O ex-chanceler Carlos França confirmou, em depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que a reunião com embaixadores que pode tornar Jair Bolsonaro inelegível foi realizada a pedido da Presidência da República, à época ocupada pelo próprio Bolsonaro. O encontro ocorreu no Palácio do Alvorada em 18 de julho de 2022 e foi usado pelo então mandatário para desferir acusações sem provas ao sistema eleitoral, além de ataques a ministros da Corte e do Supremo Tribunal Federal (STF). França estava à frente do Ministério das Relações Exteriores na ocasião. A oitiva, que ocorreu em caráter sigiloso, foi obtida pelo GLOBO.
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O depoimento do ex-ministro foi prestado ao TSE em 19 de dezembro de 2022, quando Bolsonaro já havia sido derrotado na eleição, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já estava diplomado.
Em diversos momentos da oitiva, França afirma que a reunião com os representantes estrangeiros foi feita "por iniciativa" da Presidência e que ocorreu porque "julgou-se que era papel da Presidência da República se manifestar diretamente aos chefes de missão" de outros países no Brasil.
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Perguntado pelo então juiz auxiliar da presidência do TSE, Marco Antônio Martim Vargas, sobre quem decidiu organizar a reunião com os embaixadores, o ex-ministro de Bolsonaro negou que a ideia tenha partido do Itamaraty.
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— Essa decisão partiu diretamente da Presidência da República? — perguntou o juiz do TSE.
— Foi uma decisão da Presidência da República — respondeu França.
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Ao tratar dos questionamentos feitos pela defesa de Bolsonaro, o ex-ministro reconheceu que a opção pelo Palácio da Alvorada — residência oficial da Presidência da República — "despertou preocupação" para "evitar um caráter oficial ou de promoção do presidente que também era candidato".
A jurisprudência do TSE afirma, a partir de diversos precedentes, que "a caracterização do abuso de autoridade (...) exige que haja ruptura do princípio da impessoalidade com a menção na publicidade institucional a nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal ou de servidores públicos". A transmissão ao vivo do encontro pela TV Brasil e plataformas oficiais do governo nas redes sociais também foi citada pelo Ministério Público Eleitoral, ao defender a condenação, como uma prova de que houve abuso de poder político.
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Em outro trecho do depoimento, França argumentou que a intenção de Bolsonaro com a reunião era “manifestar a posição do Executivo em relação à busca de critérios de transparência”.
Na ação que está sendo analisada pelo TSE, o PDT pede que o Tribunal declare inelegíveis Bolsonaro e o então candidato a vice, Walter Braga Netto. O partido ressalta que, durante a reunião, o ex-presidente alegou, sem apresentar qualquer prova e se valendo de argumentos falsos, distorcidos e já rechaçados pelo TSE, que o sistema eletrônico de votação, utilizado com sucesso no Brasil desde 1996, poderia ser fraudado e não seria auditável.
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— A prova produzida aponta para a conclusão de que o primeiro investigado foi integral e pessoalmente responsável pela concepção intelectual do evento objeto desta ação. Isso abrange desde a ideia de que a temática se inseria na competência da Presidência da República para conduzir relações exteriores, percepção distinta que externou o ex-chanceler ao conceituar a matéria como um tema interno, até a definição do conteúdo dos slides e a tônica da exposição, que parece ter sido lamentada pelo ex-chefe da Casa Civil — afirmou, fazendo referência aos depoimentos de França e de Ciro Nogueira, à época chefe da Casa Civil.
Na primeira sessão de julgamento, na quinta-feira da semana passada, o advogado de Bolsonaro, Tarcisio Vieira, sustentou que a reunião com os embaixadores foi um ato de governo. Além disso, disse que o caso deveria resultar apenas em multa ao ex-presidente.
— O presidente, sim, talvez, em um tom inadequado, ácido, excessivamente contundente, fez colocações sobre o sistema eleitoral brasileiro, sobre aprimoramentos necessários sobre o sistema de colheita de votos — disse o advogado, que avalia entrar com recursos no TSE e no STF em caso de condenação.