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Brasil

Líder religioso conhecido como Ananda Joy é acusado de abuso sexual e estupro

Ministério Público de SP irá colher depoimentos de três mulheres na próxima semana; Leia íntegra de quatro relatos dados ao GLOBO
Diógenes Mira, o guru Ananda Joy, ministra cerimônias tântricas usando o chá ayahuasca, também conhecido como Daime, no centro que mantém em Piracicaba, interior de São Paulo Foto: Reprodução/Facebook
Diógenes Mira, o guru Ananda Joy, ministra cerimônias tântricas usando o chá ayahuasca, também conhecido como Daime, no centro que mantém em Piracicaba, interior de São Paulo Foto: Reprodução/Facebook

PIRACICABA (SP) - Um mês após as denúncias de abuso sexual e estupro contra o médium João Teixeira de Faria, conhecido como João de Deus , e sua prisão , o Ministério Público investiga novo caso de abuso sexual em ambiente religioso. O GLOBO ouviu homens e mulheres que frequentavam sessões tântricas organizadas por Diógenes Mira, de 39 anos, também conhecido como Ananda Ramana Das ou Ananda Joy. Três mulheres decidiram denunciar o especialista em terapia tântrica e yoga na Justiça. Ele nega todas as acusações. As promotoras da força-tarefa do MP deixaram aberto um canal para quem quiser denunciar (somosmuitas@mpsp.mp.br).

Relembre o caso João de Deus, das denúncias à prisão

Quatro mulheres revelaram à reportagem que, entre 2009 e 2015, sentiram-se coagidas — seja pelo discurso espiritual, seja pela força física — a fazer sexo com o guru. Seus relatos são publicados aqui na íntegra, com autorização mediante acordo de proteção de identidade. Os nomes usados para identificar as vítimas são fantasiosos, para que elas não sejam reconhecidas.

O líder espiritual mantém um instituto de estudos religiosos e místicos em Piracicaba, interior de São Paulo, onde ministra cerimônias tântricas usando o chá ayahuasca — também conhecido como Daime. Cerca de 40 pessoas participavam a cada cerimônia ou reunião para leitura religiosa. Diógenes se diz um estudioso das "tradições religiosas e místicas do Oriente" e segue principalmente as leituras do tantra, filosofia de matriz indiana, com base em textos escritos entre os séculos VII e XV. Sozinhas ou abaladas por problemas de saúde e pessoais, as mulheres recorreram ao guru para superar seus “bloqueios” ou “atrasos espirituais”.

Casa de Piracicaba onde mora Diógenes Mira, religioso acusado de abuso sexual e estupro Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo/17-01-2019
Casa de Piracicaba onde mora Diógenes Mira, religioso acusado de abuso sexual e estupro Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo/17-01-2019

— O Diógenes entrou no quarto e começou a me acariciar. Falei repetidamente que queria tomar banho e descer para a sessão. Ele me deitou  na cama, me segurou e tocou meu clitóris, contra a minha vontade. Ele me impedia de levantar e ignorava meus pedidos para parar. — lembra Isabela, que falou ao GLOBO sob sigilo, contando ter sido abusada dentro da casa em Piracicaba, fora do ambiente de cerimônias e sem o uso de entorpecentes. — Eu não conseguia passar por cima dele e sair. Mais de uma vez falei que não queria aquilo.

Denunciantes e testemunhas entrevistados pelo GLOBO explicam que, em casos de cerimônias individuais, Ananda dizia que seria feita uma "dança espontânea". Elas se sentiam invadidas porque ele, sem tirar a roupa, ele esfregava seu corpo no delas com o pênis ereto. Uma das mulheres relata ter sido beijada sem consentimento em um desses "tratamentos". Em cerimônias grupais fechadas, elas explicam que sabiam que haveria prática sexual, mas que Ananda não era claro sobre o que seria feito, nem obedecia aos limites de cada um, mesmo quando as pessoas afirmavam que não queriam fazer o que lhes era ordenado.

— O estupro pode acontecer em uma comunidade tântrica, numa casa de suingue ou no quarto de um casal tradicional. Se a vítima diz que não quer, isso já configura o não consentimento claro que é característico do estupro clássico — explica Flávia Nascimento, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. — Nos casos em que elas estavam sob efeito do chá, pode-se entender, também, que sua capacidade de compreensão e de resistir estava comprometida, o que pode ser considerado estupro de vulnerável ou estupro mediante fraude, já que elas foram orientadas a ingerir a substância por um líder espiritual, uma pessoa que tinha uma posição hierárquica superior a elas e que dizia se tratar de um "desenvolvimento espiritual".

O guru Ananda Joy se diz um estudioso das "tradições religiosas e místicas do Oriente" e segue principalmente as leituras do tantra, uma filosofia de matriz indiana Foto: Reprodução/Facebook
O guru Ananda Joy se diz um estudioso das "tradições religiosas e místicas do Oriente" e segue principalmente as leituras do tantra, uma filosofia de matriz indiana Foto: Reprodução/Facebook

Desde dezembro, O GLOBO vem tentando contato com Ananda por meio de ligações telefônicas e mensagens virtuais. Nos dias 4 e 5 de janeiro, o guru recebeu e leu mensagens enviadas pela reportagem a seu celular. Em um aplicativo de mensagens, os recados foram recebidos e confirmados como lidos, mas não houve resposta. A equipe de reportagem foi, então, à casa de Piracicaba no dia 14 de janeiro, quando foi recebida por Ananda e sua mulher, Adriana Valverde, de 44 anos. O conteúdo da conversa no local não teve a publicação permitida, mas o líder espiritual confirmou ter recebido as mensagens anteriores.

Em nota enviada por sua advogada, Ananda afirma que “jamais, em qualquer consagração da qual tenha participado, coagiu pessoas a manter relações sexuais, sob argumento verbal ou de substância entorpecente”. (Veja a íntegra da nota no fim da reportagem)

Outras três mulheres, além das que contaram suas histórias detalhadamente ao GLOBO, confirmaram os fatos à reportagem. Dois homens também afirmaram que havia uma “dinâmica abusiva”, com manipulação psicológica pelo uso da fé e de substâncias psicotrópicas. Além do uso da ayahuasca, os rituais também incluíam drogas sintéticas, como o ecstasy e o MDMA, e a maconha. Todos os entrevistados afirmam que outras pessoas passaram por situações similares, mas que muitas ainda têm medo de falar.

As mulheres — algumas delas viviam na comunidade, outras a frequentavam para atendimentos espirituais — contam que tinham cerca de 20 anos quando foram instruídas a ingerir o chá entorpecente e, depois, comandadas por Ananda a fazer "iniciações tântricas". Estas "iniciações", segundo os relatos, eram relações sexuais realizadas de acordo com indicações específicas do guru.

Ananda Joy é acusado de coagir e forçar mulheres a fazer sexo, entre 2009 e 2015 Foto: Reprodução/Facebook
Ananda Joy é acusado de coagir e forçar mulheres a fazer sexo, entre 2009 e 2015 Foto: Reprodução/Facebook

Elas contam que não havia uma explicação prévia sobre o que seria feito no ritual, nem eram debatidos os limites de cada um, ou o que cada participante estaria disposto a fazer. Os relatos dados ao GLOBO retratam situações em que, dentro da dinâmica ritualística, as mulheres se sentiam coagidas a obedecer o mestre, sob o pretexto de que aquelas relações sexuais faziam parte de um desenvolvimento espiritual e de "testes" voltados para se "romper bloqueios" e "moralismos". Elas afirmam, também, que procuraram o guru diversas vezes para relatar um mal-estar ou o não consentimento durante as relações sexuais em rituais. A reação dele, segundo as mulheres, era a de apontar o "atraso espiritual" delas.

Também há relatos de abusos realizados sem o uso de entorpecentes, com uso da força, entre as mulheres que moravam com Ananda. Sob efeito de alguma substância ou não, todas contam terem explicitado verbalmente que não estavam consentindo, nem estavam gostando do que acontecia. Segundo as mulheres, ao ouvir o "não", o guru reagia de duas formas: quando os fatos aconteciam durante as cerimônias, sob efeito do chá, ele respondia com um discurso espiritualista de que elas só estavam se sentindo desconfortáveis porque tinham "bloqueios" ou “demônios”; já nos casos narrados fora de cerimônias, sem a influência da bebida ou de drogas, as vítimas afirmam que ele usava da força física, impedindo-as de reagir.

Três mulheres já apresentaram denúncias ao Ministério Público de São Paulo. Elas serão ouvidas na próxima semana pelas promotoras do Núcleo de Gênero. Após ouvir os relatos, o MP-SP irá organizar as denúncias e pedir a Ananda que apresente sua defesa.

— O MP-SP recebeu a notícia de fato relacionado ao caso, por parte de mulheres que afirmam terem sido vítimas de violência sexual. Já foram agendadas as oitivas dessas mulheres, para que cada relato seja colhido e apurado — afirma a promotora Silvia Chakian.

A advogada Roberta Mantovani está assessorando cinco mulheres desde o fim do ano passado e deu entrada nas denúncias judiciais este mês:

— Três mulheres já concordaram em processá-lo e duas estão em fase de conversas comigo para decidir as medidas judiciais. Sabemos que podem existir outras vítimas e estamos abertas a ouvi-las.

Entre as acusações apresentadas pela defesa das denunciantes estão a violação sexual mediante fraude — quando o abusador usa de manipulações e fraudes para convencer a vítima a satisfazer seu desejo sexual —, estupro e estupro de vulnerável. A jurisprudência atual tem incluído neste último caso vítimas sob efeito de substâncias que afetem o discernimento, como o álcool e, neste caso específico, o chá à base de ervas (que tem efeito alucinógeno), ecstasy e maconha.

— É como a mulher que vai para a boate e fica embriagada: ela pode ter bebido sabendo que o álcool iria alterar sua consciência, mas isso não implica em consentimento com a relação sexual. Além disso, a substância ingerida diminui sua capacidade de resistência — afirma a promotora Gabriela Manssur, do Núcleo de Gênero do MP-SP.

Os abusos relatados aconteceram durante rituais grupais, individuais e, entre aquelas que viviam na comunidade mantida por Ananda, no dia a dia da "Kula", como eles chamavam o grupo. Na casa, em Piracicaba, viviam cerca de dez pessoas, com rotatividade dos integrantes da comunidade.

Uso controvertido da ayahuasca

Frequentadores da casa que Ananda Joy mantém dizem que ele 'não respeita os preceitos do chá'
Folhas das quais é extraído o chá de ayahuasca, chamado também de chá do santo Daime Foto: Regiclay Saady / 18-09-2014
Folhas das quais é extraído o chá de ayahuasca, chamado também de chá do santo Daime Foto: Regiclay Saady / 18-09-2014

O uso religioso da ayahuasca é legal e regularizado no Brasil desde 2004. A resolução número 5 do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD) “reconhece a legitimidade, juridicamente, do uso religioso da ayahuasca”.

Um documento mais recente , de 2010, estabelece novas regras para o uso do chá: “Devem-se evitar práticas que possam pôr em risco a legitimidade do uso religioso tradicionalmente reconhecido e protegido pelo Estado brasileiro, incluindo-se aí o uso da ayahuasca associado a substâncias psicoativas ilícitas ou fora do ambiente ritualístico.”

Um homem que frequentou as cerimônias organizadas por Ananda falou ao GLOBO sob condição de anonimato:

— Decidi romper com o grupo quando percebi que o Diógenes não respeitava preceitos para o uso da ayahuasca, distribuindo-a de forma irresponsável e sem compromisso com a cultura dessa tradição. Ele também utilizava outras substâncias alteradoras de consciência, inclusive sintéticas, em sessões particulares, outro ponto que contradiz a cultura. Entendi então que na verdade ele não estava querendo promover cerimônias espirituais, cura ou amparo para as pessoas que o procuravam, mas sim entorpecê-las para satisfazer os seus fetiches.

No uso religioso da ayahuasca, é recomendado que os fiéis passem por uma preparação antes do ritual, evitando o sexo, álcool ou outras drogas, e adotando uma dieta específica. Após o ritual, é recomendado repouso.

O consumo de drogas sintéticas, como o ecstasy, bate de frente com a cultura tradicional ayahuasqueira. O uso religioso do chá trata a planta como "mestra" e defende um culto à natureza. Em muitas comunidades religiosas que usam o chá, o consumo de álcool e qualquer outra substância alteradora de consciência é proibido.

Outro homem, que não frequentava a casa, mas que afirma ter tido contato próximo com Ananda, conta que ele chegou a convidá-lo usando como "atrativos" a prática de "iniciação tântrica", que neste caso não era apresentada como uma experiência espiritual:

– Para mim, ele chamava de suruba, mesmo.

Quatro relatos na íntegra

"Em um desses rituais, comecei a achar que ia morrer, entrei em desespero profundo. O Diógenes apenas se levantou, abaixou as calças e disse: 'Tudo bem, mas, e agora, quem vai chupar o meu pau?'", conta Isabela

Leia abaixo os depoimentos obtidos pelo GLOBO, sob condição de anonimato. Os nomes são fictícios, criados para proteger a identidade das mulheres.

Isabela

"Conheci o Diógenes Mira em um grupo no qual ambos consagrávamos ayahuasca. Quando ele começou a dirigir trabalhos com o chá eu cedia a minha casa para os encontros.

Eu vivia um relacionamento abusivo e o Diógenes foi essencial no término do meu namoro. Comentei que estava com um problema particular grande, então combinamos uma sessão de cura. Era um trabalho de ayahuasca onde eu estava só com ele. Durante o trabalho, contei que queria terminar o namoro, mas não conseguia. Quando ele, alguém que eu considerava muito sábio e iluminado,  me disse que eu deveria mesmo terminar, foi como receber um 'aval', finalmente tive essa coragem.

Ele  me propôs então um 'Tantra Lila'. É uma dança espontânea, durante a qual traumas e bloqueios  seriam “curados” com carinhos e toques de outras pessoas. Nós dançamos, e ele se aproximou, me abraçou e, sem tirar a roupa, esfregou o pênis em mim. Por muito tempo considerei aquelas esfregações todas como parte da minha cura, de fato.

A partir daí, depois das sessões ele sempre me dava uma atenção especial, falando sobre a espiritualidade, práticas de meditação e do Tantra. Em uma dessas vezes, disse que era importante o homem segurar a ejaculação durante a relação, pressionando a base do pênis. Eu nem tinha perguntado nada sobre isso. Então ele colocou a minha mão dentro da calça dele e me “mostrou” o local que deveria pressionar. Hoje não considero que estava em condições reais de decidir nada naqueles momentos para dizer se foi consentido ou não. Sempre estava sob o efeito da ayahuasca, algumas horas após ter bebido.

Pouco após o término do meu namoro, tive a primeira relação sexual com Diógenes.

Depois da relação, ele começou a falar sobre a mulher dele, foi conduzindo a conversa e dizendo o quanto a Adriana transar com outra mulher seria bom e 'curativo' para ela. Levada pela culpa por ter ficado com ele, concordei em fazer sexo também com ela, a três.

Claro que o nome usado não era 'transar'. Tudo era chamado de 'iniciação tântrica', para ser vivenciado 'em nome da cura' e do 'amor'. Sempre bebíamos o chá como um convite a um 'ritual tântrico' no qual eu aprenderia alguma coisa sobre a sexualidade sagrada. Diógenes nunca usava o termo 'suruba' comigo, mas soube anos após a minha saída que ele usou exatamente essa palavra para descrever o que acontecia entre nós para pessoas que não faziam parte do grupo.

O casal passou então a figurar como meus 'mestres', iriam 'me guiar nas descobertas sexuais'. Também se colocavam como 'protetores' contra meu ex-namorado. Chegaram a procurar meu ex e intervir para que ele não conversasse comigo. Meu ex procurou minha família e contou tudo. Meus pais me confrontaram, mas eu neguei.

Cheguei a morar na mesma casa que eles, com outros adultos e também crianças. Éramos pouco menos de dez.

Enquanto morava lá, teve um dia que cheguei em casa muito mal, tinha tido um dia péssimo. Quando passei pela sala, o Diógenes quis me beijar e acariciar, mas eu disse que não queria, que queria ficar sozinha. Fui para o meu quarto, fechei a porta e deitei na cama. Ele veio logo em seguida e deitou na cama. Segurou minhas mãos entre as dele. Imaginei que iria perguntar o que estava acontecendo comigo. Sem dizer nada, ele arrancou a minha blusa, mesmo sob meus protestos, e lambeu meus peitos.  Fiquei em choque. Quando consegui abaixar a blusa, ainda perplexa, disse pra ele: 'você sabia que eu não queria isso!'. Ele respondeu: 'mas você sabe que isso iria me fazer feliz'. E saiu do quarto.

Comecei a namorar uma outra pessoa da comunidade. Todas as vezes que meu companheiro se posicionava a meu favor, Diógenes o chamava de 'espiritualmente fraco' por abandonar a 'espiritualidade' para ficar comigo. Pessoas que ele não gostava eram tratadas como causadoras de 'atrasos espirituais' e até 'maus karmas' nas nossas vidas. Atrasar o avanço espiritual do outro era algo muito ruim, a ser evitado a todo custo. Mesmo com essas desavenças, continuamos a frequentar todos os rituais e grupos de estudo.

O Diógenes dizia frequentemente que novas experiências sexuais grupais eram iniciações tântricas que 'desbloqueariam' as energias e trariam 'revelações'. Fiz inúmeras práticas que não queria em nome dessa 'iniciação'. Me  sentia pressionada a fazer tudo que o Diógenes propunha, e depois culpada quando, ao contrário do prometido, não recebia nenhuma revelação nem me sentia livre depois dessas práticas. Pelo contrário, muitas vezes tinha vontade de sair correndo e de me esconder.

Ainda  hoje, após relações sexuais, tenho sintomas como esses. Fazendo terapia, anos depois, entendi que são sintomas de stress pós-traumático, medo de perseguição e sociofobia.

E quando eu contava que tinha me sentido mal por fazer qualquer prática sexual específica que o Diógenes dizia considerar importante para mim, ele e Adriana diziam que a culpa por esse mal estar era totalmente minha e dos meus bloqueios, pois, se eu estivesse 'desbloqueada' não haveria incômodo algum. Sempre que eu relatava meus sintomas para Diógenes, ele tratava como se eu estivesse tentando 'fugir da cura'.

Eles sabiam que eu havia passado por abusos sexuais anteriores, então, quando me negava a algo, sempre afirmavam que meu 'bloqueio sexual' era muito forte e que eu deveria 'vencê-lo'. Eu passava por cima da minha vontade a todo momento por isso.

Quanto mais me envolvia com eles, mais aumentava a minha importância nos trabalhos com ayahuasca, chegando a receber dele, inclusive, o comando espiritual de uma parte dos rituais. Pensava que era valorizada por algo 'real', pela espiritualidade. Esse valor me manteve presa lá por bastante tempo, me fazia engolir tudo  o que eu discordava.

Era como se discordar do Diógenes fosse discordar do meu próprio valor como pessoa.

Alguns anos depois de começar a servir ayahuasca, acredito que o Diógenes viu um potencial em falar coisas para as pessoas quando elas estivessem sob efeito de entorpecentes, porque ele começou a oferecer outras substâncias. Sei que utilizou desse artifício  para organizar diversos 'rituais tântricos iniciáticos' em grupo.

Em um desses rituais, comecei a achar que ia morrer, entrei em desespero profundo. Meu companheiro e a Adriana tentavam me acalmar. O Diógenes apenas se levantou, abaixou as calças e disse: 'Tudo bem, mas, e agora, quem vai chupar o meu pau?'.

Nesse mesmo ano, comecei a finalmente questionar se continuar participando do grupo estava sendo benéfico pra mim e para o meu marido. Mas ainda continuei.

Em um dia que aconteceria uma sessão aberta na minha casa, eu estava sozinha no meu quarto, me arrumando para a sessão que começaria em alguns minutos. O Diógenes entrou no quarto e começou a me acariciar. Falei repetidamente que queria tomar banho e descer para a sessão. Ele me deitou  na cama, me segurou e tocou meu clitóris, contra a minha vontade. Ele me impedia de levantar e ignorava meus pedidos para parar. Eu não conseguia passar por cima dele e sair dali. Mais uma vez, eu falei que não queria nada daquilo, que não era o momento, ele respondeu: 'te fiz gozar, não fiz?'.

No final deste mesmo ano, a Adriana disse que o Diógenes era o messias, a encarnação de Jesus. Segundo seu discurso, nós deveríamos agradecer muito pela oportunidade de conviver com ele e aquele que não visse que Diógenes era o messias 'estava cego'. Eu já a tinha ouvido dizer isso antes, e prometido a mim mesma que não voltaria mais se ela repetisse essa loucura na minha frente novamente. A partir desse dia comecei a me afastar e em pouco tempo saí definitivamente do grupo."

Clara

"Quando cheguei à Estrela do Oriente fiquei encantada com a abordagem do grupo que falava em matrilinearidade, com textos que falavam sobre questões espirituais de forma tão refinada. O fato de ser um grupo pequeno, seleto, ajudou a baixar minha guarda.

No meu caso os abusos começaram a ficar mais e mais graves conforme eu ia decidindo vivenciar minha liberdade sexual sem pedir licença ou autorização para o Ananda. Numa das vezes, durante uma relação sexual, ele propôs uma prática específica e eu não concordei. Pedi para parar, mas ele se forçou fisicamente sobre mim mesmo assim.

Em seguida, ao acabar, me disse 'Vai dizer que você não gostou?'.

Outro ponto importante é que não há combinados, explicações ou acordos sobre os limites de cada um sobre as práticas que acontecerão durante os rituais com sexo, incluindo a questão do uso de preservativos, que em nenhum momento é discutido. Inclusive, Adriana demonstrava achar que todas as relações eram protegidas, quando na verdade muitas vezes não eram. Em outras palavras, a pessoa chega aos rituais sem saber o que vai acontecer. Uma vez começada a cerimônia, fica claro que o Diógenes já chega com um planejamento do que ocorrerá. É ele quem dita o que cada um deve fazer, e com quem.

Apesar de hoje ter consciência dos abusos sexuais, tenho a clareza de que o que mais me deixou sequelas foram os abusos psicológicos. Hoje sei que a manipulação que acontece lá dentro, começando por ritmos ditados de alimentação e sono, foi o que me prendeu ali.

A Adriana, chamada entre os membros da comunidade de Mohini. Ela estava sempre dando orientações a todo mundo como se fosse terapeuta ayurvédica de todos. Ela dizia o que cada um deveria comer, nos orientando em dietas bastante restritivas. Eu e outras pessoas desenvolvemos traços de distúrbios alimentares.

A alimentação não era a única coisa regulada pela Mohini dentro do grupo seleto de pouco menos de 10 pessoas que moravam com eles. Ela acordava às 5 da manhã todo dia para práticas corporais em jejum e dizia que era um absurdo pessoas adultas num propósito espiritual sério (como era o da comunidade) acordarem depois das 7 da manhã.

Uma das argumentações que me foi apresentada para viver de forma privada, com um grupo seleto de pessoas, era que não existe nenhuma possibilidade de sobrevivência para pessoas que 'verdadeiramente acessaram a espiritualidade' sem um grupo, que eles chamavam de Kula ou Sangha. Segundo eles, a sociedade nos entenderia como loucos e nos jogaria num hospício, e dentro da sangha teríamos um respaldo espiritual energético. Também diziam que, sem o grupo, simplesmente enlouqueceríamos 'num mundo como esse'.

A coisa é distorcida num nível que permanecer ali parece algo lógico e irrecusável, uma oportunidade única. Essa era a ideia e a distorção centrais lá dentro: de que éramos ‘imunes’ e ‘purificados’. Como eu já tinha tantos traumas do mundo 'externo', era muito fácil comprar essa ideia.

Mas veja: não era dito que o papel da kula ou sangha era facilitar certas vivências espirituais, mas sim tornar possível a sobrevivência após essas vivências.

Pessoas pagavam para trabalhar sob a argumentação de que tudo seria de usufruto de todos. Vi pessoas darem voluntariamente valores mensais de centenas de reais para trabalhar e morar ali. Enquanto isso, o casal — sem comentar com ninguém — mantinha investimentos financeiros próprios. Acho ótimo que tenham reservas, mas não mencionar isso abertamente era jogar sujo com as pessoas que estavam ali doando tudo de si, literalmente, até o último centavo.

Vi também falas deles em rituais sobre o processo espiritual sobre a concepção que me assustaram. Era como uma 'eugenia mística'. Segundo eles, no momento em que uma vida era concebida, ela era 'imantada' com as características espirituais das pessoas no momento em que foi concebida — ou seja, durante o sexo. Então, para que uma criança viesse ao mundo sem carregar os karmas do passado e da família era necessário concebê-la em um ritual. Do contrário, ela só traria mais reproduções de traumas e traços familiares. E era por isso, segundo Ananda, que o mundo estava 'nesse estado': porque as crianças não eram concebidas de forma 'mágica'. Isso era usado para 'hierarquizar espiritualmente' as crianças concebidas dentro e fora da Kula — assim como suas mães.

Quando comecei a dar sinais de que eu queria abandonar o grupo, Diógenes tentou de todas as formas possíveis me convencer de que minha sexualidade era doentia. E que ele tinha a cura, claro. Acho que essa foi uma das últimas cartadas dele. Depois disso, começou a, indiretamente, me convidar para que me retirar. Quando comuniquei minha saída, ele não mostrou surpresa.

Depois que saí do grupo fiquei sabendo que as fotos que Ananda tinha feito de mim na 'Fototerapia Tântrica' tinham sido mostradas a terceiros sem que eu soubesse ou autorizasse. Ele mostrava a conhecidos como 'propaganda' do que eles 'estavam perdendo' por não serem parte da Kula. Penso que muitas mulheres devem estar mantendo o silêncio por medo de terem suas fotos expostas. Foram muitas mulheres que fizerem fototerapia com ele. Algumas delas vêm de ambientes tradicionais, famílias católicas... A essas mulheres, queria dizer que vocês não estão sozinhas, e que, legalmente, se essas fotos vazarem, ele responde processo legal.

Recuperar minha saúde física foi o primeiro passo após sair. Tive sintomas de stress pós-traumático: desrealização, despersonalização, mil pesadelos, sensação de perseguição... Descobri que todos esses quadros não vêm durante o abuso, mas quando você o percebe como abuso.

Antes disso, os sintomas traumáticos ficam bloqueados, assim como algumas das memórias. De tempos em tempos, ainda aparecem algumas coisas que eu tinha me esquecido. A boa notícia é que dá pra se regenerar de tudo isso. E se for possível, ter acompanhamento um profissional de psicologia devidamente preparado pra esse tipo de caso.

Unir-se a outras mulheres que sofreram o mesmo também foi vital pra mim.

Um dos maiores problemas dessas questões de abuso por parte de mestres espirituais é que eles são modelo para homens mais jovens. E lá dentro, os próprios discípulos ou amigos pessoais do Ananda que visitam a casa também reproduzem comportamentos problemáticos. Alguns deles já assediaram seguidoras de lá. Mesmo quando elas reportaram a ele os casos, ele não toma nenhuma providência de fato. O máximo que vi foi ele pedir pra um deles não ir mais nos rituais abertos.

Espero que mais mulheres se juntem a nós. É muito libertador poder finalmente quebrar esse silêncio. Sinto que, agora sim, posso seguir em frente com a minha vida.

Gostaria de deixar claro que, apesar de tudo que vivenciei, não sou contra a consagração da Ayahuasca, ou mesmo dos rituais tântricos. O meu apelo é para que todos possam passar por essas experiências com informação, consentimento e sem abusos."

Flávia

"Conheci Diógenes quando eu tinha 21 anos. Foi quando frequentei pela primeira vez uma sessão com ayahuasca do grupo que ele dirigia.

Publicamente, ele se mostrava uma pessoa muito carismática, sorridente e afetuosa, principalmente com novos integrantes e pessoas que frequentavam esporadicamente os trabalhos que ele dirigia.

No começo, me senti muito atraída por sua figura. Ele me elogiava muito e parecia ser uma pessoa especial, mais feliz e 'iluminada'. Eu, que não me sentia tão feliz assim, comecei a me aproximar inconscientemente dele para que, de alguma forma, aprendesse como superar os problemas que estava passando. Naquela época eu vivia uma fase muito difícil da minha vida. Estava muito perdida e tinha crises de ansiedade.

Comecei a ir com mais frequência às sessões que o Diógenes dirigia para tentar me sentir melhor. Mas pelo contrário, além de não melhorar, estava me sentindo pior. Estava me sentindo um lixo e cheguei no ápice das minhas crises de ansiedade. Até que surgiu a oportunidade de fazer uma sessão individual com o Diógenes, que se intitulava terapeuta.

Durante essa sessão, ele me conduzia a realizar uma dança espontânea como parte do tratamento. Lembro nitidamente de achar bastante estranho quando ele começou a roçar o corpo dele no meu e principalmente quando, sem tirar a roupa, ele roçava o pênis ereto no meu corpo. No entanto, não ousei questionar. Primeiro, porque não estava em condições psicológicas. Segundo, porque ele era o terapeuta e me instruiu a observar todas as sensações e os sentimentos que surgiam, sem julgamento. Aquilo era um atendimento terapêutico. Ou deveria ser.

Um tempo depois eu decidi me mudar para a comunidade que o Diógenes e sua esposa Adriana montaram com a proposta de vivermos no dia a dia os estudos da espiritualidade. No começo me senti muito feliz com a oportunidade de estar perto deles e de ter um recomeço na minha vida, mas depois fui bastante infeliz. Como éramos incentivados a nos afastar das nossas famílias e amigos antigos, me sentia muito sozinha.

Me envolvi sexual e emocionalmente com o Diógenes, que vivia uma relação aberta com a sua esposa, com o conhecimento dela. A relação com ela era sempre prioridade e ele me procurava somente quando ela não estava.

No dia a dia ele tinha um comportamento sexual estranho. Ele me procurava somente para o sexo prático e objetivo. Esse não era o tipo de relação que eu queria viver. Me sentia usada e sozinha. Ele tomava a iniciativa sem parecer se importar se eu estava disponível ou não para transar. Muitas vezes eu não estava, mas nunca ousei questionar ou interromper o processo. Ficava sem ação. Era como se estivesse tendo a oportunidade fazer sexo com um mestre, e que eu tivesse que só observar.

A posição de 'mestre e sábio' que o Diógenes ocupa dá a ele muito poder de manipulação. Vejo que ele aproveitou e aproveita dessa posição para satisfazer seus desejos pessoais, com a premissa de que se trata da condução de um trabalho espiritual, para benefícios das pessoas.

Cheguei a me relacionar sexualmente a três com a esposa dele, momento que ele chamava de sessão tântrica. Mas eu não via diferença entre sexo comum.

Pouco tempo depois, comecei a namorar uma pessoa e o Diógenes nos convidou para uma 'iniciação tântrica' feita apenas com um seleto grupo. Tipo VIP. Me senti importante. Resolvi aceitar, mesmo sem saber do que se tratava. Ele só leria a 'carta do mestre tântrico', explicando melhor do que se tratava, depois que disséssemos sim.

Eu e meu namorado participamos de quatro rituais tântricos. A maioria deles com outros casais. Era muito constrangedor para mim. Tínhamos que ficar sem roupa e, em um dado momento, tínhamos que fazer sexo com nossos parceiros na frente de todo mundo.

Às vezes, o Diógenes ditava quem deveria se relacionar com quem e de que maneira.

Aquilo parecia tortura para mim, eu queria sair correndo, mas não tinha para onde. Seria acusada de ter 'fugido da cura', ou de ser mimada. Sabia que de alguma forma seria humilhada na frente dos outros, então ficava.

Eu não achava aquilo prazeroso. Eu me sentia invadida e depois da sessão, quando contava para ele como havia sido difícil para mim, ele falava que fazia parte do processo de 'cura'.

E depois veio a história do nome iniciático, que ele nos deu. Ele também tinha um. Com esse nome, ele encarnava o papel do guru, aquele que nos guiaria no nosso processo de 'cura'. Dizia que quando nos chamasse pelos nossos nomes iniciáticos, não estava falando com a gente como pessoa, mas sim com o ser divino que habita em cada um. E que tudo que ele nos ordenasse fazer naquele momento seria em nome do trabalho espiritual, do nosso processo de iniciação, no qual seríamos testados o tempo todo para provarmos quão comprometidos estávamos com a nossa 'cura' pessoal.

Fato é que mais de uma vez ele nos chamou pelos nossos nomes iniciáticos e nos pediu para tomarmos certas atitudes que não tomaríamos se não fosse nesse contexto. Fora que me sentia cumprindo uma missão importante. Hoje vejo que éramos marionetes na mão dele.

Nos anos em que vivi ali, eu era uma pessoa chorosa. Vivia triste, me sentindo um lixo. Sempre procurava o Diógenes para me dar uma ajuda, uma conversa, um atendimento, mas não mudava muita coisa. Eu sentia que, no fundo, eu dava trabalho demais. Sempre levando broncas, sempre demandando atenção. Era como se tivesse me tornado emocionalmente dependente dele. Quanto mais ele me manipulava a ser servil e submissa, mais eu precisava dele para me ajudar com as minhas crises emocionais.

Quando finalmente decidi abandonar o grupo e terminar a minha relação com Diógenes (sim, eu também vivia uma relação aberta e ainda nos relacionávamos), pois estava mais fortalecida, ele não se conformou. Me puxou e me beijou, sem a minha permissão, mesmo eu tendo acabado de romper com ele. Fiquei envergonhada, porque isso foi na frente de todo mundo. Ele ainda ficou um tempo me procurando, mesmo eu pedindo distância.

Demorei anos para me recuperar de tudo que vivi ali. Tive distúrbios psicológicos como crise de pânico, crise de identidade, suspeita de transtorno bipolar, fobia social, transtornos alimentares, dificuldades com a minha sexualidade e dificuldade em acreditar nas pessoas. Algumas dessas coisas ainda tenho.

Por trás de uma pessoa aparentemente agradável, sábia, experiente e espiritualizada, está uma mente perversa e doente, que trata as pessoas como objetos em seus jogos de dominação e sexuais. E o pior disso tudo é que estamos falando de uma pessoa à frente de um trabalho espiritual feito com enteógenos. Sua figura e suas ações influenciam dezenas de pessoas, em um trabalho conduzido de forma irresponsável, gerando traumas em inúmeras delas. Muitas tive contato próximo e pude perceber os estragos de perto, além do meu próprio caso, que pude sentir na pele."

Fernanda

"Conheci o grupo espiritual do Ananda Joy aos 24 anos, mãe de uma filha pequena. Os valores do grupo ressoavam muito comigo, e me envolvi bastante, principalmente para receber apoio e orientação na recém maternidade solo.

Após alguns meses frequentando a casa, começaram os convites por parte do Ananda Joy, para que eu participasse de um círculo fechado de Vamamarga (rituais tântricos que envolvem relações sexuais). Esse nunca foi meu enfoque no grupo, eu não queria ser iniciada, nunca pedi por isso. Estava lá porque sentia que eu e minha filha éramos acolhidas.

Os convites ficaram mais intensos, e ele chegou a me dizer que a minha presença era indispensável para a cura de todo esse grupo. Quando isso aconteceu, foi pra mim de um absurdo gigantesco, me senti acuada e de certa forma manipulada. Não fui a esse e a nenhum ritual desse tipo, e, nesse momento, me desliguei do grupo por um tempo, em especial por essa situação específica.

Passei um ano fora e retornei. Nesse intervalo, aconteceu algo de foro muito íntimo, e muito profundo. Eu estava me sentindo novamente desamparada e tinha acabado de passar por um abuso muito grande por parte de um homem. Procurei a esposa de Ananda para um aconselhamento urgente, pois, na condição que me encontrava, talvez fosse necessárias a realização de exames médicos, como profissional,  e também amiga para me acompanhar e me orientar nesse sentido (ela é terapeuta ayurvédica, imaginei que os conhecimentos dela pudessem me auxiliar). Ao telefone, ela me disse que não poderia me ver, nem naquele dia e nem naquela semana inteira, pois estava muito ocupada. Mas que ele poderia conversar comigo.

Eu tinha acabado de expulsar um homem com força policial de dentro do meu carro. Tudo o que eu não queria era me encontrar com outro homem. Mas estava muito fragilizada e, naquele momento, não me ocorreu nenhuma outra pessoa que pudesse me ajudar. Acabei aceitando conversar com ele.

A sós, contei sobre a minha situação e ele disse que seria melhor olharmos para tudo na força da Ayahuasca. Eu não queria consagrar naquele momento. Queria apenas ser ouvida, acolhida e orientada. Mas aceitei o que ele sugeriu. Durante toda a duração do trabalho com o chá, ele não me ouviu. Apenas falou qual achava que era a única solução possível para o meu problema.

Depois, começou a falar sobre o projeto de fazer ensaios sensuais com mulheres, que ele dizia ser uma forma de 'empoderamento feminino e devoção às Deusas'. Depois ele cunhou como 'fototerapia tântrica'. Falava no grande potencial que eu tinha, especialmente em termos financeiros, posando como modelo para ele e divulgando a ideia entre as mulheres. Desenhou em detalhes todo esse projeto enquanto eu ruía por dentro.

Eu estava vivendo um processo traumático que queria superar. E o que aconteceu ali foi um processo de extremo abuso psicológico que  durou horas. No final, ele me colocou de pé em frente a ele e me mandou fazer várias posições de yoga junto dele, que deveriam ser, segundo dizia, o 'corte no meu subconsciente'. Adotou um discurso que me culpava pelas violências e traumas pelos quais eu tinha ido buscar ajuda. Fiquei emocionada e fragilizada durante esse ritual e, enquanto eu chorava, aos prantos, ele me beijou sem meu consentimento, de forma muito nojenta, como se fosse começar um abuso sexual.

Foi a situação mais nojenta da minha vida. Eu travei. Estava muito fragilizada. Me afastei dele na hora.

Mesmo após esse episódio, eu continuei confiando a minha saúde àquelas pessoas, Adriana e Diógenes, até me dar conta que já não mais agiam como terapeutas, mas sim como 'mestres espirituais e protagonistas da verdade suprema'. Anulando a individualidade de cada pessoa do grupo, relegando a todos como meros coadjuvantes. Anos depois me dei conta de que sofri violência psicológica, posso dizer que me senti abusada e até torturada por semanas a fio.

No final do processo, me desliguei da casa, acreditando que eu era algum tipo demônio do mal que estava fadada a ser infeliz e viver uma vida de miséria pra sempre, por estar me desligando da casa e não obedecer às 'instruções divinas' que o Ananda Joy havia ancorado para mim. Tudo isso se intensificou exponencialmente, uma vez que ali estavam muitos amigos, que eram pra mim, relação de identificação de valores, que também viraram as costas pra mim nesse processo, também me culpando. Hoje sei que foi devido aos diálogos de PNL, que ele usou para manipular os devotos para se afastarem de mim, e assim não soubessem as verdadeiras loucuras que ele prega.

Tal como essas iniciações tântricas, que é uma grande farsa, uma grande perversão. Há um padrão de mulheres em situação de vulnerabilidade, que ele usa para violar o que há de mais íntimo e puro. Tantra é a própria Natureza Feminina, ninguém pode iniciar o que a Natureza já iniciou."

Testemunha

'Entendi que, na verdade, ele não estava querendo promover cerimônias espirituais, cura ou amparo para as pessoas que o procuravam, mas sim entorpece-las para satisfazer seus fetiches', diz homem que frequentava casa de Ananda

"Apesar de achar algumas atitudes estranhas, inicialmente eu considerava como algo que fazia parte da ideologia espiritual pregada pelos dirigentes. Com o passar do tempo percebi que essas atitudes eram invasivas, imbuídas de interesses escusos e de maucaratismo, com o intuito de ter o controle psicológico dos membros do grupo.

Algumas pessoas que perceberam se retiraram, outras porém, que tinham um contato mais próximo com os dirigentes, acabaram que mais intensamente abusadas, não somente no sentido psicológico, mas sexual e moral, sendo constantemente incentivadas durante rituais a 'desconstruir os seus conceitos morais', abandonarem as sua famílias e a se alinharem aos pensamentos do líder, sendo ludibriadas por práticas espiritualistas duvidosas, com aplicação de substâncias alteradoras de consciência e técnicas de manipulação.

Decidi romper com o grupo quando percebi que o Diógenes não respeitava preceitos para o uso do chá ayahuasca, distribuindo-a de forma irresponsável e sem compromisso com a cultura dessa tradição, além disso ele utilizava outras substâncias alteradoras de consciência, inclusive sintéticas, em sessões particulares. Entendi então que, na verdade, ele não estava querendo promover cerimônias espirituais, cura ou amparo para as pessoas que o procuravam, mas sim entorpece-las para satisfazer os seus fetiches."

Nota enviada por Ananda Joy

'É com estranhamento que Ananda recebe a notícia que denúncias foram enviadas ao Ministério Público'

"O Sr. Diógenes, que celebra espiritualmente sob o nome de Ananda, desde 1998 congregou e congrega, até hoje, com diversas pessoas que compartilham a mesma filosofia de vida, que envolve a purificação espiritual a partir do aperfeiçoamento e desenvolvimento de autoconhecimento, especialmente através da prática empírica da meditação, por uma vida livre, repleta de igualdade, amor, devoção, confiança e respeito por nossas características e desígnios. Posicionando-se desde sempre como facilitador destes encontros e nunca como Guru ou Mestre.

A confraternização entre os participantes se dá, dentre as várias liturgias possíveis, através da Investigação de si mesmo por intermédio do escopo da Filosofia Não-dual, presente em diferentes tradições religiosas e místicas do Oriente.

Não somente São Paulo, mas muitos Estados brasileiros, grupos distintos, já reúnem casos de atendimentos públicos à homens e mulheres que buscavam livrar -se de traumas psicológicos e físicos diversos, inclusive de cunho sexual.

A defesa dessa filosofia, durante todo esse tempo, não enriqueceu o Sr. Diógenes que continua com o mesmo padrão de vida, o que, também, é público.

Em razão disso, é com estranhamento que Ananda recebe a notícia que denúncias foram enviadas ao Ministério Público. Uma vez que, ao longo de todos estes anos, sempre foi claramente uma voz aliada contra a violência especialmente endereçada às mulheres e à natureza de cada ser vivente.

Por ora, e a fim de atender a gentil e ponderada solicitação da reportagem, para oferecimento de sua versão, o que se pode dizer antes do recebimento oficial de qualquer acusação é que jamais, em qualquer consagração da qual tenha participado, coagiu pessoas a manter relação sexuais, sob argumento verbal ou de substância entorpecente.

Todos que participam têm ciência de que o contexto ritual e celebrativo é inevitavelmente mental, corporal e sensorial, o que não autoriza, nem pressupõe, sobretudo em razão da libertação ser um ideal, que pode existir coação aos abusos físicos ou psicológicos, sexuais ou de qualquer natureza.

No que se refere aos primeiros nove anos de Celebrações Litúrgicas que envolviam a prática dos saberes ancestrais, dentre estes o Tantra, este sempre foi compreendido, em termos metafóricos e comportamentais como: A Poesia do Encontro. O que per si destoa de qualquer comportamento coercivo e violento.

Sem mais para o momento, agradecemos a oportunidade e colocamo-nos para outras informações e esclarecimentos."