Uma ‘retrospectiva’ de 2019, escreve José Paulo Kupfer

Como foi a economia no ano que começa

Previsões mais uma vez falharam

Atividade andou, mas não acelerou 

Reformas não tiveram tanta amplitude

Segundo a "retrospectiva" de 2019 de José Paulo Kupfer, as reformas do governo Bolsonaro, lideradas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes (foto), não deram o resultado esperado
Copyright Valter Campanato/Agência Brasil - 2.jan.2019

Quando 2019 começou, empresários e até mesmo consumidores mostravam otimismo. Desde os primeiros dias do novo governo de Jair Bolsonaro, o discurso econômico fortemente liberal transmitiu expectativas positivas em relação a uma retomada mais substantiva do crescimento. O mercado financeiro, espelhando esses sentimentos, abriu o ano com recordes de valorização.

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O mesmo otimismo contagiou os analistas econômicos. Alguns chegaram a prever expansão da economia acima de 3%, mas os melhores entre eles, um pouco mais moderados, anunciaram projeções de crescimento de 2,4%, inflação de 4%, abaixo do novo centro da meta de 4,25%, taxa básica de juros inalterada em 6,5% ao longo de todo o ano e cotação do dólar fechando o ano a R$ 3,80.

É verdade que tais projeções não chegavam a indicar a crença numa retomada sem restrições, já no 1º ano do novo governo. O crescimento dos 2 anos anteriores, somados, nem chegara a 2,5% e com a expansão prevista para 2019 ainda não ultrapassaria 5%. Para compensar as perdas de 7% ocorridas no acumulado de 2015 e 2016, ainda ficariam faltando 2 pontos porcentuais, na entrada de 2020, para empatar o jogo.

Também é verdade que os analistas mais renomados não deixaram de colocar condicionantes em suas projeções. Para que a economia cumprisse o roteiro previsto, o ajuste fiscal, com a reforma da Previdência na linha de frente, teria de ser profundo e amplo. Se o capital político acumulado com a eleição de Bolsonaro fosse dispersado em outros temas, a resposta da economia seria imediata e menos positiva.

Outro risco à concretização das estimativas econômicas mais otimistas vinha da economia internacional. O Brasil e demais emergentes poderiam ser desfavoralvemente afetados pelas expectativas de redução do ritmo de crescimento global e pelos atritos no comércio exterior estimulados pela escaramuças comerciais entre Estados Unidos e China.

O espectro da fragmentação política, no ambiente doméstico, completava o quadro das possíveis limitações a uma aceleração sem hesitações do crescimento. Este se expressava num Congresso sem maiorias naturais e mesmo no próprio Executivo, onde economistas ultraliberais passaram a conviver com militares de viés nacionalista.

Com a combinação de todos esses elementos, o discurso mais radical da campanha eleitoral e dos primeiros dias de governo acabou dando lugar a acomodações e soluções intermediárias.

As reformas, por exemplo, principalmente os itens mais ligados à simplificação burocrática sem dúvida avançaram, mas, no conjunto, não alcançaram a profundidade e amplitude esperada pelos mais otimistas. Na prática, significou que o déficit primário manteve-se na casa de 2% do PIB e a dívida pública bruta na altura de 77% do PIB.

Da mesma forma, a economia mundial, entre idas e vindas, não entrou em colapso, como alguns chegaram a vaticinar. Mas, alternando momentos de tensão e alívio, se não travou, andou bem mais devagar. Com o detalhe relevante da perda de ritmo na atividade econômica chinesa, grande comprador e investidor em países como o Brasil.

Nesse cenário, as decisões de investimento –a grande esperança de um avanço mais forte da economia– ficaram aquém das expectativas. Imaginada como o principal motor da aceleração econômica, os investimentos terminaram o ano em terreno positivo, repetindo o desempenho de 2018, abaixo das projeções, cravando expansão de apenas 5%. No fim do ano, as perdas acumuladas nos investimentos desde 2014 ainda se encontravam no patamar de 25%.

Sem contar com o consumo do governo, sufocado pelo esforço de ajuste fiscal, a atividade econômica também não contou com um avanço expressivo do consumo das famílias, responsável por dois terços do PIB, no lado da demanda. A explicação pode estar no fato de que o desemprego continuou a recuar no ano, mas ainda se manteve nos dois dígitos, caindo de 12% para um pouco mais de 11% da força de trabalho.

Além disso, é preciso levar em conta que, apesar da nova rodada de desonerações da folha salarial, a absorção de mão de obra continuou se dando com mais intensidade no segmento informal do mercado de trabalho. A insegurança resultante dessa peculiaridade do mercado de trabalho afeta, negativamente, entre outros, o crédito ao consumidor.

As iniciativas no sentido relaxar a fiscalização ambiental e as relações de trabalho no campo, produziram atritos com países compradores de commodities agrícolas e minerais. Mesmo assim e com a redução unilateral de tarifas de importação, o comércio exterior continuou a mostrar vigor, embora o saldo da balança comercial tenha ficado 5 % abaixo do registrado no ano anterior.

Tudo pesado, não se pode dizer que o crescimento de 1,8% no ano, ainda que bem abaixo das previsões, tenha sido um mau resultado. Com isso, a inflação também ficou abaixo das projeções, fechando em 3,7%, o que -permitiu cortes na taxa Selic, quando, no começo do ano, esperava-se estabilidade. Ao terminar o ano em 6%, a taxa básica de juros também ajudou a manter a cotação do dólar abaixo de R$ 3,80.

Restaram, enfim, espaços para otimismo em relação a 2020.

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Um 2019 de esperanças e otimismo para todos!

autores
José Paulo Kupfer

José Paulo Kupfer

José Paulo Kupfer, 75 anos, é jornalista profissional há 51 anos. Escreve artigos de análise da economia desde 1999 e já foi colunista da "Gazeta Mercantil", "Estado de S. Paulo" e "O Globo". Idealizador do Caderno de Economia do "Estadão", lançado em 1989, foi eleito em 2015 “Jornalista Econômico do Ano”, em premiação do Conselho Regional de Economia/SP e da Ordem dos Economistas do Brasil. Também é um dos 10 “Mais Admirados Jornalistas de Economia", nas votações promovidas pelo site J&Cia. É graduado em economia pela Faculdade de Economia da USP. Escreve para o Poder360 às sextas-feiras.

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