CVM cria força-tarefa e tem apoio da PF para investigar Americanas

Autarquia foi questionada sobre possível omissão no caso da empresa, que divulgou ter dívidas de R$ 40 bilhões

CVM
O colegiado da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) deve ficar completo a partir de 2024
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A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) respondeu nesta 3ª feira (17.jan.2023) o pedido de fiscalização do subprocurador-geral do MPTCU (Ministério Público junto ao TCU), Lucas Rocha Furtado, no caso da Americanas. Disse que criou uma força-tarefa e tem o apoio da PF (Polícia Federal) e do MPF (Ministério Público Federal) para investigar a empresa.

Mais cedo nesta 3ª feira, Furtado pediu uma fiscalização da Corte para investigar se houve omissão na fiscalização da CVM sobre as inconsistências contábeis da Americanas. Eis a íntegra do documento (182 KB).

Ele disse que houve um possível esquema de fraude na empresa e que a comissão tem como princípio básico defender os interesses do investidor, especialmente o acionista minoritário. O valor de mercado da Americanas caiu para R$ 1,75 bilhão na 2ª feira (16.jan.2023), depois de 3 dias de pregão. Era avaliada em R$ 10,83 bilhões antes do anúncio de inconsistências fiscais de R$ 20 bilhões.

Questionada, a CVM disse que constituiu uma força-tarefa para instaurar procedimentos administrativos de análise, apuração e investigação. Também afirmou que está fazendo uso dos convênios e da cooperação que tem junto à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, além de constante diálogo com a AGU (Advocacia-Geral da União) para coordenar atuação conjunta em juízo.

Cabe aqui ressaltar que a CVM e o TCU mantêm amplo e adequado relacionamento institucional, que abrange um acordo de cooperação para intercâmbio de informações, conhecimentos e bases de dados de interesse comum. Neste contexto, a CVM também interage com o TCU em relação a tudo o que, no âmbito da sua atuação como instituição de controle, se mostra necessário ou útil, o que se aplica, inclusive, ao objeto da sua demanda”, disse.

Na 5ª feira (12.jan.2023), a comissão anunciou que abriu 3 procedimentos administrativos para investigar a Americanas. Eis a íntegra do comunicado (114 KB). Disse que tomará as providências cabíveis para o “adequado e cuidadoso esclarecimento de todos os atos, fatos e eventos com relação ao caso”.

Os processos tratam tanto sobre a situação financeira da empresa, quanto às circunstâncias do anúncio do rombo de R$ 20 bilhões. Eis os processos:

  • Processo Administrativo CVM nº 19957.000413/2023-18;
  • Processo Administrativo CVM nº 19957.000415/2023-15;
  • Processo Administrativo CVM nº 19957.000425/2023-42.

Segundo a comissão, caso haja ilicitude ou infrações, cada um dos envolvidos poderá ser devidamente responsabilizado com o “rigor da lei e na extensão que lhe for aplicável”. A CVM poderá também acionar a Polícia Federal e o Ministério Público Federal.

O objetivo da CVM é assegurar o funcionamento eficiente do mercado de capitais e preservação de um ambiente propício, seguro e aderente aos princípios constitucionais para todos os agentes de mercado, zelando pela proteção dos investidores.

ENTENDA O CASO

A Americanas divulgou um comunicado ao mercado na 4ª feira (11.jan) informando inconsistências em lançamentos contábeis de cerca de R$ 20 bilhões. O executivo Sergio Rial pediu demissão do cargo de CEO da companhia, assim como André Covre, diretor de Relações com Investidores. Eis a íntegra do documento (409 KB).

O TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) concedeu à Americanas na 6ª feira (13.jan) uma medida de tutela cautelar, a pedido da empresa, depois de a companhia declarar o montante de R$ 40 bilhões em dívidas. A decisão estabelece um prazo de 30 dias para que seja apresentado um pedido de recuperação judicial. Também suspendeu as obrigações financeiras e pagamentos de dívidas pelo mesmo prazo. Eis a íntegra do documento (51 KB).

Segundo o balanço financeiro mais recente da Americanas, do 3º trimestre de 2022, a empresa tinha 3.601 lojas em mais de 900 cidades. Eram 40.000 funcionários e 53 milhões de clientes ativos. A decisão da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro disse que a companhia é responsável pela criação de 100 mil empregos diretos e indiretos e recolhimento anual de R$ 2 bilhões em tributos. Eis a íntegra (50 KB).

Entre as determinações listadas na decisão do juiz Paulo Assed, da 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital, há também:

  • A suspensão da exigibilidade de todas as obrigações relativas aos instrumentos financeiros” da empresa firmadas com instituições previamente listadas pela Americanas;
  • A suspensão de qualquer arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição sobre os bens”, e de efeitos de inadimplência;
  • o sobrestamento de cláusulas que imponham vencimento antecipado das dívidas da loja; e
  • a preservação de contratos da loja, inclusive de crédito.

A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) determina que haja um auditor independente para os balanços. Desde outubro de 2019, a PwC Brasil passou a ter essa função, em substituição à KPMG. A empresa aprovou os balanços da Americanas sem ressalvas em 2021. O Poder360 entrou em contato com a PwC, que disse não falar sobre casos de clientes. O espaço segue aberto.

BTG TENTA REVERTER

O TJ-RJ negou o pedido de urgência do BTG Pactual para derrubar o bloqueio por 30 dias das execuções financeiras da Americanas. Na prática, o caso será analisado em rito normal pelo tribunal. Eis a íntegra da decisão (176 KB).

O caso está sendo discutido na 4ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro. O BTG bloqueou em R$ 1,2 bilhão as aplicações da varejista no banco, como forma de assegurar o pagamento de dívidas.

Segundo o banco, a crise financeira da companhia foi causada por uma “fraude confessada” pelo antigo CEO da empresa Sergio Rial. Ele saiu da empresa depois de 9 dias no cargo por ter encontrado inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões.

Depois da decisão do juiz em adiar o pagamento de dívidas em 30 dias, o BTG recorreu da decisão da Americanas no fim de semana. O juiz de plantão Luiz Roldão estabeleceu que o caso será apreciado em rito normal, sem urgência.

A defesa do BTG disse que a crise financeira da companhia foi causada por uma “fraude confessa” anunciada por Sergio Rial. Contestou o pedido de plano de recuperação judicial, que teria que ser apresentado em 30 dias: “Fraude contábil não é função social legítima, merecedora da proteção da lei, mas sim um ato que deve ser punido severamente, com suas potenciais consequências criminais”, disse o BTG.

INVESTIGAÇÃO

O MPF-SP (Ministério Público Federal em São Paulo) abriu na 6ª feira (13.jan) um procedimento para apurar indícios de “insider trading”, que é o uso de informações privilegiadas para obter lucros e vantagens no mercado financeiro.

As informações da abertura de investigação foram publicadas inicialmente no jornal Valor Econômico e confirmadas pelo Poder360. A procuradoria do Estado vai apurar sobre os eventos e, em caso de indícios de irregularidades, abrirá inquérito policial.

Agora um(a) procurador(a) de São Paulo fará a análise preliminar das informações relatadas e definirá os próximos passos, o que pode significar a instauração de um inquérito, o arquivamento do caso ou outras medidas cabíveis. Não há prazo para essa análise”, disse o MPF-SP.

Diretores da Americanas teriam vendido mais de R$ 210 milhões em ações da empresa no 2º semestre de 2022, logo depois do anúncio de que Sergio Rial comandaria a empresa em janeiro de 2023.

O MPF-SP quer saber se os sócios majoritários da Americanas tinham algum conhecimento sobre a situação financeira da empresa no momento da venda.

INCONSISTÊNCIAS CONTÁBEIS

Em vídeo, Sergio Rial disse que tomou posse em 2 de janeiro e declarou não conseguir responder a todos os questionamentos sobre as inconsistências. No entanto, afirmou que ajudará a empresa, mesmo estando fora. Também declarou que não é um tema só de 2022, mas de “vários anos” passados.

Não sou capaz neste momento de poder dizer a você quando começou [essas inconsistências]”, disse.

O ex-presidente da Americanas afirmou que há problemáticas no risco-sacado, também conhecido por adiantamento aos fornecedores ou confirme. “Nada mais é que a presença do banco na estrutura de financiamento na conta fornecedor da empresa. […] Eu percebo que boa parte dessa conta-fornecedor das Americanas era, essencialmente, dívida bancária, que, portanto, terá que ser recatalogada como tal. Obviamente, a ser chancelada pela auditoria externa”, declarou.

Copyright Reprodução/YouTube – 12.jan.2023
Sergio Rial pediu demissão da presidência da Americanas depois de detectar inconsistências contábeis no balanço financeiro

Ele afirmou que os R$ 20 bilhões são diversas estimativas contábeis dos últimos anos que estão no balanço.

Nós não estamos falando de um número que está fora do balanço. […] Só que não está registrado, apropriado ao longo dos últimos anos”, declarou.

Rial disse que a empresa tem dívida bruta de R$ 30 bilhões a R$ 35 bilhões, caixa de R$ 8 bilhões a R$ 9 bilhões e patrimônio líquido em torno de R$ 16 bilhões. “A empresa segue vendendo, e é absolutamente viável. Tem um nível de dívida incompatível para que possa prosseguir. A conversa da capitalização terá que ocorrer […] O tamanho do que tem que ser feito não é necessariamente daquilo que eu queria num 1º momento”, disse, sobre o pedido de demissão.

O executivo declarou que um grande risco é a interrupção da linha de financiamento aos fornecedores realizada pelos bancos.

COMITÊ INDEPENDENTE

A Americanas anunciou na 5ª feira (12.jan) a criação de comitê independente para apurar os motivos para o rombo de R$ 20 bilhões no balanço financeiro da companhia. O grupo será comandado pelo advogado Otávio Yazbek. Também integrarão Vanessa Claro Lopes e Pedro Melo.

A Amec (Associação de Investidores no Mercado de Capitais) disse que acompanha com preocupação o conteúdo e os desdobramentos das inconsistências contábeis detectadas. Declarou que, segundo o fato relevante da Americanas, não é possível determinar todos os impactos na demonstração financeira e no balanço patrimonial da companhia.

A Amec externaliza sua perplexidade quanto à atuação das instâncias de governança da companhia e dos seus respectivos gatekeepers, principalmente auditorias, à luz da magnitude estimada da inconsistência contábil”, disse.

A associação criticou ainda as explicações de Sergio Rial em teleconferência privada, com limite de acesso.

Em prol da devida transparência, a Amec entende que há necessidade de manifestação tempestivas e mais objetivas dos órgãos de governança da companhia, em especial, de seu Conselho de Administração”, disse. A nota é assinada por Fábio Coelho, presidente-executivo da associação.

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