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Por e — Buenos Aires e Rio de Janeiro

Em mais um passo no cerco à oposição no período que antecede as eleições presidenciais marcadas para meados do ano, o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, acusou, nesta quarta-feira, vários membros do partido da principal líder opositora, María Corina Machado, de planejar "ações desestabilizadoras" no país e ordenou a detenção de alguns de se seus principais assessores. Segundo a acusação, o objetivo dos funcionários do Vem Venezuela seria provocar um motim em protesto à inabilitação da candidatura de María Corina às eleições presidenciais, em 28 de julho.

Em entrevista coletiva, ela defendeu a inocência dos aliados e disse que a data de hoje "ficará marcada na História como o dia da infâmia". Sem indicar qualquer recuo, María Corina afirmou que todas as acusações contra seus aliados são mentirosas e defendeu a soltura deles e de "todos os perseguidos".

— Hoje, o regime, pela força, pode tentar atrasar a transição [democrática], mas não pode evitá-la. Isso já está em processo — afirmou a política. — Nós estamos organizando o país para avançar em uma rota eleitoral na qual vamos derrotar Nicolás Maduro em eleições limpas e livres.

Mais cedo, em sua conta na rede social X (antigo Twitter), a opositora classificou as detenções, na véspera do início da inscrição de candidatos ao pleito, como "ações covardes" com o objetivo de "fechar o caminho da Venezuela rumo à mudança e à liberdade de paz e democracia". E continuou: "Hoje, mais do que nunca, precisamos estar unidos e firmes para continuar avançando em direção aos nossos objetivos."

Nos últimos meses, o governo Maduro vem colocando atrás das grades importantes assessores de María Corina. Fontes do GLOBO próximas da campanha da opositora não descartaram, pela primeira vez, a possibilidade de que a própria política possa, eventualmente, ser presa. Seria, frisou a fonte, “a única maneira de silenciá-la”.

Nesta quarta-feira, foram detidas pelo Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) peças importantes de sua equipe: Henry Alviárez, secretário-geral do Vem Venezuela, e Dignora Hernández, uma das coordenadoras da campanha de María Corina. O Ministério Público também emitiu mandado de prisão contra outros sete colaboradores da campanha, entre eles sua secretária particular, Magalli Meda, apontada como uma possível candidata alternativa; seu assessor internacional, Pedro Urruchurtu; e o general da reserva Oswaldo Bracho, ex-prefeito de Caracas.

Segundo uma das fontes, María Corina “nunca sai sem Magalli", o que gera dúvidas sobre como vai se mobilizar a partir de agora. Também não está claro se os funcionários tiveram tempo de se esconder, nem o que fará María Corina sem poder contar com eles. Em Caracas, uma das frases que mais se ouviu nas últimas horas foi “a Venezuela está virando uma nova Nicarágua”. A sensação é de que a repressão vai recrudescer ainda mais.

Colaboradores da líder opositora afirmam que um dos cenários mais prováveis é o de que María Corina espere até o dia 25, quando vence o prazo das inscrições, para ir até o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) tentar validar sua candidatura presidencial. Como está inabilitada, ela não poderá se inscrever, mas poderia usar a ação de ir até o CNE como gesto simbólico, em busca de repercussão interna e internacional. Em palavras de uma fonte que a conhece bem, “María Corina não vai ficar em casa porque um site do governo diz que ela está inabilitada. Ela vai lutar até o final”.

Em Brasília, a notícia sobre as novas detenções causou preocupação. O cenário, disse uma fonte do governo Lula, está ficando “complicado”. O Brasil continua apoiando o processo eleitoral venezuelano em foros internacionais, entre eles as Nações Unidas. Na última terça-feira, o representante do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU, Tovar da Silva Nunes, voltou a defender a realização de eleições livres na Venezuela, reiterando a posição do presidente Lula. Um dia depois foram presos novos colaboradores de María Corina. Mais uma vez, o Brasil ficou em silêncio mas, longe dos holofotes, integrantes do governo estão preocupados.

O suposto plano

Com as detenções desta quarta-feira, ao todo nove aliados de María Corina foram presos desde o início do ano. O Ministério Público emitiu mandados de prisão também contra Omar González, deputado do estado de Anzoátegui; Humberto Villalobos, secretário de assuntos eleitorais; Claudia Macero, chefe de comunicação; e Fernando Martínez Mottola, coordenador político da campanha.

Preso no começo de março, o então diretor da campanha Emilio Brandt é peça-chave para as novas prisões. Ao anunciar as detenções, Saab apresentou um vídeo no qual Brandt confessa a existência de um suposto plano para desencadear uma onda de protestos violentos no país, que começariam pelo estado de Barinas e incluíam a tomada de quartéis militares.

— A missão do plano [era] gerar desestabilização no país, aglomerar as massas usando sindicatos e associações estudantis para incentivar [o levante da] ala militar — disse o procurador-geral à imprensa, com base no depoimento de Brandt. — Revelamos uma série de conspirações, ameaças e ações que têm como denominador comum a intenção de semear violência e caos no país e atentar contra a vida do presidente e autoridades civis e militares.

No vídeo, Brandt denunciou também o envolvimento de Julio Borges e Antonio Ledezma, dois políticos da oposição, que seriam responsáveis pelo contato com militares exilados do país. Juntos, eles coordenariam um levante caso as manifestações não fossem suficientes para permitir a viabilidade da candidatura de María Corina. Segundo o delator, havia planos para envolver os estudantes numa passeata no Dia da Juventude, em 12 de fevereiro, que desencadearia a suposta onda de protestos.

De acordo com o procurador-geral, a principal aliada de María Corina, Magalli Meda, e Henry Alviárez, preso nesta terça, dariam as instruções para o dar início ao motim que forçaria a habilitação da opositora para concorrer às eleições. Alviárez, Oswaldo Bracho, Julio Borges e Antonio Ledezma, segundo ele, "ativariam a segunda etapa", com a entrada dos militares exilados no país pela cidade colombiana de Cúcuta, na fronteira, até o estado venezuelano de Táchira.

O coordenador político da campanha, Fernando Martínez Mottola, que no passado presidiu a companhia de telecomunicações venezuelana Cantv, seria o responsável por gerenciar a comunicação. Já Dignora Hernández cuidaria da "Grande Aliança Territorial", responsável pelas ações de subversão da ordem nas ruas, descreve Saab.

Na confissão, Brandt afirma ainda que a conspiração recebeu financiamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid). Em fevereiro de 2019, em meio à escassez crônica de alimentos e medicamentos na Venezuela, a Usaid enviou insumos para a fronteira com a Colômbia, num plano articulado com o então líder opositor venezuelano Juan Guaidó, e com os vizinhos Colômbia e Brasil, para promover a entrada dos suprimentos e enfraquecer o regime de Nicolás Maduro.

A sede do partido permaneceu fechada nesta quarta-feira, constataram jornalistas da AFP, onde um contingente de funcionários do serviço de Inteligência permaneceu "nos arredores" mais cedo.

"Condenamos o sequestro de nossos líderes, Henry Alviárez e Dignora Hernández [...] Diante do recrudescimento da repressão do regime, FIRMEZA", publicou a página do Vem Venezuela no X. Nas redes, dirigentes da legenda também divulgaram um vídeo da detenção de Hernández. "Socorro, por favor!", grita ele, enquanto luta com policiais que o obrigam a entrar em uma caminhonete.

Os EUA condenaram "as prisões arbitrárias e os mandados de prisão emitidos hoje contra membros da oposição democrática na Venezuela", escreveu o embaixador Brian A. Nichols, secretário de Assuntos do Ocidente do governo americano, em seu conta no X. "Os crescentes ataques de Maduro à sociedade civil e aos atores políticos são totalmente inconsistentes com os compromissos do Acordo de Barbados, mas não sufocarão as aspirações democráticas do povo venezuelano", acrescentou, instando "a libertação imediata desses indivíduos e de todos os que foram detidos injustamente".

Denúncia na ONU

O episódio desta quarta acontece um dia depois da líder da oposição denunciar, perante o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que Maduro tenta impedir sua candidatura às eleições presidenciais. Participando em uma reunião virtual, María Corina afirmou que o governo aumentou a perseguição contra lideranças políticas no país por saber, segundo ela, que perderá nas urnas.

— Maduro, que sabe que perdeu na via eleitoral, quer impedir que eu participe como candidata e aumentou a repressão e a perseguição — acusou Machado.

Durante a reunião com a ONU, a opositora destacou que há 264 presos políticos hoje na Venezuela, entre eles quatro membros da sua campanha detidos anteriormente: além de Brandt, Juan Freites, Luis Camacaro e Guillermo López já haviam sido presos.

— Maduro quer sair do processo eleitoral, nós continuamos porque queremos votar e escolher. Precisamos de todos vocês, levantando suas vozes para acabar com a perseguição, a violação dos direitos humanos na Venezuela e por eleições livres e justas que levem à democracia, à paz e à liberdade — pediu Machado.

Os membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU expressaram sua preocupação diante do cenário na Venezuela e pediram que o governo Maduro garantisse o retorno do escritório da organização a Caracas, cujos membros foram expulsos pelo regime em 15 de fevereiro.

A ONU instou o país a honrar os Acordos de Barbados, firmados com a oposição, que asseguraram a realização de eleições livres em troca do levantamento de sanções dos Estados Unidos. A União Europeia (UE) afirmou que considera enviar observadores para o pleito e está aguardando o convite formal do governo, além de garantias de que o processo seguirá a via democrática.

Entenda o caso

Engenheira de formação, María Corina ganhou destaque na política venezuelana como deputada pela direita, entre 2011 e 2014, com um forte discurso crítico contra o regime e a própria oposição. Em 2014, foi uma das principais articuladoras das manifestações contra o governo de Maduro, em fevereiro daquele ano, e teve seu mandato cassado no mês seguinte pela Assembleia Nacional da Venezuela, comandada pelo número dois do regime chavista na época.

Em 2015, a opositora foi inabilitada politicamente em 2015 e proibida de deixar o país por um ano. No entanto, seu nome ganhou força na ala mais radical da oposição venezuelana, sobretudo na esteira da ascensão do então presidente da Câmara, Juan Guaidó, que chegou a ser reconhecido internacionalmente como líder da Venezuela em 2019.

Em junho do ano passado, quando sua campanha para as primárias da oposição começava a ganhar tração, ela foi inabilidade por 15 anos pelo Supremo Tribunal de Justiça, controlado pelos chavistas. Mesmo assim, ela teve uma vitória esmagadora na votação em outubro, com mais de 90% dos votos. Desde o Acordo de Barbados, ela luta, sem sucesso, para que a sua candidatura seja reconhecida.

Diante da incerteza em torno da sua candidatura, a oposição começou a articular qual caminho seguir. Embora haja vozes dentro do grupo que defendam que María Corina deva abrir espaço para outro nome, a política da direita mais radical da Venezuela tem se recusado a fazê-lo. No entanto, salvo um milagre, ela não poderá estar nas cédulas.

Nos meses seguintes à inscrição de candidatos, que começa nesta semana, poderão ser feitas substituições e adesões de uma candidatura a outra, mas está cada vez mais claro que em nenhuma possibilidade María Corina vai disputar a eleição. O chavismo tem sido inflexível em seu veto, mesmo diante do risco às licenças de exploração de petróleo e ouro que os EUA deram à Venezuela para que se esquivasse das sanções internacionais, em troca de eleições livres no país.

Caso nada mude, a oposição arrisca perder sua participação nas eleições, e Maduro teria o caminho livre, assim como em em 2018. À época, o Tribunal Supremo de Justiça vetou a participação da Mesa da Unidade Democrática (MUD), de Henrique Capriles, que em 2012 esteve perto de derrotar o então presidente Hugo Chávez. Maduro, na última votação, ganhou praticamente sem rivais, concorrendo contra Henry Falcón e Javier Bertucci. (Colaborou Janaína Figueiredo)

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