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Josias de Souza

À espera de novas condenações, Lula trava o PT

Josias de Souza

08/11/2018 04h21

Formou-se no PT um grupo que enxerga no resultado das urnas uma nova chance para aprender com os erros que fizeram do antipetismo a maior força política da temporada eleitoral de 2018. Esse núcleo defende a saída de Gleisi Hoffmann da presidência do partido e a desobstrução do debate sobre uma autocrítica genuína. Informado, Lula travou o movimento.

Preso em Curitiba desde 7 de abril, Lula executou três lances. Num, sinalizou que continua prestigiando Gleisi. Noutro, cortou as asas de Fernando Haddad, que alguns companheiros enxergavam como um líder emergente. Num terceiro lance, Lula empurrou para depois do Carnaval de 2019 qualquer debate sobre o futuro da legenda e o formato da oposição a ser feita ao governo de Jair Bolsonaro.

Com sua trava, Lula represou articulações que estavam em estágio embrionário. Mas o nível da inquietação interna no PT continua subindo. Sobe num ritmo calculado —nem tão rápido que parece contestação à liderança de Lula nem tão devagar que ignore as evidências de que o grande líder está fadado a amargar pelo menos mais duas novas condenações na Lava Jato, dessa vez sem Sergio Moro, o "demônio" para o qual Lula tentava transferir suas culpas.

O pedaço inquieto do petismo projetava a costura de alianças políticas em novas bases, agora sem a pretensão de que o PT voltasse a impor aos parceiros sua liderança hegemônica. O grupo passou a recear que, ao trancar o debate, Lula condene o PT ao isolamento. Na semana passada três aliados —PCdoB, PSB e PDT— começaram a colocar em pé um bloco de oposição na Câmara. Sem o PT.

Nesta quarta-feira, enquanto Haddad visitava Lula na cadeia de Curitiba, Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) discutiam em Brasília a formação de uma frente de centro-esquerda para fazer oposição ao governo de Jair Bolsonaro. De novo, sem o PT.

Na 13ª Vara Federal de Curitiba, a juíza substituta de Sergio Moro, Gabriela Hardt, interrogou, também nesta quarta-feira, três delatores da Odebrecht na ação sobre o sítio utilizado pela família Lula da Silva em Atibaia. Marcelo Odebrecht e seu pai, Emílio, reafirmaram que a obra de reforma da propriedade foi feita como retribuição por favores prestados ao Grupo Odebrecht durante os governos de Lula.

Ex-diretor da Odebrecht, Alexandrino Alencar também repetiu o que dissera em sua delação. Segundo ele, as obras no sítio foram bancadas pela empreiteira a pedido da então primeira-dama Marisa Letícia. Alega-se que ela queria presentear o marido quando ele deixasse a Presidência. Alexandrino contou ter levado o pedido de Marisa a Emílio Odebrecht, que ordenou a execução das obras.

É contra esse pano de fundo que Lula leva o pé à porta para bloquear a movimentação do grupo que defende um debate franco sobre as perversões cometidas pelo PT. Pela enésima vez, o petismo se dá conta de que Lula pensa primeiro nele, não no partido que fundou.

– Atualização feita às 21h23 desta sexta-feira (9): A propósito do texto veiculado acima, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, divulgou uma resposta nas redes sociais. Vai a abaixo a íntegra:

Sr. Josias,

Perverso é o raciocínio por trás de seu artigo. Podem tentar da forma que quiserem, mas o PT não abandonará Lula. Temos história, não somos ingratos e sempre estivemos e estaremos ao lado do povo. Lula representa tudo isso. Está preso injustamente, julgado por um juiz parcial, com pretensões políticas, que prendeu Lula pra ajudar seus adversários e agora governará com eles. Desconheço qualquer grupo no PT que queria abandonar Lula. Se alguém lhe transmitiu essa ideia, foi essa pessoa que já abandonou Lula e o PT."

Gleisi Hoffmann
Presidenta do PT

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.