Guga Chacra
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Guga Chacra

Colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Informações da coluna

Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York. É colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Por — Nova York

Crimes de guerra claramente têm sido cometidos pelas forças israelenses na Faixa de Gaza na resposta ao atentado terrorista do Hamas. São quase 30 mil mortos, sendo a maioria composta por mulheres e crianças palestinas. A cidade de Gaza, a maior do território, foi completamente destruída nos bombardeios. Mais de 1 milhão de palestinos foram forçados a deixar suas casas. O presidente Lula, portanto, não estaria errado se questionasse e criticasse Israel por essas ações militares. Mas erra de maneira gravíssima ao comparar ao Holocausto, quando 6 milhões de judeus foram mortos em escala industrial pelo regime nazista. Nenhum líder do mundo árabe fez comparação similar até este momento para dar uma dimensão da gravidade. Essa declaração do governante brasileiro pode sim ser vista como antissemita, na visão da CONIB, principal entidade judaica do Brasil. Concordo e vou explicar os motivos.

Primeiro, Lula aparenta ver uma excepcionalidade nas ações de Israel, como se nada similar tivesse ocorrido nas últimas décadas. Mas posso citar uma série de conflitos que são sim comparáveis. Os EUA, que jamais foram atacados pelo Iraque, destruíram o país em uma guerra na qual morreram centenas de milhares de civis iraquianos. Há dois anos, a Rússia invadiu a Ucrânia, onde também comete atrocidades e sequestrou milhares de crianças ucranianas. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes chegaram a bombardear funerais, casamentos e escolas no Iêmen. O Azerbaijão levou adiante no ano passado uma limpeza étnica de mais de 100 mil armênios e destruiu a República de Artsakh em Nagorno Karabakh. Atrocidades são cometidas em guerras na Etiópia, Congo e no Sudão, assim como ocorreram crimes contra a humanidade na Síria. Por que dizer que não viu nada similar?

Chama a atenção também que Lula segue relutante em criticar ditaduras da América Latina, como as da Venezuela e da Nicarágua, onde se intensificou a repressão a opositores. Tampouco condena Vladimir Putin pela invasão à Ucrânia e pela morte de Navalny dias atrás. Por que é tão mais fácil para ele criticar Israel, mas não os outros países? Insisto, não acho errado condenar o governo israelense pelas ações em Gaza. Mas somente Israel? Venezuela nunca é criticada? Nem a Rússia? E o Egito, onde Lula acabou de visitar? Não é governado por um ditador repressor?

Por último, Lula decidiu comparar ao Holocausto, não ao Genocídio Armênio ou ao de Ruanda. Ao agir dessa maneira, claramente faz uma provocação aos judeus, que foram vítimas daquele genocídio.

Insisto, é legítimo criticar e condenar Israel pelas ações militares em Gaza, ainda que o governo de Netanyahu use a também legítima justificativa de ser uma resposta ao atentado terrorista do Hamas em 7 de outubro, quando mais de 1.200 israelenses e alguns estrangeiros foram mortos, mulheres estupradas e cerca de 240, incluindo bebês, capturados. Eu discordo da forma como os israelenses vem conduzindo a guerra em Gaza, acho desproporcional e, conforme escrevi na minha coluna, avalio que um cessar-fogo nesse momento 1) salvaria a vida de milhares de crianças e civis palestinos, 2) levaria à libertação de reféns e 3) acalmaria os ânimos na fronteira entre Israel-Líbano e no Mar Vermelho.

Acho que Israel não eliminará o Hamas, porque fracassou no passado em tentativas similares em Gaza e ao tentar acabar com a OLP durante duas décadas de ocupação do Sul do Líbano no século passado, que deixou como resultado o surgimento do grupo xiita libanês Hezbollah, a mais poderosa milícia militar do planeta. Podemos citar ainda o fiasco dos EUA no Afeganistão, onde após duas décadas de ocupação norte-americana e destruição do país, o Taleban voltou ao poder. E nada justifica a morte de tantas crianças como ocorre em Gaza.

Mas episódios históricos como o Holocausto, o Porajmos (genocídio dos ciganos também cometido pelos nazistas), o Genocídio Armênio (cometido pelos jovens turcos no fim do Império Otomano) e o Genocídio em Ruanda não devam ser comparados entre si ou com outros eventos na história da humanidade. Lula deveria se concentrar apenas no que acontece em Gaza e sempre manter a postura brasileira de defender a paz e a solução de dois Estados negociada por israelenses e palestinos.

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