Nomeado interventor da segurança pública do Distrito Federal após os atos terroristas contra as sedes dos três Poderes em Brasília, Ricardo Cappelli afirma que, até o último domingo, o governo federal não tinha motivo para desconfiar que o governo do DF não conteria os manifestantes radicais. Em entrevista ao GLOBO, Cappelli, que era secretário-executivo do Ministério da Justiça, afirma que o governo federal acreditou nas informações repassadas pelo governo do Distrito Federal (GDF). "Numa relação interfederativa você acredita na informação que lhe é passada pelo ente federado. Vamos ter que apurar porque isso chegou errado", disse.
Dois dias após assumir o comando da segurança pública do DF, Cappelli acusa Anderson Torres, ex-ministro de Jair Bolsonaro e que era responsável pela área, de sabotagem. Ele afirma que assumiu uma secretaria acéfala e que irá buscar os profissionais que trabalhavam na pasta até o dia 1º de janeiro, mas que foram exonerados por Torres. Cappelli ainda afirma que não vê como "coincidência" a viagem de Torres aos EUA antes das manifestações do fim de semana e que as férias do ex-secretário, que teve sua prisão decretada, só começaria oficialmente no dia 9.
Quais foram as falhas de segurança que levaram aos atos terroristas de domingo?
Quem garante segurança no Distrito Federal é a Secretaria de Segurança Pública (SSP) do DF. Todas as informações que o Ministério da Justiça recebia e cobrava indicavam que iria se repetir no dia 8 o sucesso que aconteceu no dia 1º, quando ocorreu uma operação de segurança exemplar na posse do presidente Lula. Não houve qualquer incidente, milhares de pessoas aqui, com shows que vararam a madrugada. Por que em tão pouco tempo fomos de uma operação exemplar para uma operação desastrosa?
O que aconteceu?
Quem assumiu a secretaria foi Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Ele exonerou uma série de pessoas na secretaria e viajou. Recebi a informação que nem poderia ter viajado porque as férias dele seriam a partir do dia 9 de janeiro. Ele estava fora. Exonera o comando e viaja. Claro que a Justiça vai apurar, mas na minha opinião há fortes indícios de sabotagem de Anderson Torres como um dos principais responsáveis pelo que aconteceu domingo.
A secretaria de segurança do DF estava acéfala?
A secretaria estava acéfala no dia 8. Conversei com o chefe de gabinete do secretário anterior e ele me disse que, para a operação do dia 1º, eles viraram noites e noites dentro dessa sala fazendo planos, checando, indo, voltando. Qual foi o planejamento pro dia 8? O secretário sequer estava aqui e exonerou o comando da secretaria. Houve desmonte do comando da secretaria. O secretário viajou por acaso? Essas ações são coincidência? Não me parece.
O ministro fala que houve mudança de estratégia nas últimas horas antes das manifestações golpistas. Qual foi essa mudança?
Não tenho essa informação pra dar. O ministro tratava diretamente com o governador. Todas as informações que a gente recebeu era que iria se repetir o sucesso do dia 1º. Quem faz operação na ponta é o governo do DF. Já vi manifestação de 50 mil pessoas que sequer conseguiram se aproximar do Congresso Nacional. Então cinco mil pessoas fizeram aquilo tudo? É algo que não é sequer razoável. Não aconteceria sem a conivência sem a conivência do secretário. Se houvesse comando firme, isso não aconteceria.
O senhor acredita que o comando da PM do DF para a tropa foi de que houvesse conivência para os manifestantes golpistas?
A polícia militar tem como referência a liderança, o comando. A tropa segue o comando, com hierarquia e disciplina. Houve comando efetivo e planejamento? Desde domingo, assim que a intervenção foi decretada, fiz reunião com comando e fui pessoalmente à Esplanada comandar a tropa. No momento que assumi dei voz de comando aos comandantes e o comando foi seguido. Ontem fizemos operação o dia inteiro, tanto para desmontar acampamento como para levar essas pessoas para a Academia Nacional de Polícia, para fazer o auto de flagrante. E em todos os momentos, comigo no comando, os oficiais seguiram esse comando. O problema maior foi a ausência de comando. Tinha um vácuo e isso é grave.
O governo federal poderia ter agido diferente no domingo?
A gente recebeu as informações que uma operação similar ao do dia 1º, e que seria um sucesso. Numa relação interfederativa você acredita na informação que te é passada pelo ente federado. Vamos ter que apurar.
O governo federal não confiou demais nas informações do governo do DF?
Veja bem, a gente tinha confiado uma semana atrás e tinha dado certo. Você desconfia quando te dão motivos para desconfiar. Até então, não existiria motivo. A operação do dia 1º foi um enorme sucesso, comandada pelo governo do DF em parceria com o governo federal. A gente jamais imaginou que haveria uma operação desmonte da Secretaria de Segurança Pública. O que nos chegava eram informações dizendo que estava tudo bem, tudo certo, que a manifestação seria tranquila, que as tropas iriam garantir. Falar depois do acontecido, é fácil, mas as relações interfederativas se pautam pela confiança.
O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) fazia a segurança no Palácio do Planalto no momento da invasão. O efetivo do GSI foi insuficiente?
A gente confiava plenamente no suporte da força ostensiva do DF. É tão grave o que aconteceu. Houve claramente uma quebra de confiança e, por isso, aconteceu a intervenção. São imagens bizarras e inaceitáveis, ninguém nunca imaginou que aquelas pessoas criminosas seriam capazes de tanto.
Como vai funcionar a intervenção na segurança pública do DF sob seu comando? Quais suas prioridades?
A principal prioridade é retomar o comando sobre as forças de segurança do DF, para que essas forças possam auxiliar na retomada da normalidade na capital do país. No domingo existia um ponto crítico. Ontem desmontamos o acampamento (bolsonarista diante do Exército), tirando o que se transformou numa incubadora de planos contra o Estado Democrático de Direito e isso era um ponto central. Agora tem duas fases: apurar as responsabilidades todas, pois ninguém pode ficar impune e já estamos fazendo isso, e, ao mesmo tempo, restaurar o clima de normalidade no DF, a partir da afirmação do comando das forças de segurança.
Quais cargos da secretaria de segurança do DF o senhor já trocou?
Já troquei comandante da Polícia Militar ontem. E vou continuar fazendo ajustes. Vou exonerar os principais nomes indicados por Anderson Torres na secretaria. Esses não vão permanecer.
O senhor suspeita de uma sabotagem que tenha partido da secretaria de segurança. Como senhor vai trabalhar com clima de desconfiança?
Retomando a confiança. A SSP funcionou plenamente com eficiência no dia 1º. Nós vamos retomar o marco do dia 1º. Estou conversando com profissionais que estavam na secretaria. Meu critério será a eficiência. Estou assumindo uma missão temporária, preciso ter referência e a minha é a organização do dia 1º que foi um sucesso. E boa parte dos profissionais que trabalharam nessa organização foram exonerados a partir do dia 2, estou procurando esses profissionais para trazê-los de volta. Nós vamos tirar todos que vieram com Anderson Torres.
Dentro desse desafio que retomar a normalidade, a relação com a Polícia Militar é a mais sensível?
É uma relação sensível, mas quero ressaltar a postura exemplar do coronel Klepter Rosa (novo comandante-geral da PM do DF), que me deu total e irrestrito apoio e colaboração. Isso é fundamental para homens de Estado. A Polícia Militar tem que servir ao Estado e à Constituição. Coronel Klepter tem 29 anos de serviços prestados, tem postura exemplar assim como vários oficiais que nos apoiaram tanto domingo quanto ontem.
O comando da Polícia Civil será trocado?
Não há nenhuma indicação até o momento. A Polícia Civil tem tido uma postura muito colaborativa.
Golpistas ameaçam novos ataques na Esplanada. Haverá segurança extra?
Um dos objetivos de grupos criminosos e terroristas é impor a pauta do medo. Eles querem deixar a sociedade em estado de atenção permanente para que pautem a agenda da sociedade. Não vamos permitir isso. Vamos apurar até às últimas consequências: identificar e prender todos os criminosos e, em paralelo, retomar a normalidade. Não podemos assumir a pauta deles, que é a pauta do medo e do ódio.
Se novas manifestações de bolsonaristas forem marcadas na Esplanada, como senhor vai agir?
Garanto à população do DF que em hipótese alguma se repetirá aquilo que aconteceu no dia 8.
O senhor vai pedir apoio de polícias de outros estados?
Já foi solicitado, principalmente através da Força Nacional, e vários estados estão enviando homens. Tem homens de alguns estados vindo, estamos fechando esse balanço.