Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Demitido, ministro foi pivô de esquema de laranjas do PSL; entenda evidências e versões do escândalo

Bolsonaro decidiu demitir Marcelo Álvaro Antônio do cargo de ministro do Turismo

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Brasília e São Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) demitiu nesta quarta-feira (9) o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.

Bolsonaro já havia definido que o cargo de Álvaro Antônio faria parte da reforma ministerial que ele planeja realizar no início do ano que vem. A ideia do mandatário é entregar o ministério para um nome indicado pelo centrão.

No entanto, a situação dele ficou insustentável após ele ter acusado o titular da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, de estar negociando sua cadeira com aliados do Planalto no Congresso.

Pivô do esquema de candidaturas laranjas do PSL em Minas Gerais, caso revelado pela Folha, Álvaro Antônio foi indiciado pela PF sob suspeita dos crimes de falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita de recurso eleitoral e associação criminosa —com pena de cinco, seis e três anos de cadeia, respectivamente. Ele também é alvo de denúncia pelo Ministério Público de Minas Gerais.

Uma série de reportagens desde 2019 mostrou que Álvaro Antônio patrocinou em Minas de um esquema de candidaturas de mulheres que receberam expressivos recursos públicos do partido, sem sinal de que tenham feito campanha efetiva.

Parte desse dinheiro público foi parar em empresas ligadas a assessores de seu gabinete na Câmara. Ele exercia o mandato de deputado federal em 2018.

Hoje, mais de um ano após o indiciamento pela Polícia Federal e a denúncia pelo Ministério Público, a Justiça ainda não definiu se transforma Álvaro Antônio em réu em decorrência do escândalo.

O caso saiu do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais e está atualmente no STF (Supremo Tribunal Federal), sob a alçada do ministro Gilmar Mendes, que analisa pedido da defesa para anulação de toda a operação. O argumento principal é o de que Álvaro Antônio foi investigado de forma ilegal pelas autoridades mineiras, já que tem foro privilegiado.

Em fevereiro de 2019 o agora ex-ministro já havia recorrido ao STF para tentar barrar as investigações de Minas Gerais. Na ocasião, Luiz Fux, hoje presidente da corte, negou o pedido afirmando que a jurisprudência do Supremo diz que supostos crimes eleitorais cometidos por candidatos à reeleição, como era o caso de Álvaro Antônio, não devem ser investigados na corte.

Entenda as suspeitas, as evidências de como funcionavam os esquemas e as versões dos envolvidos.​

O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), que teria participado de esquema de candidaturas de laranjas em Minas Gerais
O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), suspeito de envolvimento em esquema de candidaturas de laranjas em Minas Gerais - Jake Spring - 16.jan.19/Reuters

Qual a origem da suspeita de esquema envolvendo candidatura laranja do PSL? A Folha revelou, em 4 de fevereiro de 2019, que o agora ex-ministro do Turismo do governo Bolsonaro, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), deputado federal mais votado em Minas Gerais, patrocinou um esquema de quatro candidaturas de laranjas no estado, abastecidas com verba pública da sigla.

Como funcionou esse esquema? Álvaro Antônio era presidente do PSL em Minas e tinha o poder de decidir quais candidaturas seriam lançadas. As quatro candidatas receberam R$ 279 mil de verba pública de campanha da legenda, ficando entre as 20 que mais receberam dinheiro do partido no país inteiro.

Desse montante, pelo menos R$ 85 mil foram destinados a quatro empresas que são de assessores, parentes ou sócios de assessores de Álvaro Antônio.

Quais as evidências de que as candidaturas eram de laranjas? Não há sinais de que elas tenham feito campanha efetiva durante a eleição. Ao final, juntas, somaram apenas cerca de 2.000 votos, apesar do montante recebido para a campanha.

Em buscas realizadas pela PF em Minas Gerais no final de abril, os policiais não encontraram nas gráficas citadas nas prestações de contas nenhum documento que indicasse que elas de fato prestaram os serviços declarados à Justiça Eleitoral.

Há mais relatos sobre esse assunto? Sim. Cleuzenir Barbosa, candidata a deputada estadual pelo PSL de Minas, prestou depoimento ao Ministério Público em 18 de dezembro e afirmou que foi coagida por dois assessores de Álvaro Antônio a devolver R$ 50 mil dos R$ 60 mil de verba pública de campanha que ela havia recebido da legenda.

Depois, em entrevista à Folha, ela disse ter havido um esquema de lavagem de dinheiro pela legenda no estado e que o agora ex-ministro do Turismo sabia de toda a operação. Cleuzenir entregou também ao Ministério Público mensagem em que um assessor de Álvaro Antônio cobra a devolução de verba pública de campanha para destiná-la a uma empresa ligada a outro assessor do político. A mensagem contradiz a versão do ministro.

Outra candidata, Zuleide Olveira, de Santa Rita de Caldas, afirmou em depoimento à Polícia Federal que Álvaro Antônio pediu que ela devolvesse ao partido parte do dinheiro público do fundo eleitoral.

Em entrevista à Folha em abril, a deputada federal Alê Silva (PSL-MG) afirmou que descobriu o esquema após a eleição, a partir de relatos de políticos do PSL de Minas e de pesquisa nos dados da prestação de contas das candidatas apontadas como sendo de fachada.

O que foi apurado até agora sobre o papel de Álvaro Antônio no esquema? A PF afirmou que há indícios concretos de que houve irregularidades na prestação de contas das campanhas e que Álvaro Antônio era a cabeça do grupo que organizou o esquema.

A suspeita é que os valores relatados foram desviados para outros candidatos ou para terceiros. Um depoimento e uma planilha obtidos pela Polícia Federal sugerem que recursos do esquema foram desviados para abastecer, por meio de caixa dois, a campanha de Bolsonaro e a de Álvaro Antônio.

Qual a origem da suspeita de caixa dois na campanha de Bolsonaro? O coordenador da campanha do agora ex-ministro a deputado federal disse à PF que acha que parte dos valores depositados para as campanhas femininas foi usada para pagar material de campanha de Álvaro Antônio e de Bolsonaro. Em uma planilha há referência ao fornecimento de material eleitoral para a campanha de Bolsonaro com a expressão “out”, o que significa, na compreensão de investigadores, pagamento “por fora”.

Álvaro Antônio foi alvo de denúncia sob que acusação? Ele é acusado de falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita de recurso eleitoral e associação criminosa.

Quem mais foi denunciado?

  • O deputado estadual Professor Irineu (PSL-MG);
  • Lilian Bernardino e Débora Gomes (que disputaram vaga para deputada estadual pelo PSL);
  • Naftali Tamar e Camila Fernandes (concorreram à vaga de deputada federal);
  • Mateus Von Rondon (assessor especial do ministério);
  • Haissander Souza e Roberto Silva Soares (assessores de Álvaro Antônio na campanha);
  • Reginaldo Donizete e Marcelo Raid (donos de gráfica)

Quem já foi preso? Um assessor e dois ex-assessores do de Álvaro Antônio foram alvos de mandados de prisão em junho. Os três foram liberados pouco depois.

  • Mateus Von Rondon, assessor especial de Álvaro Antônio no Ministério do Turismo - Sua empresa aparece na prestação eleitoral de contas de quatro candidatas usadas como laranjas. A Polícia Federal tem evidências de que ele prestou serviços a mais candidatos durante a eleição, sem que eles declarassem tais gastou e sem declarar ter recebido por isso. Álvaro Antônio, seu principal cliente, não registrou gastos com seus serviços.
  • Roberto Silva Soares, ex-assessor de Álvaro Antônio na Câmara dos Deputados - Conhecido como Robertinho Soares, foi o coordenador da campanha no Vale do Aço, em Minas.
  • Haissander Souza de Paula, ex-assessor de Álvaro Antônio na Câmara dos Deputados - Também atuou na campanha em Minas. A candidata laranja Cleuzenir Barbosa afirma ter sido pressionada por Haissander e Robertinho a devolver R$ 50 mil dos R$ 60 mil que recebeu do fundo eleitoral do PSL.

O que disseram outros integrantes do partido sobre o esquema? À Folha a deputada Alê Silva relatou a existência do esquema e disse que ouviu relatos de que Álvaro Antônio a teria ameaçado. A deputada estadual Janaina Paschoal e a deputada federal Joice Hasselmann, ambas do PSL-SP, saíram em defesa de Alê e cobraram apurações. O senador Major Olímpio (SP) disse que, se fosse o ministro, pediria para sair do cargo.

O que diz Álvaro Antônio? Em diversas manifestações, o agora ex-ministro do Turismo negou irregularidades e acusou a Folha de promover uma perseguição político-partidária contra ele. Ele afirma que a distribuição do fundo partidário do PSL de Minas Gerais cumpriu rigorosamente o que determina a lei e que confia no trabalho isento, sério e justo das autoridades que investigam o caso.

Convocado a comparecer ao Senado para explicar o caso, Álvaro Antônio mais de uma vez disse que não houve esquema e que nem a sua campanha nem a de Bolsonaro tiveram caixa dois.

O ministro tentou censurar a Folha, pedindo que o jornal retirasse do ar as reportagens que revelaram a ligação dele com o esquema. A Justiça negou o pedido.

Pernambuco

O que se sabe sobre candidatura laranja em Pernambuco? A Folha revelou em 10 de fevereiro que o grupo do atual presidente do PSL, Luciano Bivar (PE), recém-eleito segundo vice-presidente da Câmara dos Deputados, criou candidatas-laranjas em Pernambuco. Uma delas recebeu R$ 400 mil de dinheiro público durante as eleições.

Como funcionou esse esquema? Maria de Lourdes Paixão, 68, virou candidata de última hora para preencher vaga remanescente de cota feminina. O PSL repassou R$ 400 mil do fundo partidário no dia 3 de outubro, quatro dias antes da eleição —ela foi a terceira que mais recebeu dinheiro do partido no país. Já Érika Santos, ligada a Bivar e assessora de imprensa do partido, recebeu R$ 250 mil. Ela também foi escolhida de última hora para disputar a eleição. Há ainda suspeitas de que a candidata Mariana Nunes seria laranja.

Quais as evidências de que ela era laranja? Maria de Lourdes sustenta que gastou 95% do dinheiro em uma única gráfica para a confecção de 9 milhões de santinhos e 1,7 milhão de adesivos. Para isso, cada um dos quatro panfleteiros que ela diz ter contratado teria, em tese, a missão de distribuir, só de santinhos, 750 mil unidades por dia —sete panfletos por segundo, no caso de trabalharem 24 horas ininterruptas.

A Folha foi a endereços vinculados à gráfica e não encontrou sinais de que ela tenha funcionado durante a eleição.

Lourdes teve somente 274 votos. Érika, que destinou R$ 56,6 mil à mesma gráfica, teve 1.315 votos. Não há também sinais de que as candidatas tenham de fato feito campanha. O advogado que defende Lourdes na investigação tem seus honorários pagos pelo PSL.

O que é a cota de gênero? A atual legislação exige que 30% das candidaturas sejam do sexo feminino e que 30% do fundo eleitoral sejam destinados a candidatas mulheres.

O que dizem os responsáveis pelo partido? Luciano Bivar (presidente do PSL) nega que a candidata de Pernambuco tenha sido laranja e disse que a decisão do repasse de R$ 400 mil foi da direção nacional, na época presidida por Gustavo Bebianno, demitido por Bolsonaro em meio à crise dos laranjas. Afirmou também que é contra as cotas e que mulher não tem vocação para política.

Bebianno contradisse Bivar e afirmou que decisões de repasses são das direções estaduais. Em Pernambuco, o partido é presidido por Antônio de Rueda, advogado particular de Bivar. O ex-ministro disse ainda que nunca viu a candidata-laranja.

Qual a resposta da Polícia Federal ao caso? A PF intimou Maria de Lourdes Paixão a prestar depoimento, que foi dado no Recife. O presidente Bolsonaro determinou a abertura de inquérito pela instituição.

Em 15 de outubro, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços de Pernambuco ligados a Bivar. A casa de Bivar no Recife e a sede do partido estão entre os alvos.

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