Vera Magalhães
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Vera Magalhães

Os principais fatos da política, do Judiciário e da economia.

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Por Vera Magalhães

A aparentemente imutável decisão de Lula de designar o economista Márcio Pochmann para a presidência do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) reforça a tendência do presidente de contemplar com espaços no governo os aliados que estiveram com ele na "travessia do deserto", mas, para além disso, demonstra que a disputa do PT por ter mais voz nas decisões de política econômica não cessou, apenas ficou estrategicamente recolhida nos meses de votação do arcabouço fiscal no Congresso.

A escolha de Pochmann coloca diante de Simone Tebet uma nova escolha depois de muitas nada triviais que ela teve de fazer desde que ficou com o terceiro lugar na disputa pela Presidência da República, no ano passado. A primeira foi apoiar ou não Lula. Ela o fez, de forma decidida e, segundo muitas análises, decisiva para que se firmasse o conceito de "frente ampla" do segundo turno.

A segunda decisão foi a de ir ou não para um governo do PT, dada sua origem política: o ruralista e, mais recentemente, bolsonarista estado de Mato Grosso do Sul. Sem mandato, ela fez o cálculo de tentar um novo caminho político, decisão semelhante à do vice Geraldo Alckmin, com a mesma dose de incerteza colocada. E ainda outra decisão difícil lhe foi pedida: aceitar o Planejamento, que não foi nem a sua primeira nem a segunda escolhas.

A insistência em nomear Pochmann, que pensa em tudo de forma diferente de Tebet em formulação econômica, é mais uma dessas provações do tipo "pegar ou largar" com que Lula parece ter decidido premiar o apoio da emedebista. E não só o apoio: mesmo tendo matriz de pensamento diversa da de Fernando Haddad, Tebet tem sido "parceira" e "corajosa", na designação de aliados do ministro, na defesa do projeto desenvolvido pela Fazenda.

Nesse caso, hoje é possível dizer que Haddad e Tebet estão mais em consonância que ele e o seu partido em termos do caminho a seguir para o crescimento robusto da economia, o controle da inflação e a tão sonhada queda dos juros. Ela, aliás, virou uma voz vigorosa na defesa de que o Banco Central deve iniciar já a queda da Selic.

Ainda assim, a ministra do Planejamento parece não ser vista como alguém 100% do time pelo PT. Da parte de Lula, parece se tratar mais de uma dívida pessoal com Pochmann, que comandou a Fundação Perseu Abramo e o Instituto Lula, que uma desconfiança ou desprestígio em relação a Tebet.

Mas o PT enxergou na controvérsia uma chance de ouro de fincar uma bandeira num importante órgão na formulação de políticas públicas, e encampou a nomeação de Tebet como questão de honra para o partido. A deputada Gleisi Hoffmann, presidente da sigla, fez a defesa aberta da escolha nas redes sociais, e os influenciadores e analistas progressistas também passaram a defendê-lo.

O que assusta Tebet e aliados é o retrospecto da passagem de Pochmann pelo Ipea, um órgão bem menor e menos central que o IBGE. Quando presidiu o instituto de pesquisa econômica, entre 2007 e 2012, Pochmann foi uma voz atuante na defesa da visão desenvolvimentista da economia, em linha com a turma que ganhou protagonismo no governo Lula 2, depois de Palocci cair em desgraça, e continuou dando as cartas sob Dilma 1.

Internamente no Ipea, a gestão de Pochmann foi apontada como intervencionista e pautada por um viés ideológico, que cobrava alinhamento, inclusive, dos pesquisadores associados. Ficou famoso o episódio de desligamento de alguns economistas que estavam cedidos para o órgão, como Fábio Giambiagi e Otávio Tourinho, ambos do IBGE e vistos pelos economistas petistas como excessivamente "neoliberais".

O risco apontado pela turma mais liberal da economia, à qual Tebet é mais ligada, é que Pochmann tente promover no IBGE algum tipo de redirecionamento de estatísticas de preços e pobreza. O exemplo citado é o que aconteceu no INDEC, o similar argentino do órgão, nos anos Cristina Kirchner.

Economistas petistas consideram esse debate uma bobagem. Dizem que o IBGE não tem peso na discussão da linha de política macroeconômica e que a chance de Pochmann ou qualquer gestou alterar séries históricas de índices é "zero", uma vez que o Brasil seria um país de institucionalidade mais consolidada que a Argentina.

Tebet tem procurado ganhar tempo para se posicionar diante do que alguns veem como uma imposição de Lula. A iminência da divulgação de dois recortes do Censo (o Quilombola e o Indígena) e da revisão técnica do Censo nos próximos dias deve postergar as definições, pois não faria sentido Pochmann chegar e anunciar estudos dos quais não participou.

Diante da resistência por parte da ministra e de sua equipe, expoentes petistas argumentam que ela teve sete meses para nomear para a presidência do IBGE alguém do seu time e, se não o fez, isso mostra que talvez não tivesse nomes ou não desse importância ao posto. Argumentam, com razão, que não existe posto vago em política.

Mas, de toda forma, para a ministra parece estar colocada uma nova decisão capital: vale a pena continuar cerrando fileiras num governo que não parece vê-la como uma aliada com plenos poderes, inclusive para nomear a equipe? O PT demonstra enxergar Tebet com desconfiança, pelo fato de ela ter seus próprios projetos políticos, que não necessariamente serão coincidentes com os do partido e de Lula a partir de 2026. Isso é absolutamente normal no conceito de frente ampla, mas indica uma dificuldade histórica do PT: a de contemplar a alternância da hegemonia nas disputas eleitorais.

Essas questões subjacentes ao debate sobre a ida ou não de Pochmann para o IBGE foi o tema do meu comentário na primeira edição de hoje do Viva Voz, o quadro diário que comando na CBN. Você pode ouvi-lo abaixo:

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