Saúde Ciência

Museu Nacional: itens do acervo que se pensavam perdidos são resgatados

Diretor diz que exposição reunindo as peças salvas será montada 'em breve'; Equipe de reportagem do GLOBO entrou no prédio, que pegou fogo em setembro de 2018
Escombros dentro do prédio do Museu nacional, na Quinta da Boa Vista, que foi atingido por um incêndio de grandes proporções em setembro passado Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Escombros dentro do prédio do Museu nacional, na Quinta da Boa Vista, que foi atingido por um incêndio de grandes proporções em setembro passado Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

RIO - Cinco meses após o incêndio do Museu Nacional, o cheiro de fumaça persiste — pode ser sentido metros antes de se entrar no prédio, mas fica ainda mais intenso no nariz de quem passa pelos corredores e salões do que outrora foi a instituição científica mais tradicional do país e reunia mais de 20 milhões de itens. Nesta terça-feira, dia 12, o museu foi aberto pela primeira vez a jornalistas desde que o prédio foi consumido pelo fogo, em setembro passado. O cenário ainda é de ruína, mas os pesquisadores e o diretor do lugar, Alexander Kellner, estão animados: eles dizem que já conseguiram recuperar mais peças do que achavam que seria possível. Embora ainda não consigam dar uma estimativa do quanto.

Logo após o incêndio ser contido, os estudiosos achavam que tudo o que não conseguiram retirar do antigo palácio naquela mesma noite havia sido perdido. Agora, fazem uma força-tarefa para catalogar, limpar e restaurar uma série de peças: cerâmicas, minérios, fósseis como o do Maxacalissauro — um dos dinossauros mais queridos pelas crianças que frequentavam o museu — e o do crânio de Luzia, ainda que muitas delas tenham sido encontradas em pedaços.

— Só na coleção dos vertebrados, tínhamos 12 mil itens — exemplifica a coordenadora da coleção de paleontologia de vertebrados, Luciana Carvalho. — Logo de cara, pensamos que tudo havia se perdido. Mas, agora, acreditamos que talvez recuperemos cerca de 5 mil, só dessa coleção.

Funcionários da construtora responsável pela obra no Museu Nacional trabalham na fachada do prédio Foto: Marcia Foletto / Marcia Foletto
Funcionários da construtora responsável pela obra no Museu Nacional trabalham na fachada do prédio Foto: Marcia Foletto / Marcia Foletto

Muitas peças foram protegidas pelo "acaso": minérios que haviam sido retirados de exibição ao público e separados para uma futura exposição, que seria feita em dezembro, foram guardados em armários de metal na parte de trás do prédio. Isso fez com que eles fossem pouco afetados pelas altas temperaturas.

Os pesquisadores afirmam que não é possível ainda estimar o quanto do acervo, dos equipamentos e dos elementos arquitetônicos foi salvo até o momento. A maior preocupação, por ora, é concluir os trabalhos, e não contabilizar os itens, alegam eles.

Vigas de ferro retorcido no salão em que funcionava o auditório do museu, lugar onde teses eram defendidas, por exemplo. Os ferros dão a sensação de serem uma instalação artística não intencional Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Vigas de ferro retorcido no salão em que funcionava o auditório do museu, lugar onde teses eram defendidas, por exemplo. Os ferros dão a sensação de serem uma instalação artística não intencional Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

O diretor do museu anunciou que, "em breve", será realizada uma exposição com os itens resgatados. Ele disse não poder precisar a data, até porque o trabalho de identificação e retirada dos itens do museu, com a complexa tarefa de separar o que é escombro e o que é peça valiosa, ainda não terminou.

— Vocês vão ver várias "Luzias", isso eu posso garantir — disse Alexander Kellner.

Apesar de Luzia, o fóssil humano mais antigo já encontrado na América do Sul, com cerca de 13 mil anos de idade, ter um evidente valor histórico único, fragmentos de outros fósseis de grande importância estão sendo recuperados, explica o diretor.

O segundo andar do museu concentrava as coleções científicas — incluindo as múmias, todas perdidas —, e o terceiro armazenava o arquivo de memória da instituição. Se na área das coleções nem todas as peças foram destruídas pelo fogo, no terceiro andar tudo foi devastado.

— Todos os documentos que guardavam a memória do museu eram em papel — conta a pesquisadora Luciana Carvalho. — Tudo queimou. Mas temos ainda a esperança de reunir algum arquivo que tenha sido replicado por pesquisadores e alunos. Já recebemos algumas cópias assim.

De todas as coleções, a dos meteoritos foi a menos afetada. O Bendegó — encontrado no sertão da Bahia e conhecido como o maior siderito já achado em solo brasileiro, pesando 5.360 quilos — permanece em seu tradicional posto, na entrada do museu, como uma espécie de símbolo de resistência. Como todo meteorito, ele tem resistência a altas temperaturas, o que fez com que ele "sobrevivesse" ao incêndio.

Mas logo atrás dele, no hall do museu, a escada principal salpicada de rachaduras, as paredes queimadas e corroídas e sem qualquer telhado que as proteja — o teto foi totalmente varrido pelo fogo — dão a clara dimensão da destruição.

O salão onde ficava o auditório é hoje um espaço vazio com vigas de ferro retorcido entre as paredes, como para segurá-las depois de se curvarem por causa do fogo. A imagem lembra uma instalação.

Museu Nacional abriu as portas históricas, que resistiram ao incêndio, para a visita de equipes de imprensa registrarem os trabalhos de recuperação de peças e do próprio prédio do Palácio São Cristóvão. Chamou a atenção enormes vigas de ferro retorcidas como 'barras de chocolate'
Museu Nacional abriu as portas históricas, que resistiram ao incêndio, para a visita de equipes de imprensa registrarem os trabalhos de recuperação de peças e do próprio prédio do Palácio São Cristóvão. Chamou a atenção enormes vigas de ferro retorcidas como 'barras de chocolate'

Verba de R$ 16 milhões

A verba recebida pelo museu até o momento é de R$ 16 milhões: R$ 11 milhões do Ministério da Educação (MEC), e R$ 5 mi da Unesco via MEC.

O diretor, Alexander Kellner, diz que isso é suficiente para obras emergenciais e de contenção de danos, com restauração de toda a fachada e reconstrução do interior do museu. A expectativa é de que ao menos o trabalho de restauração do prédio termine até 2020.

— O dinheiro está vindo, por ora não é um problema. Com o que temos, dá para fazer. Podem nos cobrar — garante ele.

Funcionária do museu trabalha na recuperação de cerâmicas brasileiras retiradas dos escombros, várias delas do período pré-colonial Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Funcionária do museu trabalha na recuperação de cerâmicas brasileiras retiradas dos escombros, várias delas do período pré-colonial Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Desses R$ 16 milhões, pouco mais de R$ 1 milhão será destinado para a elaboração do projeto que definirá o modo como o museu será restruturado. Esse projeto sairá do vencedor de um edital lançado na última segunda-feira, 11, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Kellner diz que ainda não conversou com o presidente, Jair Bolsonaro, ou com qualquer pessoa da alta cúpula do governo sobre o futuro do museu. Mas o diretor não vê isso como um problema.

'Esses pesquisadores são heróis'

Há um aspecto que Alexander Kellner não se cansa de repetir:

— Esses pesquisadores são verdadeiros heróis que estão resgatando a História do nosso país. Eles vêm aqui de forma voluntária, alguns todos os dias, para acompanhar os trabalhos, ajudar a analisar as peças. Não estão obrigados a fazer isso. Mas o fazem por amor a esse lugar e à nossa memória. Isso tem que ser reverenciado.

Entre os estudiosos que entram no prédio em ruínas quase que diariamente está o paleontólogo Sérgio de Azevedo, que foi diretor do museu entre 2003 e 2010. O que aprendeu a fazer em sítios arqueológicos distantes ele tem feito ali mesmo, na tão familiar Quinta da Boa Vista.

— Antes do incêndio, eu era "só" um pesquisador. Agora, assim como outros, tomei para mim múltiplas funções. Venho para cá todos os dias. Ainda trabalho aqui, afinal, só que agora na retirada de material, separação do que é escombro e do que é item de acervo — diz ele. — Outro dia, achamos em uma das áreas mais atingidas pelo fogo, plásticos com crustáceos. Foi uma surpresa. Encontramos muitas coisas que iríamos perder. E perdemos várias que achamos que seria fácil recuperar. Um incêndio é quase sempre muito irregular, deixa muitas surpresas assim.

Diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Prova disso é um pequeno banheiro do térreo do museu que foi completamente preservado, ficando apenas sujo de fuligem das chamas. Nada nele pegou fogo. Até o papel higiênico se manteve.

Perguntado sobre o fator que mais dificulta o trabalho de recuperação das peças, Azevedo foi rápido na resposta:

— O calor. Trabalhar dentro desse prédio no verão do Rio de Janeiro tem sido muito desgastante.

Já no final da visita, Claudia Carvalho, outra pesquisadora do museu, contou que se emociona ao ver o prédio no estado atual. Mas não esconde o otimismo:

— Sonho ver, daqui a cinco anos, quem sabe, famílias com crianças entrando aqui.

Etapas da recuperação

O primeiro passo é analisar tudo o que há dentro do prédio para separar itens do acervo de meros escombros. Isso é feito por servidores federais que são pesquisadores da instituição, ao lado de funcionários da construtora responsável pela obra do museu, a Concrejato Engenharia. Existe um código referente a cada área da planta do prédio, e é esse código que é usado para identificar cada material.

Esses itens vão para uma triagem, onde eles serão analisados e catalogados.

Em seguida, as peças que de fato compõem o acervo são enviadas para um laboratório provisório de conservação e estabilização, montado em um contêiner na área externa do prédio.

Nesse laboratório, as peças são limpas e armazenadas, para que sejam enviadas à restauração.