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Entenda o que é o marco temporal de demarcação das terras indígenas vetado por Lula

Tese prevê linha de corte para definir a demarcação dos territórios indígenas baseada em ocupações em 5 de outubro de 1988; tema tem gerado conflito entre Poderes

Foto do author Natália Santos
Foto do author Isabella Alonso Panho
Por Natália Santos e Isabella Alonso Panho
Atualização:

O Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF) dividiram um cabo de guerra nos últimos meses sobre a demarcação dos territórios indígenas. Enquanto os parlamentares aprovaram o projeto que estabelece o marco como referência para definição das áreas, os ministros rejeitaram a tese e decidiram que ela é inconstitucional. Nesta sexta-feira, 20, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou o projeto de lei, gesto que foi antecipado pelo Estadão.

Indígenas acompanharam de dentro do plenário do Supremo o julgamento da tese do marco temporal Foto: Carlos Moura/STF

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A conduta do presidente acolhe a orientação da Advocacia-Geral da União (AGU) e, de acordo com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, foi de respeito à Constituição.

A decisão de veto aconteceu no último dia do prazo previsto na Constituição. Se Lula encerrasse a semana sem se pronunciar sobre o projeto de lei, aconteceria uma sanção tácita.

Depois que for publicado no Diário Oficial, o veto pode ser derrubado pelo Congresso, mas precisa da maioria absoluta dos parlamentares - ou seja, metade mais um dos membros de cada casa. Na prática, isso significa o voto de 257 deputados e de 41 senadores.

Discussão do marco temporal é epicentro do conflito do Legislativo com Judiciário

No dia 21 de setembro, o STF foi contrário à tese do marco temporal para demarcação das terras indígenas. O placar foi de nove contra a dois a favor. No julgamento, os ministros entenderam que não é possível estabelecer uma data limite para reconhecer se uma terra pode ser declarada como dos indígenas.

Sessão plenária do STF desta quinta-feira, 31, durante votação do marco temporal Foto: Nelson Jr/STF

Uma semana após a decisão da Suprema Corte, como uma forma de marcar posição, o Senado aprovou um projeto de lei que fixa o marco temporal, por 43 votos a 21. O governo orientou o voto contrário ao projeto, mas partidos com cargos na administração federal – PSD, União Brasil, MDB, PP e Republicanos – deram liberdade de voto, impondo uma derrota à esquerda.

A questão ocupa o centro de um momento delicado entre Legislativo e Judiciário. Além do marco temporal, há um incômodo dos parlamentares com julgamentos do STF que tratam de assuntos polêmicos como drogas e aborto. Tanto na Câmara quanto no Senado, foram resgatadas nas últimas semanas propostas que limitam os poderes dos ministros e estabelecem mandatos fixos para eles.

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O que é marco temporal?

A tese do marco temporal é uma proposta de interpretação do artigo 231 da Constituição Federal e trata-se de uma espécie de linha de corte. A partir desse entendimento, que é defendido por ruralistas, uma terra indígena só poderia ser demarcada com a comprovação de que os indígenas estavam no local requerido na data da promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Quem estivesse fora da área nessa data ou chegasse depois desse dia, não teria direito a pedir sua demarcação.

Quais as implicações do marco temporal?

De acordo com ambientalistas e defensores dos indígenas, a aprovação da tese poderia mudar o curso de pelo menos 303 pedidos em andamento, ou seja, que estão em alguma fase do processo de demarcação, sem que esse tenha sido concluído. Essas terras somam 11 milhões de hectares (equivalente a 1,30% do território brasileiro), onde vivem cerca de 197 mil indígenas (0,20% da população do País).

De acordo com monitoramento do Instituto Socioambiental (ISA) com base em publicações feitas no Diário Oficial da União, o Brasil tem 421 terras indígenas devidamente homologadas, que somam 106,6 milhões de hectares e onde vivem cerca de 466 mil indígenas.

O que foi aprovado no Congresso?

Em maio, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 490/2007, conhecido também como PL do Marco Temporal, por 283 votos a 155, em uma derrota para o governo Lula, que tem a proteção dos direitos dos indígenas como uma de suas bandeiras. O projeto foi votado após pedido de regime de urgência na tramitação. A votação espelhou a queda de braço entre o petista e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), nos primeiros meses da gestão presidencial.

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No Senado, o PL foi aprovado no dia 27 de setembro, por 43 votos a 21. Além da tese, o relatório que recebeu aval dos senadores prevê a autorização para garimpos e plantações de transgênicos em terras indígenas, além da celebração de contratos entre indígenas e não indígenas para explorar atividades econômicas nos territórios tradicionais. Passados 15 dias, Lula vetou a proposta.

O que decidiu o STF?

A Suprema Corte rejeitou a tese do marco temporal com um placar de nove a dois. Os ministros consideraram inconstitucional um recurso do Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina contra a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

O instituto utilizou a tese para pedir a reintegração de posse da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ – onde vivem indígenas das etnias Guarani e Kaingang – que teve a sua demarcação homologada em 2003, ou seja, 15 anos depois da promulgação da Constituição.

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No julgamento, os ministros entenderam que o artigo 231 é uma cláusula pétrea, ou seja, não pode ser alterada depois da promulgação da Constituição. O acórdão com a decisão do STF sobre o tema tem até 60 dias para ser publicado no Diário Oficial da União (DOU).

A análise do STF sobre o caso começou em agosto de 2021, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, na época.

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