixonou pela parte central do mirante da Boa Viagem, onde idealizou o projeto do museu, inaugurado em 1996.

- O Sattamini foi um colecionador especial focado em dois grandes grupos, Os concretos/ neoconcretos e a geração 80 - diz o curador Luiz Camilo Osorio. -  Tinha obras fundamentais da Lygia Clark e do Jorginho Guinle por exemplo. Inigualáveis. Sem contar o Antonio Dias, que foi seu grande estimulador no início da coleção.

A grande maioria das peças da coleção de Sattamini está cedida em comodato (empréstimo por contrato) ao MAC. Mas o colecionador mantinha algumas dezenas de importantes obras — como um Jorge Guinle, um grande Iberê Camargo e sete telas de Volpi, que têm preços estimados entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão, cada uma — em seu apartamento, no Jardim Botânico, "por segurança". "Aqui eu tenho cuidado, eu olho, tenho extintores de incêndio escondidos em vários locais da casa, e espero que nenhum outro apartamento pegue fogo", explicava.

Há alguns anos, já havia desistido do hobby de colecionar qualquer que fosse o item: "isso não é hobby, é defeito".